As Polícias Federais
No período da ditadura pós-64, a Polícia Federal era um instrumento da repressão, e pronto. No entanto, a Constituinte 1988 deu a esse órgão uma nova função, definida, em seu artigo 144, como órgão de segurança pública destinado a “apurar infrações penais (..) cuja prática (…) exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei.”
Publicado 10/02/2016 12:21
Em verdade, essa polícia foi criada em 1944, com o nome de Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), e tinha sua ação centrada no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Com o surgimento de Brasília, ela também foi transferida e teve suas funções ampliadas, ganhando uma jurisdição mais nacional, mas sempre subordinada ao Ministério da Justiça, como é até hoje.
Meses após o golpe de estado, em 64, a Lei 4.483/64 redefiniu as finalidades do DFSP, mas foi a Constituição de 1967 que promoveu mudanças mais sentidas, inclusive no nome, que passou a ser Departamento de Polícia Federal. Como se sabe, aquela Carta visava dar uma aparência de legalidade ao regime militar.
Na prática, entretanto, o novo DPF passou a ter múltiplas funções, com destaque ao seu papel de polícia política, em defesa da “ordem pública e social”, agindo na informação e na repressão, com ou sem amparo legal. O comando era difuso e arbitrário.
Atuava de modo coordenado e até subordinado aos órgãos de repressão criados nas estruturas (formais e informais) das Forças Armadas e ao Serviço Nacional de Informações (SNI). Tinha agentes infiltrados e informantes em todos os setores da sociedade e era responsável, também, pela censura prévia aos meios de comunicação.
Com o fim do último governo militar, em 1985, e a abertura política, a Polícia Federal caiu em desgraça e, enfraquecida, passou a atuar mais no combate ao tráfico de drogas e vigilância de fronteiras. Desde 1977, sua sede nacional, em Brasília, funciona em um edifício no Setor de Autarquias Sul, área bem central da cidade.
O prédio é todo revestido de vidro escuro e, por isso, é tratado pela própria PF como “Máscara Negra”. Durante a ditadura, porém, ele era chamado de “Tonton Macoute”, numa referência à truculenta milícia do ditador Papa Doc, do Haiti, cujos agentes trajavam roupas pretas e usavam óculos escuros, invariavelmente. Assustadores, como era o prédio.
Aliás, como responsável pela sucursal do jornal Opinião e, depois, do também semanário Movimento, eu era forçado a visitar o tal edifício duas vezes por semana. Às terças-feiras, levava o material pra submeter à tesoura; e ia dois dias depois buscar o que havia restado. Com sorte, sobrava um terço do que havia sido produzido.
O material era entregue e devolvido, sob protocolo, num balcão que havia no saguão de entrada. Certa feita, porém, era feriado no dia de buscar o material e só havia um guarda no local, a quem eu recorri. Ele interfonou a um “doutor” e veio a ordem pra que eu fosse a uma sala, ali no térreo mesmo.
Eu andei até lá, meio receoso. Ao abrir a porta, baita surpresa: o “doutor” censor que me recebia era o Bolinha, apelido do chefe de reportagem da sucursal do jornal OGlobo em Brasília. Sujeito alegre, brincalhão, muito querido pela equipe. Infiltrado no jornal, como jornalista, portanto, ele tinha sido meu chefe, tempos antes.
Sorrindo do meu constrangimento, ele me entregou o material censurado e eu fui embora, zonzo.
Pois bem, mas o fato é que a Constituição de 88 redefiniu as funções desse órgão policial, adequando-as ao regime democrático. Pra isso, foi instituído um novo regime de carreira e reestruturada a Academia Nacional de Polícia, destinada à formação de seus quadros.
O DPF seria um órgão autônomo em suas ações, independente de governos, desde que dentro da lei. Até chegar a isso, contudo, haveria um longo caminho a percorrer, a começar pela garantia de recursos financeiros pra poder funcionar. A peneira de casos a investigar varia também de acordo a grana que tiver.
Assim, passou o primeiro governo civil, de José Sarney, veio Fernando Collor e daí o mandato tampão de Itamar Franco. Dinheiro pouco e muita desconfiança fizeram desse período o mais difícil vivido pela Polícia Federal nos tempos pós-ditadura, como relembram policiais mais antigos. Mas, ainda teria muita estrada por diante.
E aí entram as inevitáveis comparações entre os governos seguintes, de FHC, Lula e Dilma. Dados da própria PF demonstram que houve acentuado salto quantitativo e qualitativo entre essas duas fases.
São melhorias que vão desde o padrão salarial até mobilidade física, equipamentos, recursos financeiros e número de ações. Sem falar na absoluta autonomia, hoje em vigor.
Aposentado há dois anos, o ex-presidente da Federação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, Armando Coelho Neto distribuiu na net, semana passada, um vt explosivo. “O que existe é uma declaração de guerra ao PT, não à corrupção”, é uma de suas afirmações. Segundo ele, o princípio da “repressão uniforme” foi pro espaço.
Afinal, se a mídia vai filmar e fotografar uma ação que seria sigilosa é porque alguém avisou. Ocorrer um vazamento ou outro, digamos, seria até aceitável. Mas, quando é do Lava Jato ou envolvendo lideranças como Lula é um mundo de câmeras, muitas vezes ao vivo. Já em outros processos, só ficamos sabendo depois, laconicamente. E a lentidão é grande.
Como virou rotina, pois, esse procedimento demonstra ser bem mais grave. Há algum conluio mais amplo, fica evidente. E o temor de todos é que voltemos a ter uma Polícia Federal facciosa, partidária, como na época da ditadura.