A construção do moderno Vietnã

A característica de resistência às invasões estrangeiras que moldaram a formação da nação Vietnamita e o atual desenvolvimento da economia do país, onde o Partido Comunista do Vietnã comemorou 79 anos de fundação e o povo vietnamita festejará 64 anos de República

No próximo dia 2 de setembro, o Vietnã comemorará 64 anos de proclamação da República Socialista. Há muito que comemorar e muitas lições a extrair da trajetória histórica deste pequeno país asiático que teve o mérito extraordinário de derrotar e expulsar duas grandes invasões – a dos chineses Han e dos mongóis de Kubai Khan – e três grandes imperialismos: o colonialismo francês, o invasor japonês e o imperialismo estadunidense.

A tradição de resistência aos chineses e mongóis

Na verdade, a região hoje conhecida como Vietnã foi invadida pela primeira vez no ano de 111 A.C. e dominada pelos chineses até o ano de 938 D.C.—quando cerca de 100 mil soldados da Dinastia Han tomaram de assalto uma sociedade organizada em moldes feudais, que vivia da agricultura, da pesca e da caça. Os chineses, então, tentaram implantar sua própria cultura e procuraram impor um sistema estatal centralizado que acabou enfrentando uma tenaz resistência. O ato de resistência mais famoso desta época ficou conhecido como a Rebelião das irmãs Trung, que no ano 40 D.C. — diante do assassinato de um importante senhor feudal pelas forças chinesas — sua esposa e a irmã dela se articularam com os chefes feudais locais e expulsaram os invasores. Elas se auto-proclamaram rainhas do Novo Reino Vietnamita, mas foram derrotadas em seguida, três anos depois, pelas mesmas forças da Dinastia Han. As irmãs, no entanto, não se renderam e se atiraram no Rio Hat Giang, onde morreram afogadas.

No século 10 em meio ao colapso da Dinastia chinesa Tang e com o crescimento da revolta vietnamita, em 938, o senhor feudal Ngo Quyen comandou a batalha que expulsou os chineses e acabou com quase mil anos de dominação na terra que recebeu o nome de Annan, ou seja “O Sul Pacifico”, denominação dada pelos chineses. Desde essa era, a memória coletiva da resistência ao jugo chinês jogou um importante papel na formação da identidade vietnamita. Foi durante a Dinastia vietnamita Ly (1010-1225) que foi fundada a primeira universidade vietnamita, “O Templo da Literatura de Hanói”. Ali se aprofundou o Confucionismo e o Taoísmo, herdados da influência chinesa. Com o conhecimento desenvolvido foram construídos os primeiros diques de controle das inundações do Rio Vermelho. Entre a Dinastia Tang e a Dinastia Le os Mongóis invadiram o Vietnã sob a direção de Kubai Khan — num primeiro momento com 500 mil homens, mas que foram rechaçados, e numa segunda tentativa que contou com 300 mil guerreiros — acabaram por impor seu domínio por algum tempo em terras vietnamitas.

“Toda a água do Mar do Leste não seria capaz de varrer a ignomínia; todo o bambu das Montanhas do Sudeste não seria suficiente para fazer o papel necessário para descrever todos os seus crimes”—foi como o poeta Nguyen Trai (1380-1442) descreveu a violência perpetrada por estas invasões baseadas em trabalho escravo e alta taxação de impostos. Em 1418, Le Loi – nascido de uma rica família vietnamita e que resolveu dividir sua riqueza com os pobres — começou a organizar a resistência que colocou um fim na dominação chinesa na revolta conhecida como o Levante de Lam Son. Usou táticas de guerrilha e angariou o apoio popular, pois costumava não pilhar as aldeias como era comum nesta época. Após sua vitória declarou-se Imperador Ly Thai To. Até hoje Le Loi é reverenciado com um dos grandes heróis nacionais. O mestre Nguyen Trai resumiu assim a experiência do povo vietnamita na Grande Proclamação: “Nosso povo há muito tempo construiu o Vietnã como uma nação independente, com sua civilização própria. Nós temos nossas montanhas e nossos rios, nossos costumes e tradições, e estas são diferentes daquelas dos países estrangeiros ao norte. Fomos algumas vezes fracos e outras ocasiões poderosos, mas em tempo algum sofremos da falta de heróis…”

A reforma agrária e a ocupação francesa

A Dinastia Le Loi e de seus sucessores vigorou de 1524 até 1788, quando promoveram um vasto programa de reforma agrária e distribuição de terras. Estenderam seu domínio até a região sul do Vietnã. Em termos culturais houve uma recuperação dos costumes e conceitos próprios da região, eclipsando a influência poderosa de mais de mil anos de ocupação chinesa. A língua vietnamita foi recuperada e a produção literária prosperou. Na esfera familiar os direitos da mulher foram igualados aos dos homens, mas foram mantidos escravos os prisioneiros de guerra. Apesar de todos estes desenvolvimentos a cultura chinesa ainda manteve sua influência e o neo-confucionismo permaneceu dominante na elite do país.

