A hora de enfrentar Bolsonaro é agora

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A decisão monocrática de Edson Fachin, em julgamento de habeas corpus, declarando a incompetência da 13ª Vara de Curitiba e anulando as sentenças proferidas por Sérgio Moro referentes ao ex-presidente Lula, independente das motivações do Ministro, provocou um tremendo reboliço jurídico e político. A PGR recorreu, Gilmar Mendes reagiu pautando na 2ª Turma a suspeição de Moro, Lula teve seus direitos políticos restituídos e ressurgiu no cenário político em alto estilo e até Bolsonaro passou a usar máscara. Foi só por um dia, mas usou. Muitos, impactados por este novo cenário, declararam aberta a corrida presidencial de 2022, contando como certa a polarização Bolsonaro x Lula, e se jogam de cabeça na campanha do ex-Presidente. Aqui, faço coro com meu camarada Luciano Siqueira, que em recente artigo afirmou que, sobretudo para quem trabalha na construção de uma ampla coalizão de forças para derrotar a extrema direita, toda a cautela é válida. Até 2022, muita água há de rolar por debaixo da ponte.

No campo jurídico, não se pode tomar a restituição dos direitos políticos de Lula como favas contadas. Fachin já remeteu ao plenário da Corte o recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a sua decisão. Antes de tudo, a decisão de Fachin representa uma queda-de-braço, no Supremo, entre as correntes às quais se convencionou chamar de garantistas e punitivistas. A princípio, a questão da incompetência de foro é uma tese defendida pelos garantistas. No entanto, a decisão é encarada como uma manobra para esvaziar o habeas corpus relativo à suspeição de Sérgio Moro nos mesmos julgamentos. Para os punitivistas, apoiar a manobra de Fachin é uma quebra de convicções, visto que defendem a competência de foro. Em síntese, o resultado do julgamento em plenário é uma verdadeira incógnita e a decisão monocrática pode ser derrubada.

Sim, mas o julgamento do habeas corpus relativo à suspeição de Moro na Segunda Turma ainda não se encerrou e há grandes possibilidades de ser favorável à defesa de Lula. Será?

Na Segunda Turma já eram conhecidas as posições de Gilmar Mendes e Lewandowski favoráveis a suspeição. Nunes Marques, tido como garantista e crítico à Lava Jato, tenderia a também votar pela suspeição, de forma que, ainda que Carmen Lúcia mantivesse o seu voto, teríamos um provável placar de 3 a 2, o que não só restituiria definitivamente os direitos políticos de Lula como também anularia todos os processos. Algumas sinalizações de Carmen Lúcia, no entanto, diante dos fatos expostos pelas gravações reveladas pela operação Spoofing, apontavam a possibilidade de mudança de voto, o que isolaria totalmente Fachin, cravando um placar de quatro a um.

Aqui podemos entender a jogada de Fachin. Gilmar Mendes poderia recolocar a qualquer momento o habeas corpus da suspeição, tendo quase como líquida e certa a vitória. Mais do que preservar Moro, a manobra de Fachin teve por objetivo expor pública e politicamente e colocar sob pressão tanto Carmen Lúcia quanto Nunes Marques. E surtiu efeito. Obviamente Carmen Lúcia ainda pode alterar o seu voto, visto que já anunciou que se pronunciará após o voto de Nunes Marques, mas até lá estará sob fogo cerrado dos punitivistas, bolsonaristas e defensores da Lava Jato para que mantenha o voto. Quanto a Nunes Marques, este lançou mão de pedido de vistas do processo, mas é importante lembrar que Gilmar Mendes fez a mesma coisa dois anos atrás e só agora, com uma correlação de forças provavelmente favorável, o levaria a votação. Ou seja, para atender aos interesses bolsonaristas, basta a Nunes Marques ficar sentado no processo por mais dois anos. Ele não precisa votar contra suas convicções. Convenhamos, até eu estou inteirado do processo que tramita há mais de dois anos, e Nunes Marques necessita de vistas sob a justificativa de que não está? Como diria meu falecido pai, “conversa para boi dormir”.

