Cheiro de afeto

O cheiro do acafrão exalava dos quartos. Parecia uma enfermaria. Nesses momentos meninos e meninas tinham o mesmo tratamento. Sempre acontecia assim, quando um adoecia todos caiam doentes e a casa virava um hospital, foi assim no sarampo, na catapora e também na papeira, mais conhecida como caxumba.

As janelas ficavam fechadas, para evitar correntes de ar. E nos movimentávamos entre três quartos: o das meninas, o do Pedro Filho, que tinha uma cama de casal e do nossos pais, Marcos o nosso caçula ainda dormia lá. O dia ia passando e todos continuavam com a roupa de dormir, como um prolongamento da noite. Nossas refeições eram servidas no quarto e as empregadas eram transformadas em enfermeiras. Todas obedeciam às ordens de titia Otília, que assumia a condição de enfermeira chefe.

As crianças ficavam muito dengosas, todos sem exceção careciam de amor. Aproveitavam este período para terem seus gostos atendidos. Não raro papai entrava com alguns mimos. Nossos chás vinham acompanhados dos biscoitos preferidos. Depois da medicação, de ficar com o termometro debaixo do braço ou dentro da boca para tirar a temperatura, ficávamos quietos enquanto mamãe vinha com a costa da mão e colocava na fronte de cada um para certificar-se de que a febre realmente tinha baixado.

Lembro da Joaninha, nossa lavadeira, que entrava nos quartos para recolher a roupa de cama e ali ficava um tempão ajudando a nos trocar. Eram mudas perfumadas: chambres e pijamas limpinhos para o nosso conforto do dia. Depois desse ritual, titia começava a leitura das histórias que encantavam nossos dias e nos ajudava a ficar na cama.

Engraçado, não consigo lembrar de dor nos nossos tempos de quarentena. Eram tantos os cuidados e os carinhos que recebíamos que nossa cura se dava muito mais pelo afeto que pelos remédios. Era um tempo em que, impossibilitadas das brincadeiras das ruas, as crianças ficavam mais perto uma das outras e o sentimento fraterno florescia como se vivéssemos uma longa estação da primavera.

Recordo de olhar a rua pelas frestas das janelas e pular em cima das camas. Era a senha de que estávamos curados e agora ficava impossível nos segurar dentro dos quartos.

Cheios de saúde e fortalecidos pelo amor, corríamos para os amigos e a vida voltava a ser o que era antes.

O cheiro do açafrão, o cheiro da infância me traz sempre um cheiro de afeto.

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