Capitalismo, Neoclássicos e a Grande Depressão

Conforme a excelente interpretação de Frederico Mazzuccelli sobre as tendências gerais do capitalismo, o capital revela um duplo caráter: antagônico e progressivo. Antagônico porque o capital se apropria do tempo de trabalho do trabalhador, mas ao mesmo t

O capital também tem um caráter progressivo, pois objetiva a valorização máxima e permanente através da apropriação compulsiva de trabalho não pago, levando o desenvolvimento máximo das forças produtivas, logo, a acumulação contínua e desenfreada (1).


 



O capital produz sem levar em conta seus limites, pois possui uma força expansionista intrínseca; daí as crises que ocorrem de tempos em tempos quando tais limites não são ultrapassados. Para o capitalista não existe outra saída senão continuar buscando a contínua expansão: na lógica do capital não há lugar para sentimentalismos, quem não sobe, desce. Nos seus escritos de juventude, Marx já delineava essa questão: “A acumulação, que sob a dominação da propriedade privada é concentração do capital em poucas mãos, é geralmente uma conseqüência necessária quando os capitais são abandonados ao seu curso natural, e através da concorrência abre-se verdadeiramente caminho livre a esta determinação natural do capital.” (2) 


 



Esta análise confronta-se com a visão da economia neoclássica, apologética do capitalismo, desenvolvida no final do século XIX por economistas como Carl Menger, Léon Walras, Stanley Jevons, entre outros. Esses partiram de uma concepção muito distinta do funcionamento da economia capitalista. Para eles a economia é a ciência que estuda a utilização dos recursos escassos para satisfação das necessidades ilimitadas, conforme exposto em diversos manuais de economia. Nesse tipo de análise não há classes sociais, nem tempo histórico: em qualquer época e em qualquer lugar, todos os indivíduos são agentes econômicos que buscam o melhor para si, num longo processo de desenvolvimento da humanidade. No mercado, o trabalhador e o empresário recebem a remuneração de acordo com a contribuição de cada um ao processo produtivo, portanto não existe exploração do trabalho. Segundo Jevons, há uma “lei natural” reguladora da divisão entre lucros e salários que torna inútil a existência de sindicatos (3). Não por acaso, esse mesmo autor afirma que seria importante substituir o termo Economia Política por simplesmente Economia e, assim, “(…) desfazer-se, o mais rapidamente possível, do obsoleto nome composto e problemático de nossa ciência” (3). Uma concepção, deve-se frisar, que não dá lugar a crises.


 


 


A Grande Depressão dos anos 1930


 



No seu Princípios de Economia Política, Menger definia os bens econômicos como aqueles que possuíam demanda maior que a oferta (4). Curiosamente, os bens com oferta maior que a demanda ele denominava de bens não econômicos e, por isso, bens que não possuíam valor. Infelizmente Menger não chegou a ver a Crise de 1929 e a Grande Depressão (1929-33) que se seguiu. Caso vivesse pelo menos mais 10 anos (faleceu em 1921) teria se assustado com a enorme quantidade de bens que se tornaram destituída de valor no centro do capitalismo mundial!


 



É relativamente bem aceito que a Crise de 1929 e a Grande Depressão foram consequência da superacumulação. O excesso de oferta de bens de consumo, por exemplo, não se deu porque deixou-se de dar importância aos bens, como Menger diria segundo sua definição de valor (5).


 


 


Conseqüência da crise, a falta de demanda ocorreu simplesmente porque considerável parcela da população, desocupada, não tinha renda.  Houve um reconhecimento desse problema, pois um dos princípios do New Deal nos Estados Unidos foi cessar a espiral descendente de salários ocasionado pelo alto desemprego que alcançou 30% (6). Mas o plano de Roosevelt não foi suficiente para tirar os Estados Unidos da depressão. Após uma melhora no emprego, a economia voltou a sofrer um baque em 1937-38, ainda que mais leve que o anterior (7). A saída da crise só ocorreu com o início da Segunda Guerra Mundial. Em novembro de 1939 Roosevelt conseguiu no Congresso uma modificação na Neutrality Act que proibia a venda de armas aos países beligerantes, iniciando um contundente programa de rearmamento que deu o alento indispensável à indústria norteamericana se reerguer (8).


 



Também vale a pena recordar o caso da Alemanha, um dos países que mais sentiram os efeitos da crise, e talvez o que mais rapidamente se recuperou da Depressão.  Durante os anos 1920, a Alemanha era sensivelmente dependente dos empréstimos norteamericanos para manter os pagamentos das reparações da Primeira Guerra Mundial que o país estava obrigado. Os fluxos de capitais advindos dos Estados Unidos, seu principal investidor, ajudaram a restabelecer alguma ordem na economia, reduzindo também a crescente instabilidade política que atingia o país desde o fim da Primeira Guerra Mundial. Com a Depressão, os fluxos de capitais cessaram e a economia entrou em pane. Em 1931, a Alemanha sofreu uma crise bancária e no ano seguinte calcula-se que havia 6 milhões de desempregados.


 



Após a ascensão de Hitler ao poder em 1933, o Estado passou a bancar a produção de armamentos em larga escala. Um ano depois o número de desempregados havia caído em 40%, e em 1939 a economia já operava em pleno emprego. A recuperação alemã mostra de forma  inequívoca, conforme lembra Braga (9), que o capitalismo não necessariamente precisa basear seu dinamismo no consumo das massas trabalhadoras. As condições macroeconômicas ao crescimento podem advir, como no caso da Alemanha nazista, da produção de máquinas que produzem máquinas e máquinas para produção de armamentos.


 



Os exemplos dos Estados Unidos e da Alemanha demonstram que, a lógica do capital acaba se impondo, independente da recuperação do poder de compra das massas. Assim que volta a “funcionar” o capital vai (re)criando seus consumidores. Aliás, o capitalismo não produz para atender as necessidades da sociedade, como querem os economistas neoclássicos ou como podem concluir certas teorias subconsumistas; ao contrário, são as necessidades sociais que se subordinam ao capital (10).


 


 


Notas


 


 



(1) F. Mazzucchelli (1985).  A contradição em processo. São Paulo: Brasiliense, p.20


(2) K. Marx (2004). Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo: Boitempo Editorial, p.48.


(3) Cf. M. Dobb  (1977). Teorias do valor e distribuição desde Adam Smith. São Paulo: Martins Fontes,  p.223


(4) Cf. S. Jevons (1996). A teoria da economia política. Os economistas. São Paulo: Nova cultural, p.21


(5) Cf. MENGER, Carl (1988). Princípios de economia política. Os economistas. São Paulo: Nova Cultural.


(6) Menger definia o valor da seguinte forma, “(…) o valor é a importância que determinados bens concretos adquirem para nós, pelo fato de estarmos conscientes de que só poderemos atender às nossas necessidades na medida em que dispusermos deles’. op. cit. p.73.


(7) Cf. J. Galbraith (1997). Moeda: de onde veio, para onde foi. São Paulo: Pioneira.


(8) Cf. E. Hobsbawn (1995). A era dos extremos: o breve século xx (1914-1991). São Paulo: Cia das Letras.


(9) Cf. L. Moniz Bandeira (2006). Formação do império americano. 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p.111.


(10) Cf.J. Braga (1999). “Alemanha: império, barbárie e capitalismo avançado”. In: FIORI, José Luís. Estados e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis, RJ: Vozes.


(11) Cf. F. Mazzucchelli (1985).  Op.cit, p.66

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