Até tu, Sílvio?

Manter um sistema de crediário, nos moldes dos consórcios, durante 60 anos e não ter nenhuma ação grave nos tribunais, convenhamos, é raro. Montar um império econômico a partir da venda de singelas cestas de bens de uso domésticos, também é um feito pouco comum.

As cestas, vendidas à prestação, são entregues com impressionante regularidade. Responsável por isso é a empresa “Baú da Felicidade”, que hoje tem 2,1 milhões de clientes ativos, ou seja, que estão pagando o crediário. Esse é um fator que confere credibilidade aos negócios de Sílvio Santos.

Outro, é que sua fortuna era das mais transparentes. Foi crescendo com ele, ao vivo, no rádio e na TV. Senor Abravanel, seu verdadeiro nome, nasceu no Rio de Janeiro, filho de imigrante grego casado com uma turca. Seu pai chegou a ter pequeno comércio, mas perdia tudo o que ganhava no jogo. Sílvio, sua mãe e os cinco irmãos passavam dificuldades.

Ele formou-se em contabilidade (2º grau), mas não ficou no ramo. Já na adolescência virou camelô. Desdenhava os gritalhões e vendia suas tralhas com certa performance. Pegou o macete com um velho que trabalhava só uma hora por dia, mas, pelo jeito de falar, vendia mais canetas que todos os concorrentes.

Nas horas de folga, Silvio ia ver Cesar de Alencar e outros grandes do rádio carioca de então, nos programas de auditório. E foi aprendendo. Mas saiu das ruas para cumprir o serviço militar. Ao voltar, montou um sistema de som nas barcas Rio-Niterói.

Depois, passou para as barcas de Paquetá, nos fins-de-semana, e ali montou o som, um bar e um bingo. Virou o maior vendedor da Antártica no Rio. A convite do representante dessa empresa, foi a São Paulo, em 54. Lá, arranjou emprego na Rádio Nacional, e foi ficando.

Conheceu Manoel da Nóbrega (“A Praça da Alegria”) e foi trabalhar com ele no rádio. Começava ali o Sílvio Santos que nós conhecemos. Nóbrega montou um esquema que se chamava “Baú da Felicidade”. Entrou de gaiato na verdade, pois levou um cano do sócio.

Muita gente vendia cestas de Natal, que as pessoas pagavam o ano inteiro e recebiam o produto nas festas natalinas. E o negócio deles era vender um baú de brinquedos, no mesmo esquema.

Mas, o sócio sumiu com o dinheiro do ano inteiro e Nóbrega, desesperado, pediu a Sílvio que o ajudasse a resolver o problema com os clientes enganados. Em vez de liquidar tudo, porém, ele propôs tocar o negócio adiante, e ficaram sócios.

Sílvio, então, encomendou um enorme lote de produtos a fornecedores, e assustou Nóbrega, que alegou não ser comerciante (e, sim, comediante!) e pulou fora. Depois, Nóbrega teve programas nas emissoras de Sílvio. E seu filho mantém até hoje o “A Praça é Nossa”, no SBT.

Sílvio refez a firma “Baú da Felicidade” em 59, tendo o rádio como suporte para as vendas de carnês. Em 61, ele comprou um horário aos domingos na TV Paulista, das 12h às 14h. Era o “Programa Sílvio Santos” que nascia e, junto, o seu império.

Para vender anúncios para a TV, ele montou uma agência de publicidade. Como passou a dar casas como prêmios no programa, montou uma construtora, e esta, para preencher o tempo, passou a construir prédios para terceiros. Premiava também com utensílios domésticos, por isso criou a rede de lojas Tamakavy.

As equipes do “Baú” andavam em kombis e, na TV, eram sorteados carros. Então, melhor montar uma revendedora Volkswagen. Já que vendia carros, montou uma financeira, que vem a ser o Banco Panamericano. Veio a seguradora e assim foi indo, sempre informando seus espectadores dos novos passos que dava.

Em 1966 a TV Paulista foi vendida, e por quase uma década Sílvio apresentou seu programa na compradora, a Rede Globo. Mas ele mantinha estúdios e pessoal próprios, como se fosse uma emissora.

Quanto obteve uma concessão de canal de TV, em 1975, Sílvio já tinha um trunfo: suas próprias empresas garantiriam a receita da emissora. Depois, virou sócio da Record, até fundar o Sistema Brasileiro de Televisão(SBT), que é a terceira em audiência nacional, com 106 emissoras próprias e afiliadas e 2.300 funcionários.

Agora, às vésperas de completar 80 anos, mas ainda na ativa, Sílvio surpreendeu seus milhões de fãs com a quebra fraudulenta do Panamericano. Que os grandes bancos vivem em conluio com as empresas de auditoria contratadas por órgãos oficiais para fiscalizá-los, todo mundo sabe. Mas até Sílvio Santos estava nessa!

O socorro de R$ 2,5 bilhões do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) é, em verdade, um cala-boca ao banqueiro. Uma liquidação traria à tona podres que o sistema financeiro não quer revelar. Salva agora e depois resolve, com as garantias oferecidas.

O FGC foi criado com essa finalidade. É um fundo dos próprios bancos privados. Pelo menos não é o antigo Proer, que fazia isso com dinheiro público. Mas, de todo modo, mantém uma névoa em torno de suas ações. Nem o Banco Central sabe dizer o que exatamente ocorreu.

O sistema financeiro tem, pois, suas próprias leis e ninguém tasca. E controla todos os bancos, até o de Sílvio Santos.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor