Breves notas sobre a direita brasileira

“Em outros países nos quais a direita ascendeu ao poder é possível identificar comportamento semelhante dos chamados “perdedores da globalização”, aqueles que embarcam nos discursos nacionalistas e preconceituosos”

A direita brasileira no poder ultrapassou diversas vezes os limites civilizatórios adotados desde a redemocratização. Testemunhamos discursos absurdos diariamente e esperamos inutilmente que as instituições (que estavam funcionando?) atuassem para a contenção dos atores e reestabelecessem a normalidade. Em alguns casos tivemos ensaios de constrangimento institucional, em outros, ignrou-se solenemente o show de horrores público. Esse pêndulo de posicionamento fortaleceu o cenário de incertezas e a resposta comum dos apoiadores do governo é que o espanto de parte da sociedade com estes discursos é apenas mimimi.

Não aceitar um vídeo institucional da Secretaria de Cultura do Governo Federal que faz apologia ao nazismo (que copiou desde a trilha sonora até trechos de discursos do Ministro da Propaganda na Alemanha Nazista, Joseph Goebbels)? É mimimi. Considerar assustador o Presidente da República dizer que jornalistas são raça em extinção e que ler jornal envenena? É mimimi. Rechaçar um deputado que declara que ser assediada é direito da mulher? É mimimi. Chocar-se com uma ministra que defende o celibato como política pública contra a gravidez na adolescência? É mimimi.

Nas redes sociais o cenário é o mesmo, pessoas comuns e robôs formam uma milícia virtual que persegue qualquer criatura que posicionar-se contra os rompantes e escândalos do presidente, seus filhos, partidários e apoiadores e resumem toda e qualquer crítica a mimimi. Este é um raso recurso discursivo, recorrente e bastante útil porque deslegitima o outro como sujeito apto a falar, tudo o que o outro fala é reduzido a frescura, reclamação desnecessária. Isso desumaniza e revoga os limites de respeito civilizatório, impede o estabelecimento de consenso, componente necessário para o desenvolvimento da democracia.

Mas por que tratar questionamentos como “mimimi”? A guerra ideológica do governo Bolsonaro não é contra a esquerda somente, é contra qualquer possibilidade de diversidade de ideias, posicionamentos e existências. E para travar essa guerra imaginária é preciso eleger um inimigo que amedronte a todos, é preciso estabelecer uma linha entre nós e eles para que o outro seja desumanizado e, portanto, passível de aniquilação. Exterminar todos que divergem é a única estratégia conhecida pela extrema direita para governar, pois ela é, essencialmente, autoritária e antidemocrática.

Em outros países nos quais a direita ascendeu ao poder é possível identificar comportamento semelhante dos chamados “perdedores da globalização”, aqueles que embarcam nos discursos nacionalistas e preconceituosos porque estão num lugar de desvantagem econômica diante da crise e enxergam no elemento novo uma ameaça gigantesca para o seu estilo de vida já combalido. Consideram-se submetidos a todo tipo de desventuras advindas de uma modernidade globalista ideológica e no nosso caso, que tangencia a sociedade brasileira em direção ao abismo de degeneração do socialismo.

A fortaleza moral da direita brasileira está sob uma ameaça abstrata e praticamente todos estes movimentos institucionais indicam que a batalha a ser travada nos próximos meses – ou anos – será uma batalha de valores, ora religiosos ora políticos. Difusos, os valores da direita precisam ser reafirmados, na recuperação de um Brasil de séculos passados que nunca existiu. No subtexto, o autoritarismo de inspiração nazifascista não por acaso glorificado no vídeo do agora ex-secretário de cultura. O caminho a percorrer é longuíssimo e todos nós que questionamos este governo precisamos aprender a dialogar com quem o defende e ainda tem chance de refletir sobre os rumos de nossa sociedade.

O Brasil, como eu disse há alguns textos, não é feito por fascistas. O brasileiro comum é alguém que vive de um salário mínimo ou está desempregado, de uma família sem genealogia pois descende de pessoas escravizadas ou indígenas exterminados, o Brasil é um povo que resiste à seca e à chuva, que constróis casas de madeira sobre os rios da Amazônia, é a criança que vende doces no semáforo e o trabalhador que volta pra casa no ônibus lotado e ainda caminha não sei quantas vielas para chegar. Mas esse brasileiro infelizmente acreditou que Bolsonaro era a mudança, que alguém que não entende de economia e assume é confiável.

Existem, claramente, aqueles que são fascistas e defendem um governo de morte, e eles estão, inclusive, na alta cúpula de poder. Mas a maioria da população, para quem Bolsonaro teoricamente governa, não é feita destas pessoas. É preciso dialogar com o Brasil profundo que sobrevive às intempéries através da solidariedade comunitária e que tem vivido à margem do Estado. Se não o fizermos, estas pessoas embarcarão no projeto nefasto em curso e aí será tarde demais, o Estado fascista terá carta branca do povo para implementar os interesses escusos desta elite autoritária que hoje está no poder.

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