Começar de novo

Domingo (02-11-2007) foi um dia amargo para a grande nação corintiana. A queda para a segunda divisão dói. Que fazer, senão começar de novo, como recomenda Ivan Lins? Estamos condenados a passar um ano no limbo, expiando os crimes do grupo mafioso que aça

O meu coração vermelho, revolucionário e corintiano, também sangrou no amaldiçoado domingo com a derrota das forças revolucionárias na Venezuela, no plebiscito sobre a reforma constitucional. Foi uma vitória do imperialismo e do capitalismo contra a república bolivariana e o socialismo do século 21; um revés para a classe trabalhadora na luta contra os interesses da grande burguesia local e estrangeira.


 



Uma reforma revolucionária


 



Quando analisamos sob uma ótica marxista o conteúdo social da reforma constitucional aprovada pelo legislativo venezuelano e derrotada no plebiscito de domingo por uma estreita margem de votos (50,7% contra 49,29%, no primeiro bloco, e 51% contra 48,9%, no segundo) não restam dúvidas sobre o seu caráter revolucionário, anticapitalista e antiimperialista. A mídia burguesa concentrou seu noticiário e sua raivosa crítica na proposta de reeleição continuada e em dispositivos que ampliavam os poderes presidenciais. O conjunto da obra, porém, é muito mais que isto.


 



A reforma previa a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais, contemplando uma aspiração histórica da classe trabalhadora em todo o mundo; instituía os conselhos comunais como órgãos de democracia direta e de um inédito poder popular; impunha restrições à propriedade privada, sujeitando-a a expropriação; proibia monopólios e latifúndios; criava novas formas de propriedade e acabava com a autonomia do Banco Central, entre outras coisas.


 



Em suma, trata-se de um conjunto de medidas que contrariam frontalmente os interesses da grande burguesia, dos latifundiários e dos monopólios imperialistas, enquanto satisfazem demandas sociais de grande relevância da classe trabalhadora, do campesinato e de outros segmentos do valoroso povo venezuelano; uma iniciativa nitidamente anticapitalista, que nega o neoliberalismo e busca abrir caminho ao chamado socialismo do século 21.


 



Lições


 


Apesar da derrota no plebiscito, o presidente Hugo Chávez continuará governando e já declarou, depois de parabenizar os adversários, que acatará o resultado das urnas, mas não vai abrir mão do projeto de mudança radical da sociedade venezuelana.


 


 Resta aprender com as lições da derrota.


 



Em primeiro lugar, ficou evidente que o inimigo é mais forte do que se imagina. O capital, conforme já notava Karl Marx, é poder social (econômico e político) concentrado. A frente política que se formou contra a revolução e o socialismo é poderosa e não deve ser subestimada. Compreende em primeiro plano o imperialismo hegemonizado pelos EUA, a grande burguesia local e a mídia capitalista em plano internacional. O poder econômico da burguesia não foi confiscado nem destruído, continua forte e em muitos aspectos intacto.


 



É bem provável que a vertigem das vitórias obtidas ao longo dos últimos anos pelas forças revolucionárias (derrota do golpe em 2002, derrota do lockout petrolífero em 2003, vitória no referendo revogatório de 2004, eleição de um legislativo sem oposição em 2005, reeleição de Chávez no final do ano passado com 62,9% dos votos) tenha embriagado os sentidos da revolução e estimulado a subestimação dos inimigos.


 



Excesso de liberalismo


 


O imperialismo, a direita e a mídia neoliberal acusam a Venezuela bolivariana de falta de democracia e vocação autoritária, mas o que ali se observa é, pelo contrário, um excesso de democracia ou quem sabe de liberalismo. Lembremos que aqui no Brasil, recentemente (no governo FHC), a Constituição de 1988 foi alvo de uma contra-reforma neoliberal (espertamente fatiada) que não foi submetida a qualquer tipo de consulta popular, apesar de seu alcance e caráter reacionário. Será que todos os pontos da reforma socialista já aprovada pelo legislativo deviam ir a plebiscito no país vizinho?


 



O presidente Lula tem toda razão quando diz que não se pode acusar a Venezuela de “falta de democracia”. Tendo em vista a experiência do “socialismo real” no leste europeu, a preocupação com a democracia por parte dos revolucionários é mais do que justa e necessária nos dias de hoje. Contudo, o excesso de liberalismo não é um luxo recomendável quando o inimigo é muito forte. Não devemos esquecer que a Comuna de Paris foi esmagada sem piedade pela burguesia francesa devido à generosidade exacerbada e ingênua dos revolucionários parisienses.


 



Ao mesmo tempo em que evidencia a força da contra-revolução, o revés de domingo também comprova a fragilidade das forças revolucionárias. A revolução ainda está muito dependente do seu líder máximo, Hugo Chávez, carece de quadros, de organização e de uma vanguarda partidária forte e enraizada nas bases. A classe trabalhadora está dispersa, não conta com um movimento sindical unificado e progressista capaz de despertar a consciência e identidade de classe nas diferentes e heterogêneas categorias. A pequena burguesia, longe de ser neutralizada ou transformada em aliada, migrou em massa para as trincheiras inimigas, que instrumentalizou de forma inegavelmente eficiente o movimento estudantil, que em outras plagas é progressista. Sem neutralizar ou ganhar as classes médias será muito difícil prosseguir no caminho da revolução.


 



A luta continua


 


O contratempo de domingo é desagradável, mas não é definitivo. O que está em jogo na Venezuela é uma expressão contemporânea da velha luta de classes entre capital e trabalho, que agora caminha de mãos dadas com a chamada questão nacional.


 


Quando se elegeu pela primeira vez, em 1988, Hugo Chávez não tinha propósitos socializantes, nunca foi um comunista e nem mesmo falava de socialismo. Pretendia tão somente arrancar a Venezuela das garras ferinas da águia imperialista. Apregoava os ideais de Simon Bolívar.


 


 
O fogo da luta política iluminou os caminhos da revolução bolivariana e forjou uma consciência mais avançada. Revelou a natureza de classe de seus inimigos mortais, uma grande burguesia local forte e obstinada na luta contra as mudanças, aliada a um imperialismo cínico e sanguinário. O malogrado golpe desfechado em abril de 2002, comandado pelo principal dirigente do empresariado local (o brevíssimo Carmona) e abertamente apoiado pelos EUA, foi emblemático neste sentido.


 



O presidente venezuelano não tardou a concluir que para avançar no rumo da soberania e dos ideais integracionistas de Bolívar é indispensável derrotar os grandes capitalistas e conferir à revolução um conteúdo social mais avançado, socialista, o que implicava fundir o que antigamente se imaginava como as duas fases da revolução (nacional-democrática e socialista). A vida está mostrando, uma vez mais, que este não é uma trilha fácil, em linha reta, nem um jogo de cartas marcadas, em que a vitória nos é garantida de antemão. Revezes fazem parte do script. “Por enquanto, não conseguimos”, declarou o presidente Chávez ao comentar os resultados do plebiscito.


 


 Foi como uma pedra no caminho. Mas a luta continua. 

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