Crimes, prevenção e impunidade

Se delinquir é a regra, como conter a criminalidade que assola todas as esferas da vida no país?


Repito que a dissertação de mestrado “Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro”, da advogada Ana Luíza Pinheiro Flauzina tocou- me profundamente. Compartilho trechos do seu artigo “Racismo e sistema penal” (www.irohin.org.br/imp/n16/05.php).


 



“No que se refere ao aspecto qualitativo, os estudos demonstraram, a partir das pesquisas de autodenúncia e vitimização, que a criminalidade é majoritária (a regra é a prática de delitos) e ubíqua, ou seja, está regularmente distribuída em todos os estratos sociais. O que ocorre é uma criminalização mais severa das condutas típicas dos segmentos mais vulneráveis e a imunização daquelas praticadas pelos hegemônicos. (…) Todos delinquem, mas há recrutamento diferenciado dos grupos sociais para as fileiras da punição. (…) O sistema penal se presta mais ao controle dos indivíduos e dos grupos estigmatizados do que propriamente à prevenção/repressão dos atos infracionais”.


 


Releiam, por favor. Se delinquir é a regra, como conter a criminalidade que assola todas as esferas da vida no país?


 


A saída é exigir um novo pacto social entre governo e sociedade capaz de romper a assimetria da punibilidade e investir em políticas de prevenção – e não há dúvida que uma, além de apostar em educação, é o controle estatal de drogas ilícitas, retirando-as das mãos do narcotráfico.


 


Sim, legalizá-las! Ou vamos fugir da raia? Basta de hipocrisia! Quem conhece o Plano Nacional de Segurança Pública, que prevê a implantação do Sistema Único de Segurança Pública e uma polícia moderna, ágil e eficiente, como “única maneira de reprimir a onda de violência que assola, em maior ou menor grau, todas as regiões do país”?


 


No Plano, constar que é só isso, é um erro incomensurável. Aprendi muito com Flauzina, que adensa o que penso, ao afirmar que em “estudos efetuados pelos teóricos da criminologia crítica, que rompem com os padrões positivistas das causas do crime atentam para a funcionalidade do sistema, a seletividade é apontada como uma marca que atravessa os sistemas penais em todo o mundo. (…) Se todos os delitos previstos no ordenamento jurídico fossem processados, não haveria praticamente qualquer habitante que não fosse por diversas vezes criminalizado ao longo de sua vida.”


 


O país clama por um Pacto Nacional de Segurança Pública que tenha como eixo o combate e punição, igualmente ágeis perante delitos cometidos por gente de todas as classes sociais, raças e cores.


 


Se a impunidade é cúmplice da violência, urge que tenhamos regras intolerantes, explícitas, não-sexistas e não-racistas para com corruptores de todos os naipes.


 


Não cabe piedade para sociopatas (personalidades bandidas que podem chegar ao banditismo) e outros criminosos irrecuperáveis para o convívio social – diagnosticados como intratáveis, incuráveis e irreversíveis.


 


E a política preventiva básica é “investir em educação, atendimento à primeira infância, e na aplicação das leis e em contenção”.


 


A antiga luta popular pelo controle social da gestão do dinheiro público obrigou a ONU a declarar o 9 de dezembro como Dia Internacional Contra a Corrupção e aprovar a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (2003).


 


A ONU já realizou quatro edições do Fórum Global de Combate à Corrupção, sendo a última em Brasília, de 7 a 10/6/2005 (www.ivforumglobal.org.br). Por que a imprensa não divulga a iniciativa?


 


Tenho dito que a corrupção ameaça a democracia e subtrai direitos humanos, pois rouba recursos públicos vitais para políticas que asseguram o exercício da cidadania.


 


O combate à corrupção é parte essencial da luta pela ética na política; cabe à sociedade civil organizada estar alerta para que não se torne cúmplice, até pela omissão, da corrupção e outras modalidades de delinquência que a ela se associam.


 


A luta contra a corrupção nunca foi uma bandeira das elites políticas – partidos e governos tradicionais –, mas uma bandeira de extração popular. Não fica bem na foto que essa bandeira contra a corrupção tenha, de repente, mudado de mãos, apenas no Brasil! Isso não ocorreu.

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