De 1771 a1802 estalou um levante liderado pelos irmãos de uma forte e rica família de comerciantes, que tomou o nome de Os Rebeldes de Tay Son. Eles assassinaram o Príncipe e sua família e se autonomearam reis da Região Norte e da Região Central. O único sobrevivente da família real anterior fugiu para a Tailândia e a partir de lá passou a ter contatos com representantes do governo Francês. Com a ajuda de missionários jesuítas franceses e comerciantes estabelecidos na Índia e diante da luta interna no governo Tay Son, Nguyen Anh retomou o poder e unificou pela primeira vez o sul e o norte do Vietnã com capital em Hanói. Mesmo assim os chineses tentaram reocupar o país através de uma invasão com 200 mil homens. A tentativa, entretanto, foi rechaçada. A influência francesa foi crescendo a partir da perseguição religiosa aos católicos num país cada vez mais dominado pelo confucionismo. A França acabou por impor seu domínio colonial ao Vietnã em 1859, e se estendeu por 95 anos até 1954. Durante todo este período a resistência permaneceu ativa em várias regiões do país.

A invasão japonesa e a 2ª Guerra Mundial

Os conflitos bélicos que se desencadearam no mundo a partir de 1931 e se prolongaram até 1938 atingiram a península do sudeste asiático. Foi uma sequência de guerras regionais que conduziriam depois à II Guerra Mundial e que possuíam características comuns: foram lideradas e fomentadas pelos países que constituíam o chamado Eixo: Alemanha, Itália e Japão. No caso da Ásia, a debilidade da economia japonesa – atingida pela crise de 1929 e pelo protecionismo comercial dos EUA, França e Inglaterra – acelerou a radicalização de conflitos internos no Japão e o exército adotou o Plano Tanaka, que visava à conquista do Norte da China, a Sibéria e as colônias européias do sudoeste asiático.

A Manchúria foi invadida em 1931 e o Jehol, ainda na China, em 1933. Região rica em minérios e com grande potencialidade agrícola fornecia a base estratégica para o prosseguimento do Plano Tanaka. Este movimento japonês também tinha a função de testar a reação da Liga das Nações, da qual a China e os Estados Unidos faziam parte. Disso dependia a expansão japonesa. Com a queda da França sob domínio nazista da Alemanha, em 1940, o Almirante francês Jean Decoux aceitou a presença de tropas japonesas no Vietnã. Os japoneses, por seu turno, deixaram os franceses com o encargo de Governo e ocuparam posições-chave no país segundo seus interesses estratégicos. O único grupo que permaneceu resistindo à ocupação japonesa foi o Viet Minh, dirigido por forças comunistas. Na primavera de 1945 o Viet Minh já dominava boa parte do Norte do Vietnã.

O papel de Ho Chi Minh e Vo Nguyen Giap

Nguyen Ai Quoc, que depois ficou conhecido como Ho Chi Minh, estabeleceu junto com seus camaradas os fundamentos do Partido Comunista do Vietnã, em 3 de fevereiro de 1930. Foi justamente sob a liderança do PCV que o povo vietnamita se levantou contra o domínio colonial francês e a ocupação japonesa. Para chegar à vitória contra os franceses, o Exército vietnamita foi construído a partir de um regimento composto por 34 homens sob o comando de Vo Nguyen Giap. Dez anos depois este estrategista militar – hoje entre os maiores da história mundial – conseguiu impor a derrota ao Exército de ocupação francês na famosa batalha de Dien Bien Phu. Em agosto de 1945, o Partido organizou o Grande Levante Nacional e proclamou a República Democrática do Vietnã, no dia 2 de setembro de 1945. Esta é a data nacional que os vietnamitas comemoram.