Resumindo o estado da arte, se a decisão de Fachin for derrubada no pleno e o habeas corpus da suspeição não for julgado agora, Lula volta a ser inelegível. Se o processo da suspeição for protelado até que não haja mais prazo para Lula se candidatar ou o tempo suficiente para garantir os votos de Carmen Lucia e Nunes Marques, Fachin terá sido vitorioso, pois aquele que sempre foi o objetivo principal da Lava Jato terá sido alcançado, ou seja, a inelegibilidade de Lula. Portanto, mais uma vez apelo a Luciano Siqueira e faço minha a sua afirmação de que vale o adágio tão do gosto dos nordestinos: “devagar com o andor, que o santo é de barro”. Como dizia o grande “filósofo” Vicente Matheus, “o jogo só acaba quando termina”. A batalha pela elegibilidade de Lula ainda está nos dez minutos do primeiro tempo e será necessária muita amplitude para que o resultado seja favorável. A questão não é só judicial, é principalmente política.

O outro aspecto a ser considerado é a crise sanitária e econômica que atravessamos. Antes do final do mês atingiremos a marca dos 300 mil mortos. Segundo Miguel Nicolelis, vivemos uma guerra biológica e podemos ultrapassar os 500 mil óbitos. Se as vacinas são a solução, o estrago do governo Bolsonaro já está feito, pois a não articulação de contratação de imunizantes, ainda que todos as estimativas irreais de Pazuello venham a se confirmar, só teremos metade da população imunizada em meados de 2022. Com tal lentidão, corremos o risco de, quando atingirmos um percentual de imunização coletiva suficiente para reduzir a disseminação do vírus a níveis aceitáveis, já termos desenvolvido várias novas variantes do vírus resistentes às vacinas.

A situação é de tal gravidade que, sem duras e imediatas medidas nacionais de restrição da mobilidade de pessoas e ações coordenadas entre os estados e municípios, não haverá mais nenhum controle da pandemia. O sistema de saúde não só entrará nos próximos dias em colapso por falta de leitos para internação, mas também por falta de pessoal, exaustão e insuficiência de profissionais de saúde, escassez de equipamentos hospitalares e de medicamentos e falta de oxigênio. Se alguém se iludiu com o Bolsonaro usando máscara achando que poderia acontecer uma mudança mínima na sua política de extermínio da população, as atitudes que se seguiram jogaram por terra qualquer expetativa. Já no dia seguinte o genocida voltou a aparecer sem máscara e atacando as medidas adotadas pelos governadores, inclusive de seu aliado Ibaneis Rocha.

Alguns acreditam que esta perspectiva de entrarmos na campanha em 2022 em um caos social e econômico é benéfico, pois enfraquecerá Bolsonaro, tornando inevitável sua derrota. Como dizia, no entanto, o falecido dirigente comunista Rogério Lustosa, “quanto pior, pior mesmo, meu velho”. A tal raciocínio simplista de “quanto pior, melhor”, temos aqui que alertar que se chegarmos em meados de 2022 com a sociedade exaurida e esgaçada pela crise sanitária, econômica e social, será o terreno fértil para o genocida avançar no seu projeto fascista. Ao simplismo do raciocínio do “quanto pior, melhor” respondo com outro raciocínio simples: se não formos capazes de acumular forças para derrotar agora a política de genocídio de Bolsonaro, menos ainda seremos capazes de derrota-lo eleitoralmente em 2022.

Em seu pronunciamento, Lula sabiamente afirmou que no momento certo o PT decidirá se terá candidato ou se participará de uma frente ampla, mas este momento não é agora. Afirma ainda que não sabe qual atitude, mas é necessário que alguma atitude temos que tomar para que Bolsonaro não continue causando os males que causa ao país.  Afirmou que o Congresso não é aquele que gostaríamos, mas é o que o povo quis e que temos que conversar com quem está lá para ver se a gente conserta este país. Propõe-se a conversar com a classe política, com os empresários e com a sociedade para que todos os brasileiros tenham vacina e um salário emergencial decente, para que haja investimentos na geração de empregos e ajuda aos microempresários. Em síntese, para aqueles que não sabem diferenciar frente ampla de frente eleitoral, Lula deu uma aula e demonstrou claramente que o enfrentamento a Bolsonaro é agora e não em 2022. Nesta linha e com sua extraordinária liderança, o ex-presidente certamente poderá jogar inestimável papel na união de amplas forças para livrar o país do desastroso governo Bolsonaro. Portanto, não vamos colocar a carroça na frente dos bois. A configuração da frente eleitoral em 2022 só será possível determinar a partir do resultado do enfrentamento feito agora.

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