A tropa de choque

Há pouco mais de 15 dias – em 28 de agosto – a estudante de Direito Emannuele Thomaziello, a Manu, presidente do DCE do Centro Universitário Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), em São Paulo, teria usado uma faca para furar o balão de 12 metros de altura ofensivo ao ex-presidente Lula. 

O boneco, exposto no viaduto do Chá, servia como agitação de grupos de direita que vem saindo às ruas pedindo o impeachment da presidente Dilma e a destruição de Lula e do PT e de todo o ideário minimamente progressista.

O boneco de fato murchou, mas a autoria é controversa (daí o condicional), já que a jovem a nega, quem sabe como meio de se proteger das habituais – e nada suaves – represálias da direita de matiz fascista. De todo modo, o episódio me fez lembrar uma longa entrevista por mim realizada com o histórico dirigente comunista Dynéas Aguiar, em meados de 2012, na pesquisa para o livro “Vida, veredas: paixão”. Membro da União da Juventude Comunista (UJC) a partir do final dos anos 1940, ele relatou quatro fatos emblemáticos da atuação daquela juventude que se intitulava a “tropa de choque do Partido”, combatendo cotidianamente nas ruas. Tais fatos foram assim relatados no livro que produzi para a Fundação Maurício Grabois:

“Fez história em São Paulo a manifestação promovida no amplo saguão da sede dos Diários Associados, na Rua Sete de Abril. O velho Assis Chateaubriand, chefão dos Diários, que incluía a nascente televisão brasileira e uma extensa cadeia de rádios e jornais, criara um voluntariado para a Guerra da Coreia. A campanha de alistamento começou a repercutir, jovens se inscreviam, tinham suas fotos publicadas em meio a elogios. Então a UJC decidiu agir. Um contingente de jovens comunistas invadiu o saguão, Dynéas discursou sobre um banquinho, diante de porteiros e funcionários atônitos e de populares curiosos que já se aglomeravam. Tudo muito rápido. Antes de saírem, os manifestantes lançaram mão de suas armas mais letais: lâmpadas domésticas cheias de piche que, lançadas nas paredes, borravam-nas com a resina escura e pegajosa. E correram em direção à Praça da República. Resultado: Chateaubriand desistiu do voluntariado”.

“O Brasil já havia assinado com os Estados Unidos um acordo militar quando navios de uma esquadra norte-americana atracaram no porto de Santos. Novamente a “tropa de choque do Partido” entrou em ação. Os marinheiros, em suas folgas, costumavam subir para São Paulo. Os rapagões de pele rosada e cabelo de palha divertiam-se em bares, estádios de futebol, principalmente em boates. Nas saídas, os esperavam grupos da UJC. Recebiam alguns tapas e empurrões, mas o que os jovens comunistas queriam mesmo, para marcar sua posição e desmoralizar os ianques, era furtar-lhes os gorros. E os classificavam em pontos: gorro de sargento valia mais que de simples marinheiro. De oficiais, então, eram troféu de ouro. E concorriam entre si na insólita coleção de gorros”.

“Como as UJC de São Paulo e Rio costumavam disputar em audácia, os paulistas resolveram homenagear Joseph Stálin com algo arrojado que marcasse a memória da cidade, fazendo a competição pender inelutavelmente a seu favor. Então montaram o nome do líder soviético com enormes pedaços de bambu, atados com arames na beirada do viaduto de Santa Efigênia. Aplicaram sobre as letras os ingredientes das buchas de balões: estopa, breu e querosene. Era um final de tarde e a ação dos jovens foi relâmpago. Quando atearam fogo no bambu, o flamejante nome de Stálin pendeu do viaduto, balançando sobre a multidão que, na hora crepuscular, amontoava-se nos terminais de ônibus da antiga Praça do Correio. E ali pontificou por mais de duas horas, até que os bombeiros, após labor insano, conseguissem removê-lo”.

“Mas nem com tamanho arrojo a UJC paulista conseguiu superar a carioca que, dois anos antes, havia atingido marca insuperável. Na antiga capital da República, pelas mãos da jovem militante (e montanhista) Elza Monnerat, que décadas depois se notabilizaria como guerrilheira no Araguaia, o nome de Stálin foi pichado com letras garrafais nas pedras do morro Dois Irmãos, na Gávea, cartão-postal do Rio de Janeiro. E ali, ostensivamente à vista, permaneceu até que o tempo o apagasse, muito tempo depois”.

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