Por nove anos as forças armadas vietnamitas lutaram para expulsar o exército francês. Logo após foi firmado em Genebra um acordo sobre o Vietnã, no qual ficou provisoriamente estabelecida uma divisão entre o Vietnã do Norte e o Vietnã do Sul, na linha do paralelo 17, com o prazo de dois anos para a realização de eleições gerais em todo o país. A parte norte do Vietnã, denominada República Democrática do Vietnã, formalizou a capital em Hanói, sob a direção do PCV. O Vietnã do Sul, a chamada República do Vietnã, ficou sob orientação de um governo pró-francês num primeiro momento e depois passou a apoiar os norte-americanos que já davam assistência militar e logística aos franceses. A partir de sua capital, Saigon, o governo títere tomou todas as providências para impedir a realização das eleições, prendendo e assassinando os participantes do movimento de resistência que estava se organizando no sul, que tinha como bandeiras a luta pela paz e pela reunificação do país. Em 20 de dezembro de 1960 foi fundada a Frente Nacional de Libertação do Vietnã do Sul.

A vitória contra as tropas dos Estados Unidos

Com o objetivo de sustentar o governo instalado em Saigon, o exército dos Estados Unidos aumentou sua atividade militar, chegando a ter mais de 500 mil soldados em ação no Vietnã. A partir de 5 de agosto de 1964, a CIA forjou um ataque vietnamita à embarcações militares americanas no Golfo de Tonkin e a Força Aérea norte-americana iniciou o covarde bombardeio do Vietnã do Norte, ocasião em que o avião pilotado pelo ex-candidato a presidente dos EUA pelo Partido Republicano, John McCain, foi abatido e depois apreendido. Superando incontáveis dificuldades e a enorme desproporção de poder de fogo, o povo vietnamita bravamente conquistou a vitória, resistiu às violências desumanas das forças intervencionistas americanas e forçaram a assinatura de um Tratado em Paris no qual os EUA ficaram obrigados a restabelecer a paz e a retirar toda a sua força militar do território vietnamita.

Na primavera de 1975, as forças patrióticas do Vietnã desencadearam uma grande ofensiva e derrubaram o governo títere de Saigon, libertando a Nação vietnamita do jugo estrangeiro de uma vez por todas. Em 25 de abril de 1976, a República Democrática do Vietnã foi renomeada República Socialista do Vietnã, que a partir de então passou a ser governada de forma unificada com capital em Hanói. Em 1977 o Vietnã foi aceito como membro plenipotenciário da Organização das Nações Unidas, a ONU. Depois de um período como esse, aqui brevemente relatado, em que o país sofreu todo o tipo de problemas decorrentes de uma guerra prolongada – como a devastação de boa parte do território, a liquidação da infra-estrutura básica, como pontes, rodovias e ferrovias, a questão dos refugiados, uma disputa de fronteiras com a China na região norte e calamidades naturais como inundações – com todas essas desgraças, o governo e o povo do Vietnã soube reconstruir o país.

A política de Renovação do “Doi Moi”

Desde 1986, o governo central colocou em prática a política chamada
''Doi Moi'', ou seja, um amplo processo de renovação para alavancar o desenvolvimento econômico diante da globalização acentuada dos mercados internacionais e a construção de novos blocos econômicos regionais. Prioridade total foi dedicada às reformas econômicas e à criação de um mercado econômico em vários setores, regulamentados pelo governo, ao mesmo tempo em que uma série de medidas foram tomadas para reestruturar o aparelho estatal, dando-lhe maior eficiência e transparência. Assim, a economia vietnamita vem crescendo a índices extraordinários há décadas, saindo do isolamento e do bloqueio econômico imposto pelos EUA logo depois do final da guerra.

De 2003 a 2007 o comércio bilateral entre o Vietnã e o Brasil aumentou sete vezes. Com a visita recente de uma grande delegação do governo brasileiro chefiada por Luiz Inácio Lula da Silva, as relações se aprofundaram e vários acordos foram assinados. Papel destacado nesta cooperação entre os dois países cumpre o Itamaraty e a representação diplomática do Brasil em Hanói, dirigida pelo embaixador João de Mendonça Lima Neto. O 10º Congresso do PCV, realizado em abril de 2006, manifestou a firme determinação do Partido de elevar a capacidade de direção e a combatividade de seus membros — impulsionar em múltiplos terrenos a obra da renovação — para fazer o país emergir de forma a mais rápida possível do subdesenvolvimento, criando condições para que a nação se converta em um estado industrializado e moderno em 2020.

(Resumo da apresentação feita no painel sobre as lutas dos partidos comunistas na China, Vietnã e Cuba no Curso de Nível 3 da Escola Nacional do PCdoB, em julho de 2009).

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