A luta contra o neocolonialismo tecnocientífico

Agora que o STF se decidiu pela constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias, uma constatação impertinente é: tudo bem, vencemos, mas praticamente metade do STF não tem domínio do assunto que discutiu e votou. Se tivesse, muitas propo

Aparentemente a preocupação era com o controle social e ético das pesquisas, com as formas de ''controle/saber'' acerca do que ocorre no mundo da ciência e de como ter acesso aos bens produzidos. Parecia que indicar um órgão ou norma ética reguladora dos novos saberes tinha a ver com a garantia de segurança para pesquisadores e o estímulo ao desenvolvimento de pesquisas, sem prejuízo do direito de aprender de outras pessoas e da utilização dos novos saberes. Ledo engano.


 


É que as aparências às vezes enganam. Foi um atestado de desconhecimento da Resolução 196/96 – Normas de pesquisa envolvendo seres humanos, existente desde 1996, como marco ético regulador das pesquisas em nosso país, alicerce de normas complementares específicas, em qualquer campo do conhecimento. A 196 estabelece as diretrizes referentes à proteção aos sujeitos de pesquisa (por exemplo, o consentimento livre e esclarecido, a vulnerabilidade) e define os alicerces éticos dos CEPs (Comitês de Ética em Pesquisa) e da CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa). Ademais, desde que entrou em vigor, até hoje, doze anos depois, a 196 é tida como a norma ética mais avançada do mundo. Como passar a mão na cabeça de um ministro do STF que a desconhece? Eu, que integrei o Grupo de Trabalho que elaborou a 196 e fiz parte da 1ª. composição da CONEP, atônita, custei a crer que ignoravam a 196!


 


Estou convicta da necessidade de algo como um processo de alfabetização em ciência e em tecnologia para servidores do STF, notadamente ministros, visando a que entendam que cada vez mais baterão às portas do Supremo processos que visam ao enfeudamento dos saberes ou da busca deles, diante dos quais não é ético que não saibam tomar decisões consonantes com as diretrizes que balizam a pesquisa no país. Urge que integrantes do STF dominem cada vez mais as diferentes nuances do assunto. Não fica bem que a corte suprema do país esteja enredada em idéias medievais em temáticas pertinentes ao desenvolvimento científico e tecnológico.


 


Não é o que se espera dela numa democracia laica, tendo-se em conta que, além de interesses que remontam à Idade Média, sob a capa de religião, há os interesses econômicos no atraso, também sob a capa de religião. Explico-me. John Hagedoorn, em meados da década de 1990 realizou uma pesquisa sobre os recursos aplicados em P&D (pesquisa e desenvolvimento) por países desenvolvidos, em desenvolvimento e pobres. Suas conclusões demonstram a concentração de tecnologia nos países ricos e o direcionamento das verbas no setor. Os gastos, desde a fase de pesquisa, são programados para garantir o enfeudamento dos conhecimentos e para subjugar os países pobres, impedindo-os de realizar investimentos em P&D, quer com recursos por eles decididos ou através de alianças. Enfim, para além dos supostos interesses religiosos, o pano de fundo em todas as tentativas de proibir pesquisas, quaisquer que sejam, no terreno da biologia, é o neocolonialismo tecnocientífico, contra o qual devemos nos rebelar, sempre, sob pena de maldizer o amanhã.

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