A militância nossa de cada época

“Certa vez, como ocorre com certa frequência, um grupo de estudantes me entrevistou demoradamente (no meu gabinete de vice-prefeito do Recife) acerca do período do regime militar”.

Perguntas várias, curiosidade comovente, misto de surpresa diante da descoberta de fatos dramáticos da vida brasileira (dos quais sequer suspeitavam — haviam lido alguma coisa, adiantam, mas não tinham ainda conversado com ninguém que os tivesse vivido diretamente); e de alumbramento, por chegarem “tão perto” (no dizer de um deles), através do nosso relato, de coisas “quentes” de nossa História recente.

(O bom dessas entrevistas com jovens estudantes é isso: o despertar para o conhecimento da História real e a descoberta do povo como protagonista).

Mas eis que, ao término da conversa, uma jovem do rosto sardento e jeito tímido, óculos de aros escuros, que nos chamara a atenção pelo quase mutismo e pelo olhar grave, pergunta:

– É muito mais fácil ser militante hoje do que naquele tempo, não é mesmo?

– Não. Hoje, sob certos aspectos, é até mais difícil.

Diante do ar surpreendido dela e dos seus colegas, esclareci:

É certo, sim, que a militância partidária, especialmente no Partido Comunista, naquela época, era muito difícil. Atuávamos clandestinamente, sujeitos a privações e a riscos, com a cabeça colocada a prêmio. A qualquer momento podíamos ser presos e torturados, como de fato fomos; ou a ter a vida sacrificada, como muitos companheiros tiveram, assassinados sob tortura ou em embate aberto com as forças da repressão policial.

Porém, como a militância é uma opção consciente, uma atitude subjetiva — era relativamente simples justificá-la: o regime de exceção, o povo sufocado, vilipendiado e submetido a um modelo de desenvolvimento excludente. Lutar era, assim, um imperativo de consciência.

Hoje já não temos nossas cabeças colocadas a prêmio. Não corremos o risco de agravos à integridade física.

Mas, do ponto de vista subjetivo, a militância implica encontrar respostas para uma gama enorme de problemas teóricos e políticos — da perspectiva socialista aos intricados assuntos relacionados com a situação política atual, a ruptura institucional no processo de impeachment da presidenta Dilma ao arrepio da Constituição, o retrocesso às políticas neoliberais encetado pelo interino governo Temer e agora a regressão civilizatória intentada por Bolsonaro, e mesmo o desgaste da esfera política aos olhos da maioria da população.

Antes sofríamos a pressão dos tanques e das baionetas, hoje, o torpedeamento da mídia, a complexidade do debate de ideias.

Nesse sentido, a militância comunista será sempre um desafio instigante. E também uma fonte de felicidade pessoal, quaisquer que sejam as circunstâncias — em qualquer época.

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