Camarada Macron

 

Depois de (re)definir o nazismo, o posicionamento da ONU, do Banco Mundial, enquadrar quase que a totalidade da imprensa nacional e internacional e até mesmo nomes da comunidade acadêmica como forças políticas da esquerda, nesta quarta-feira (28) Jair Bolsonaro voltou a atualizar a lista da oposição ao incluir o atual presidente da França, Emmanuel Macron, no rol das novas lideranças comunistas.

Não bastou ensinar sobre o nazismo aos alemães, nosso presidente também arriscou aclarar para os franceses, inventores do espectro político ‘direita-esquerda’, o que nem a Revolução de 1789 deixou claro aos inventores do croissant.

Erudito como ele só, a única coisa que parece ter escapado ao multisciente presidente brasileiro é que, como integrante do La République En Marche (A República em Marcha, em tradução livre), o partido de centro-direita francesa, Macron foi alvo de uma onda de protestos ao conduzir políticas nada populares no país, em reformas que levaram ao fim do imposto sobre grandes fortunas (ISF), à diminuição de direitos trabalhistas, ao endurecimento das regras de acesso às universidades e aos auxílios habitacionais em um passado bastante recente.

Decisões arriscadas, que causaram uma enorme queda de popularidade logo em seus primeiros meses de mandato e o desgaste de sua imagem, levando-o, em apenas cinco meses, a reduzir a boa impressão adquirida entre os franceses de 57% para 39%, segundo o (seguramente também comunista) Le Figaro.

Também deve ter escapado à erudição de Bolsonaro o fato de Jean-Luc Mélenchon, líder do grupo La France Insoumise (A França Insubmissa, em tradução livre) – a mais comunista voz da esquerda francesa – ter se colocado o como o “maior e primeiro opositor” de Macron e ao seu “ordoliberalismo”. Ou talvez, passado desapercebido em seu inesgotável leque de informações, a afirmação feita por Jean-François Copé, ex-ministro e ex-presidente do UMP – maior partido de direita francês – de que o atual líder “fez exatamente o que a direita deveria ter feito” ao país.

Ao afirmar que o atual líder francês está alinhado às ideologias de esquerda, Bolsonaro consegue insultar, ao mesmo tempo, Macron e a própria oposição, além de demonstrar uma ignorância sui generis sobre política. “A gente sabe que ele é de esquerda por causa do comportamento”, esclareceu Bolsonaro aos repórteres que tentaram explicar o alinhamento do mandatário francês.

Como boa parte de seus correligionários, Bolsonaro não tem ideia do que vem a ser alinhamento político ou sobre os ideais que conceituam esses dois polos. Na mentalidade dicotômica de nosso líder, a simples contraposição ao seu Governo e ideias mínimas de humanidade, direitos humanos, defesa do meio ambiente e sustentabilidade ligam mandatários diretamente à extrema esquerda. A polarização, afinal, foi o fator mais decisivo para a vitória do “mito”.

Então, caro leitor, pense bem antes de defender ideais humanitários ou aquilo que simplesmente pode parecer uma ideia retrógrada e prepare-se para ser considerado de ‘esquerda’ você também. Talvez contra a sua vontade. E talvez contra a vontade da própria esquerda.

Colaborou Ivan Chicoski. Graduado em Direito pela UFPR e em Filosofia Pela Université Paris-Sorbonne, com mestrado em Ética e Filosofia Política também pela Université Paris-Sorbonne.

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