Boulos e Cláudio Fonseca na urgente luta pela educação infantil em São Paulo
A educação infantil é essencial para o desenvolvimento integral das crianças, e seu futuro depende de políticas públicas que garantam escolas de gestão pública, com qualidade e dignidade.
Publicado 23/09/2024 14:35
A frase “Educação infantil é mais importante que o ensino superior” tem circulado nas redes sociais e, embora não seja o caso de afirmar que uma etapa é mais importante do que a outra, é inegável que a educação infantil é um momento crucial para o desenvolvimento das funções psíquicas superiores, como o controle da atenção e a apropriação dos signos culturais. Este é o período em que a criança aprende os elementos que formarão a base de seu desenvolvimento cognitivo, emocional, social e físico ao longo da vida.
A cidade de São Paulo foi pioneira ao reconhecer a importância da primeira infância e a necessidade de garantir a esta etapa o direito à educação formal. Na década de 1930, sob a liderança do escritor e intelectual Mário de Andrade, surgiram os primeiros “Parques Infantis”, espaços destinados à pesquisa e ao desenvolvimento da população infantil, que até então estava excluída das políticas públicas educacionais e culturais. Estes parques, apesar de não serem considerados originalmente instituições educacionais, refletiam ideias inovadoras e propostas avançadas de uma reforma educacional em sentido pleno.
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A gestão dos parques infantis compreendia que trabalhadores e trabalhadoras necessitavam de um local seguro onde seus filhos pudessem ser cuidados enquanto garantiam seu sustento, mas, mais do que isso, reconhecia que essas crianças tinham direito a se desenvolver de maneira plena, tendo garantido o acesso a um cuidado sim, mas também a um ensino, à aquisição de conhecimento e aos códigos da cultura, simbólicos ou não, essenciais para seu desenvolvimento integral. A educação infantil era vista, portanto, como um direito inalienável, fundamental para o desenvolvimento pleno do indivíduo.
No entanto, em 1937, o golpe que instaurou o regime autoritário do Estado Novo interrompeu essa expansão. Com a saída de Mário de Andrade da direção do Departamento de Cultura e a entrada do novo prefeito Prestes Maia, a ampliação dos parques infantis foi suspensa e uma visão assistencialista e disciplinar passou a predominar. A educação infantil foi, por muito tempo, encarada apenas como uma necessidade de assistência social, como um espaço onde o proletariado deixava seus filhos para poder produzir para o capital.
Foi apenas na década de 1980 que os debates em torno da educação de crianças de 0 a 3 anos se intensificaram, buscando uma concepção integrada de educação para crianças de 0 a 6 anos. Esse processo culminou na promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394/96, que inseriu a educação infantil como a primeira etapa da educação básica. Essa mudança legal reconheceu que o desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social começa muito antes da entrada no ensino fundamental.
A inclusão da educação infantil na educação básica representou uma conquista significativa. Ela reconheceu que a formação para o exercício da cidadania não se inicia apenas no ensino fundamental, mas que as bases desse desenvolvimento são construídas na primeira infância. Com a LDBEN, as creches deixaram de ser vistas como espaços meramente assistenciais e passaram a ser reconhecidas como locais de aprendizagem, tendo o prazo de três anos para se integrar aos sistemas municipais de ensino.
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No município de São Paulo, essa transição começou em 2001, quando as creches foram transferidas da Secretaria de Assistência Social para a Secretaria Municipal de Educação. Essa mudança não foi apenas administrativa, mas também de concepção: as creches e pré-escolas passaram a ser entendidas como parte da educação básica, com a responsabilidade de oferecer não apenas cuidado, mas também ensino e acesso a conhecimentos essenciais ao pleno desenvolvimento das crianças.
Essa grande conquista foi fruto do intenso debate de organizações sociais e movimentos educacionais e foi acompanhada de um processo de valorização dos profissionais que atuam na educação infantil. Aos poucos, os cuidadores passaram a receber formação específica e novos profissionais foram contratados por meio de concursos públicos, assegurando direitos trabalhistas e planos de carreira. Essas ações visavam, além da valorização dos trabalhadores, garantir a transparência, a gestão pública e a qualidade do ensino oferecido.
No entanto, esse avanço enfrentou obstáculos durante a gestão de José Serra, em 2005, quando se instaurou um projeto neoliberal na educação paulistana. A falta de um programa específico para a educação infantil em São Paulo levou à abertura da rede para parcerias público-privadas. Essa medida trouxe inúmeros prejuízos: a busca pela redução de custos resultou na precarização do trabalho dos profissionais e na queda da qualidade do ensino. Atualmente, São Paulo possui cerca de 2.540 escolas de educação infantil, das quais aproximadamente 2.200 estão sob administração indireta, restando apenas cerca de 340 escolas públicas de gestão pública.
A resolução desse complexo problema exige um projeto de governo que compreenda a educação infantil como um direito da criança e não como um serviço assistencialista. As famílias trabalhadoras precisam de um lugar seguro para deixar seus filhos enquanto trabalham, e as crianças têm direito a um ambiente escolar que promova seu desenvolvimento pleno, com qualidade e dignidade.
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Para superar o retrocesso que se instalou na educação infantil de São Paulo, é necessário eleger um prefeito e vereadores que compreendam a urgência de garantir a todas as crianças uma escola pública de gestão pública. Neste contexto, acredito que as candidaturas de Guilherme Boulos e Cláudio Fonseca são as mais preparadas para enfrentar esse desafio. Eles reconhecem a complexidade do problema e possuem a capacidade e a coragem necessárias para atuar em favor de uma educação que, assim como nos tempos de Mário de Andrade, compreenda a criança como sujeito de direitos.
Não se trata de uma batalha maniqueísta entre o bem e o mal, mas de implementar medidas que garantam os direitos trabalhistas dos profissionais, ofereçam ensino de qualidade por meio de escolas públicas de gestão pública e assegurem que as famílias tenham um local seguro para deixar seus filhos. O desafio é enorme, mas é fundamental se queremos que bebês e crianças de São Paulo tenham garantido seu direito a um desenvolvimento pleno.
Uma educação infantil de qualidade é, sim, uma prioridade, e é na luta pela escola pública de gestão pública que construiremos uma sociedade mais justa e equitativa.