A derrota de Israel na guerra contra o Líbano

A partir das 8h da manhã – hora local de Beirute – entrou em vigor nesta segunda-feira que passou, dia 14 de agosto, o cessar fogo na agressão que Israel cometeu contra o Líbano, após 32 dias de incessantes bombardeios, que vitimaram 1.100 libaneses e mai

Isso tudo sem falar na completa redestruição do Líbano (que já havia sido destruído na sua guerra civil ocorrida entre 1975 e 2000). Pontes, estradas, aeroportos, bairros inteiros, centrais elétricas e mesmo postos de saúde e hospitais, foram impiedosamente atacados, com a total e ampla complacência dos Estados Unidos, da mídia internacional e de praticamente toda a opinião pública israelense, da direita até à esquerda (de linha sionista, claro).


 


A resolução nº 1.771, aprovada por unanimidade pelo Conselho de Segurança (são ao todo 15 membros), determina o imediato cessa fogo e ainda que não mencione prazos, determina que forças libanesas e internacionais ocupem gradativamente o sul do país. Israel começou de imediato a retirada de parte de seus quase 30 mil soldados na região, que vai da fronteira do país com Israel, até o rio Litani, uma faixa de mais ou menos 30 quilômetros de largura. Israel não deixará totalmente a região de fronteira. O argumento é que o Hezbolláh controla a região e tem capacidade – e continuará tendo mesmo depois dos ataques – de lançar mísseis ao Norte de Israel.



Os dois lados cantam vitória


 


Falar em “dois lados” nesse conflito é equivocado. Não é uma guerra convencional. De um lado, o oitavo mais poderoso exército do mundo e um dos mais bem treinados e equipados. Os israelenses atacaram por terra, ar e mar o Líbano, com dois objetivos básicos: 1. Resgatar os dois soldados seqüestrados por milicianos libaneses capturados em 12 de julho e 2. Destruir o Hezbolláh. Para cumprir esses dois objetivos, bombardeou incessantemente o Líbano, aldeias inteiras, destruiu casas, prédios de apartamentos. Enfim, comete atrocidades, massacrou e ajudou a mutilar centenas e milhares de pessoas (das mais de mil que morreram, mais de 30% eram crianças e a maioria mulheres e velhos). Do lado dos libaneses, a guerrilha libanesa, tendo à frente o Hezbolláh (mas não somente estes, pois a resistência aos ataques e à invasão foi feita também por outros grupos e membros de outras organizações, como os comunistas libaneses também).


 


Assim, existe uma assimetria nesse conflito. Mas, dando esse desconto e nesse contexto é que se discute o real significado dessa guerra, desse ataque e dessa forma devemos avaliar se Israel venceu a guerra como vem alardeando ou se foi fragorosamente derrotado. Em relação aos dois objetivos específicos a que se dispôs, a derrota foi total. Nem os soldados foram libertados (e a soltura ainda dependerá de muita negociação e conversação) e nem o Hizbolláh foi derrotado e desarmado. Estes não só seguem firmes, como acabam de anunciar uma política ampla de reconstrução de casas para a população e pagamento de aluguéis por até um ano para os que perderam suas casas nos ataques e bombardeios á população civil de todo o Líbano.


 


A resolução aprovada pela ONU apenas determina que “cessem as hostilidades” e que Israel desocupe o sul do Líbano e retire seus soldados. Não se menciona o desarmamento do Hizbolláh, que seria feito por forças internacionais da ONU ou mesmo pelo exército libanês, que tem enviado sinais de que não cumprirá esse papel.


 


A derrota que Israel viveu nesse episódio será ainda melhor dimensionada nos próximos dias e que poderemos avaliar até sobre a possibilidade de um imenso desgaste do governo e novas eleições. A questão mais central é sobre a queda do mito da invencibilidade do exército israelense. O completo fracasso militar e diplomático (esse cominho quase nem sequer tentado), vai expor Israel, não só internamente, mas na comunidade internacional. Cai por terra o mito de Israel potência e surge o de Israel genocida, que mata indiscriminadamente civis.


 


Esse fracasso israelense terá conseqüências diversas. Uma delas, seguramente, será a ampla unidade dos povos árabes e dos muçulmanos. O sentimento anti-Israel e anti-americano deverá crescer de forma exponencial. Dentro do islamismo, a corrente xiita acaba por sair fortalecida, pois estes deram combate firme e destemido no Líbano (ainda que no Iraque essa corrente tenha aceitado a ocupação e procedeu a acordos com os americanos, considerados inaceitáveis).


 


A derrota israelense acaba por retardar toda e qualquer ação que os Estados Unidos poderiam – e seguramente estavam – tramando contra o Irã e contra a síria. Não foi por acaso que os presidentes desses dois países, respectivamente Mahmoud Ahmadinejad e Bashar El Assad, fizeram discursos de apoio e congratulações ao Hizbolláh no dia seguinte ao início do cessar fogo. A resistência iraquiana deverá crescer também, com aumento do desgaste tanto dos americanos com o governo títere que estes apóiam naquele país ocupado.


 


É claro que Israel sairá do Líbano e mesmo o massacre que perpetrou nesse país, não terá seus líderes, especialmente o primeiro Ministro Ehud Olmert e o ministro da Defesa, do neo-direitista, ultra falcão e sionista Amir Peretz, sem que estes sejam julgados por corte internacional de justiça alguma pelas barbaridades que cometeram no Líbano. Não testemunharemos ainda desta vez, nenhum julgamento internacional em corte internacional de justiça de crimes de lesa humanidade e de genocídio, como os que vimos com os carrascos nazistas alemães em 1945. Claro, a correlação de forças no mundo era completamente outra. Mas que Israel sairá desgastado, isso não tenho a menor dúvida.


 


A opinião pública israelense, que no início das agressões em 12 de julho estava praticamente toda ao lado dos ataques contra o Líbano, vai mudando de lado. Os intelectuais, alguns de esquerda inclusive, escritores, que no início apoiaram a agressão abertamente, agora se voltam contra o governo e pediram o cessar fogo. Especialmente depois do massacre de Qana, quando pelo menos 37 crianças foram mortas brutalmente. É lamentável que escritores como Amóz Oz, A. B. Yeoshúa e David Grossman, tenham apoiado os ataques, mas, felizmente, somaram suas vozes pela retirada.


 


Os maiores jornais israelenses, como o Haaretz (o maior) e o Yediot Ahronot, realizaram diversas pesquisas de opinião. Antes e depois dos ataques ao Líbano. Quanto à invasão militar por terra do Líbano, antes dos ataques era de 75% de apoio e nos últimos dias caiu para 48% e o apoio à Olmert, que era de 65%, caiu para meros 37%. Não arrisco que ele cairá de imediato, mas sairá profundamente desgastado do episódio. Articulistas conceituados, entre eles Ari Shavit, do Haaretz, chega a propor de forma taxativa: “Olmert deve retirar-se”, onde acusa o governo de ter entrado em uma aventura sem calcular as conseqüências (1).


 


Do lado do Hizbolláh, o Sheik Hassan Nasrallah proclamou ampla vitória. Chegou a falar em uma “vitória estratégica, uma vitória histórica contra Israel” (2). Em fevereiro deste ano, o máximo que o Hizbolláh (que em árabe quer dizer “Partido de Deus”), conseguia de popularidade era algo em torno de 29%, proporcional à fatia de xiitas no Líbano. Hoje, pesquisas indicam quase 90% de apoio e de popularidade. Mesmo entre cristãos, esse índice chega a 80% e com os drusos a 89% (3).



Futuro sombrio


 


Ainda que não seja pessimista, não vejo nenhuma perspectiva de paz na região. A arrogância israelense, apoiada descaradamente pelos Estados Unidos, o massacre que estes apoiaram por 32 dias seguidos, com a destruição desse país maravilhoso, foi mais um grande erro da administra George W. Bush, um verdadeiro fracasso da política externa americana e republicana (e não teria sido diferente). Se Israel quer uma faixa de segurança de 30 quilômetros, porque não recuar em seu próprio território no norte de seu país? Porque tem que tomar terras libanesas?


 


De nada vai continuar os Estados Unidos, Israel e a mídia internacional continuar vendo Irã e Síria como inimigos, como “apoiadoras do terror” (sic). Porque Israel e os EUA querem que se cumpra apenas as resoluções que lhes convém, como a 1.559 (que exige o desarmamento do Hizbolláh)? Porque não cumprem as resoluções, também estas aprovadas por unanimidade (uma das poucas que os EUA apoiaram contra Israel), de números 224 e 338, da década de 1960, que mencionam a completa retirada israelense dos territórios palestinos ocupados?


 


De nada vai adiantar a insistência do unilateralismo. Tomada de decisões unilaterais por parte do governo de Israel, de retirar-se de terras palestinas, sem negociar com a liderança palestina, em nada vai adiantar. Quando entramos em uma negociação não escolhemos os parceiros. A liderança palestina, o Hamas, a Fatah, são com esses que Israel deve sentar-se á mesa e negociar. E a solução segue sendo devolver terras. No caso específico, agora deve ser a libertação de centenas de prisioneiros, de seqüestrados por Israel, que cumprem penas sem direito a julgamento nas masmorras israelenses, sem direito a defesa e sem poder ver as suas famílias. A paz passa pelas fronteiras de 1967, pela volta dos palestinos refugiados pelo mundo (ou indenização justa) e estabelecimento de Jerusalém como capital da Palestina. É preciso derrubar o muro que separa árabes e judeus naquela terra que é considerada santa para bilhões de pessoas em todo o mundo.


 


Os meus leitores sabem que não sou religioso e nem acho que o problema no Oriente Médio seja de natureza religiosa, mas sim político. No entanto, quero concluir minha coluna desta semana lembrando o velho testamento, em especial Deuteronômio, um dos livros mais sagrados para os judeus da antiguidade (não sei se seguem ainda esses pensamentos). Há três princípios que são pregados nesse livro bíblico, válidos até os dias atuais: 1. fazer uma boa governança, amparado na lei; 2. boas relações com as pessoas, tendo como base tratar as pessoas da forma como gostaríamos de ser tratados e 3. Praticar sempre a justiça. Estou de acordo. Especialmente na passagem de 18 a 20, onde afirma “a justiça, e somente a justiça, deverás perseguir”. Porque o governo israelense não segue essa máxima? (4). Moisés estava certo quando dizia para que fossem atendidas as demandas entre duas partes em uma disputa, que daí surgirá uma solução duradoura e justa (ver Khouri).


 


Notas



(1) Artigo recebido pela Internet do IAR Notícias de 13 de agosto de 2006, intitulado “Cai a popularidade do governo Olmert e os israelenses não crêem em uma vitória contra o Hizbolláh”.


(2) Ver artigo intitulado Booth sides claim victory, no site da rede de TV Al Jazeera (www.aljazeera.com), em despacho de 14 de agosto de 2006.


(3) Ver entrevista na revista Carta Capital, feita por Mino Carta, com o médico libanês radicado no Brasil, Dr. Riad Younes, intitulada “O Hizbolláh cresce”, na edição 406 de 16 de agosto de 2006, página 34.


(4) Ver artigo intitulado “Voices across the divide”, do jornalista Rami Khouri, publicado no The Observer no endereço http://www.guardian.co.uk/israel/comment/0,,1838405,00.html

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