Combatendo a ditadura das Big Techs

A urgência de regular as Big Techs diante de ameaças à democracia e soberania nacional, evidenciadas pelo comportamento disruptivo de figuras como Elon Musk

Imagens: Adobestock

O recente ataque do bilionário Elon Musk às instituições brasileiras colocou a nu um dos maiores perigos para a soberania das nações: o poder das chamadas Big Techs. Se, no início do século 20, a política do Big Stick (com o lema “fale manso e carregue um grande porrete”) foi uma abordagem de política externa adotada por Theodore Roosevelt, que usava o poder militar dos EUA para influenciar a política internacional, hoje as Big Techs usam sua força econômica e tecnológica para influenciar políticas e mercados.

As Big Techs, como são chamadas as grandes empresas mundiais de tecnologia, exercem um poder significativo devido ao seu tamanho, alcance e influência econômica, sendo cada vez mais capazes de moldar a opinião pública, influenciar políticas governamentais e definir padrões de consumo e comportamento através de suas plataformas e produtos. Suas políticas envolvem questões de privacidade de dados, monopólio de mercado e regulação, onde enfrentam desafios legais e sociais para equilibrar seus interesses comerciais com as preocupações públicas e governamentais.

O bilionário Elon Musk, que nasceu e cresceu na África do Sul durante o período do apartheid, tendo sua família enriquecido com minas de esmeraldas nessa época, não só atua para aumentar cada vez mais sua fortuna como também milita ativamente alinhado às pautas da extrema-direita, promovendo-as na plataforma que adquiriu e se envolvendo diretamente na articulação de golpes de estado em vários países. Em 2020, após ser questionado no Twitter (plataforma que adquiriu por 44 bilhões de dólares em 2022, e que hoje, com o idiossincrático nome de X, vale “apenas” um quarto desse valor) por um usuário dizer que o governo dos EUA organizou um golpe contra Evo Morales” para Musk obter o lítio da Bolívia, o empresário respondeu “Nós daremos golpe em quem quisermos. Lide com isso”.

A insolência do mesmo reflete-se até em sua recente proposta de oferecer à Wikipédia US$ 1 bilhão para que esta trocasse seu nome para “Dickpedia” (a palavra dick em inglês é um termo chulo referente ao pênis).

Isso dá ainda mais importância e urgência na regulação do papel dessas superempresas, que atuam cada vez mais fora dos limites do empreendedorismo tecnológico, assumindo papéis de indevido protagonismo político. O Brasil, no momento, é um dos principais palcos dessa luta (que se insere na grande guerra planetária atual).

A pesquisadora Barbara F. Walter, em seu livro Como as guerras civis começam e como impedi-las, analisa o papel das redes sociais em golpes, conflitos sociais radicalizados e guerras civis que levam à destruição da democracia, e afirma que “os cidadãos não podem ficar à parte e esperar que a democracia sobreviva sozinha”.

O livro também discute o impacto das redes sociais nos conflitos, destacando a necessidade de estratégias efetivas contra o extremismo político para estabilizar democracias e prevenir guerras civis.

O passo mais decisivo dado na direção de um controle mínimo sobre a “terra de niguém” (na verdade, de uns poucos donos) das redes sociais é o Projeto de Lei nº 2630, que visa criar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Também conhecido como “PL das Fake News”, está em tramitação desde 2020, com a relatoria do deputado Orlando Silva, do PCdoB, da qual acaba de ser retirado, numa evidente ação das Big Techs e seus aliados. Seus principais objetivos incluem:

•  Fortalecer a democracia e a transparência dos provedores de internet que operam no Brasil.

•  Controlar a disseminação de notícias falsas e discursos de ódio no ambiente virtual.

•  Regular as plataformas digitais, como Google, Meta (Instagram e Facebook), Twitter e TikTok, e serviços de mensageria instantânea, como WhatsApp e Telegram.

•  Implementar medidas e responsabilidades às grandes empresas, especialmente no que diz respeito à moderação de conteúdos publicados na internet.

•  Responsabilizar as empresas por conteúdos publicados por terceiros – uma mudança significativa em relação à legislação atual.

O texto do projeto é pautado na garantia da liberdade de expressão e de imprensa, além de assegurar os direitos à dignidade e à honra e no respeito à livre formação de preferências políticas pelos usuários.

Um dos aspectos que estão a gerar polêmica é o disposto no Artigo 19 do Marco Civil da Internet, que assinala que “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

Um locatário que alugue uma casa para um traficante de drogas não pode ser responsabilizado pelas práticas delituosas do mesmo, porém se ele anunciar e promover os “conteúdos” para a clientela, e ainda por cima auferir lucros com essa atividade, obviamente fica mancomunado com a organização criminosa. Assim – embora seja óbvio que as plataformas não poderiam retirar conteúdos sem ordem judicial (o que fazem arbitrariamente quando há imagens que julgam de indevida nudez) –, se as mesmas são “sócias” que lucram financeiramente com conteúdos criminosos, sua responsabilidade é inequívoca e merece contínuo monitoramento.

Outro aspecto, ligado a este, é quanto à regulamentação da inteligência artificial. O Tribunal Superior Eleitoral tomou medidas significativas para regulamentar o impacto das IA nas eleições de 2024, com os seguintes pontos principais:

•  Proibição de deepfakes: O TSE proibiu o uso de vídeos ou áudios manipulados para parecerem reais, com o objetivo de enganar as pessoas e distorcer informações.

•  Aviso obrigatório de uso de IA: Qualquer uso de inteligência artificial em propaganda eleitoral deve ser claramente indicado, para que os eleitores estejam cientes de que o conteúdo foi gerado ou modificado com esse tipo de tecnologia.

•  Restrição de robôs: O uso de bots para intermediar contato com o eleitor está restrito, especialmente para evitar simulações de diálogo com candidatos ou outras pessoas.

•  Responsabilização das big techs: As grandes empresas de tecnologia serão responsabilizadas se não removerem imediatamente material com desinformação, discurso de ódio, ideologia nazista e fascista, além dos conteúdos antidemocráticos, racistas e homofóbicos.

Ronaldo Lemos, advogado e pesquisador, afirmou a respeito da regulamentação da inteligência artificial no Brasil que “está na hora de a sociedade retomar o seu papel na regulamentação deste que é um dos temas mais importantes do presente”.

Estas pautas precisam ser apropriadas pelas universidades, sindicatos, associações culturais, movimentos sociais, partidos, tudo que sejam formas organizativas da sociedade. Claro que os níveis de apropriação e engajamento sempre serão deficientes em relação às necessidades, mas mobilizar esta participação é essencial para defendermos a democracia ante o domínio absolutista dos super monopólios da comunicação tecnológica.

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