A privatização no banco dos réus (1)

Nove e meio em cada 10 comentaristas da chamada conjuntura nacional com
espaço na grande mídia, dominada por um pequeno e arrogante grupo de
capitalistas, são a favor das privatizações e alimentam a fé liberal de que
a iniciativa privada é mai

Para surpresa de muitos que se arvoram em “formadores” e donos da chamada
opinião pública, a sociedade brasileira, em sua ampla maioria, condena a
entrega de empresas estatais aos capitalistas e defende o primado do público
sobre o privado. Comunga, portanto, com as interpretações e críticas feitas
por lideranças dos movimentos sociais, bem como por políticos e intelectuais
de esquerda, ao chamado neoliberalismo.


 



Isto ficou evidente nos debates em torno do segundo turno das eleições
presidenciais, nos quais o candidato Geraldo Alkmin jurou de pés juntos que
não defende a privatização da Petrobrás, do Banco do Brasil ou da Caixa
Econômica Federal. A mensagem emanada das urnas no segundo turno sugere que
o tucano não foi muito convincente e acabou despertando confusão e decepção
em suas próprias fileiras.


 



“Virou palavrão”


 



“Com certeza, a posição defensiva do candidato de oposição não deve ter sido
motivada por convicção, mas por oportunismo, ou, quem sabe, falta de
firmeza”, sentenciou o economista e professor da FGV Marcos Cintra, homem
afinado com o pensamento conservador, num artigo sugestivamente intitulado
“Privatização virou palavrão” (“Folha de São Paulo”, 30-10, página B2).


 



Conforme lembrou o economista, que não esconde suas simpatias pela ideologia
do “Estado mínimo”, o ex-governador de São Paulo chefiou o Programa Estadual
de Desestatização (o PED paulista, que “rendeu R$ 32,9 bilhões”). Aliás, ele
procurou abrir caminho até para a privatização do Metrô. Não foi difícil
concluir, como fez a maioria do eleitorado, que durante a campanha Alkmin de
fato escondeu o jogo, ocultou suas verdadeiras intenções e convicções para
ficar bem com a maioria e não perder votos.


 



Resultados de uma pesquisa recente realizada pelo Ibope, divulgada dia 26-10
pelo jornal “Valor Econômico”, indicam que pelo menos 70% dos eleitores
rejeitam as privatizações. Apesar do julgamento popular, os neoliberais não
se dão por vencidos. Atribuem a aversão popular à ignorância, ao mesmo tempo
que apregoam o suposto sucesso do programa de desestatização e continuam
defendendo (como fez Cintra no artigo citado) a transferência das últimas
jóias da coroa: Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, a
Eletrobrás e os Correios. A polêmica não terminou e no fundo, subjacente à
luta de idéias, movem-se poderosos interesses particulares e de classes.


 



Embora o tema tenha um forte viés ideológico, é à luz da experiência
concreta que devemos examiná-lo. Durante os anos 1990, e destacadamente nos
dois governos presididos por FHC, o Brasil foi submetido a um verdadeiro
vendaval de privatizações. Estas foram realizadas sem uma prévia consulta
popular, provavelmente a despeito da oposição da maioria, em processos nem
sempre transparentes e em geral marcados por grossa corrupção.


 



Grossa corrupção


 


 
Estatais poderosas e lucrativas como a Companhia Vale do Rio Doce foram
vendidas na bacia das almas. A transferência das telefônicas aos
capitalistas, em sua maioria estrangeiros, foi um escândalo que até hoje
demanda esclarecimento. Com a cínica cumplicidade da mídia, as falcatruas
foram encobertas, os escândalos abafados e as CPIs interditadas pela mesma
direita neoliberal que andou agitando a bandeira do (falso) moralismo contra
o governo Lula. Os movimentos sociais, entidades democráticas e
personalidades patrióticas, reagiram da forma que puderam, com iniciativas
na Justiça e organizando protestos por todo o país a cada leilão de
privatização. Infelizmente, não lograram maior êxito.


 


 
Cabe agora indagar, tendo em vista os resultados concretos deste processo de
privatização, se o povo tem razão ao condená-lo ou se está incorrendo em
erro e sendo injusto, como querem fazer crer os barões da mídia capitalista?


 



No mercado, existem argumentos, números e estudos de todo tipo e para todo
gosto, justificando diferentes conclusões. Obviamente, os mais abundantes e
abusivamente utilizados são a favor da privatização. Não são desprezíveis,
mas certamente pecam pelo particularismo e a unilateralidade. O julgamento
popular é sábio, como se verá no próximo artigo.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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