De Porto Alegre a Oslo!

Quanto à atualidade da questão do fascismo, digamos simplesmente que os fascismos (…) não são fenômenos limitados no tempo. Podem muito bem ressurgir atualmente, mesmo nos países da área européia, na medida em que se assiste a uma grave crise do imperialismo, crise que atinge o seu próprio centro (Nicos Poulantzas em Fascismo e Ditadura)
 

Em finais de junho, um manifesto de um acadêmico de História da UFRGS perguntou o que seria a Humanidade hoje sem a criação dos Eurasianos, forçados a sobreviver “mediante sua capacidade intelectual e – por conseguinte, CEREBRAL’ – formas culturais mais complexas e sofisticadas que os Africanos remanescentes”.

Não ficava por aí sua cantilena etnocêntrica. Como quase sempre, ele vinha acompanhado de seu primo univitelino, o racismo: “… só uma mulher Branca é capaz de gerar um filho Branco para um Homem Branco – a Negra originaria um híbrido …”, enquanto o interracialismo seria uma “forma de … EXTERMINAÇÃO RACIAL OU GENOCÍDIO”.

As críticas no interior da Universidade foram intensas, inclusive levando professores a se contrapor publicamente ao conteúdo das afirmações. O caso deixou de ser apenas um debate teórico para virar uma questão disiciplinar.

Em Zero Hora, jornal de Porto Alegre, um leitor, afirmando falar em nome da democracia de pensamento, acreditou que o aluno estava “sendo perseguido, discriminado e tendo seu direito de expressão tolhido”. Outro afirmou, em defesa do acadêmico acusado de racismo, o argumento comum ao século XIX europeu sobre o “processo civilizatório infinitamente superior” destes países em relação à África SubsARIANA.

Se o manifesto por si já causava estupefação, veio em seu socorro o artigo publicado na mesma Zero Hora,“Censores da liberdade de pensamento”, do escritor Luiz Carlos da Cunha, em 10 de julho. Entre algumas pérolas do missivista, chamando o caso da UFRGS de “curioso caso acadêmico”, defendendo o caminho da ciência diante da “reação patrulhadora do pensamento”, continuou a lorota do “aluno ousado pela livre expressão do pensamento” sobre diferenças raciais para entender as diferenças culturais, pedindo sobre o tema um “seminário de altos estudos”. Para isso, indicou condescendente que a “tese provocadora” em discussão podia ser resumida na opção do fator determinante que diferencia as “raças humanas” pelo fator genético ou pelo fator cultural desenhado pelo meio ambiente. Isto é, mais do mesmo, pois deixou ao leitor apenas os mesmos argumentos “civilizatórios” do darwinismo social, o qual via na genética ou no meio ambiente as causas naturais da História. Para o articulista nem uma só palavra sobre a exploração social, as desigualdades econômicas, a ação da conquista colonial ou sobre o imperialismo europeu.

Em edições seguintes, outros vieram em seu socorro: “Se um professor não sabe contra-argumentar seus alunos na Universidade, duas coisas podem estar ocorrendo: o professor sabe pouco ou o aluno está acerto”; “… devemos defender à exaustão o direito de as idéias serem difundidas, mormente no meio acadêmico”.

Passados menos de trinta dias do episódio da UFRGS, eis que na capital do Nobel da paz, em Oslo, e na ilha de Utoya, explosão e assassinatos resultaram em 77 mortos. O autor, Anders Behring Breivik, precedeu aos ataques com um manifesto anti-islâmico e antimarxista, clamando por uma “Declaração de Independência Européia”. Para o extremista de direita, o Brasil seria o exemplo “disfuncional” da catastrófica mistura de raças, o que “paralisa qualquer esperança de algum dia alcançar o mesmo nível de produtividade e harmonia”, como da Escandinávia, da Alemanha, etc.

Suas opiniões tautológicas foram taxadas negligentemente por muitos apenas de “negativas” – uma clara comiseração diante das estapafúrdias idéias racistas e nazistas do terrorista. Nenhuma palavra sobre o fascismo e o nazismo como instrumento histórico de violência do grande capital financeiro em crise, como se viu nas experiências históricas do Século XX.  Nada, pois a grande mídia prefere a dissimulação e o ato de loucura como argumento. Terroristas são os que resistem a este capital. Não é por nada que anarquistas e comunistas foram historicamente denominados pelo mesmo conceito.

Poucos dias depois, em 6 de agosto, em um bar do bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, jovens skinheads iniciaram pancadaria contra clientes que freqüentavam o local. O grupo agrediu outros jovens, entre eles negros, e esfaqueou um cliente, também negro. Cenas como essa têm se repetido na capital rio-grandense, sendo também vítimas judeus, punks, militantes pela livre orientação sexual, etc.

Quando criticamos em sala de aula o racismo, o preconceito e a discriminação, como nos casos de Porto Alegre e Oslo, muitas vezes somos chamados pejorativamente de “patrulhas’, “politicamente corretos” e “esquerdistas”. Quando afirmamos que o “fascismo está voltando”, se é que ele deixou de existir, alguns nos taxam de alarmistas.

Não é apenas uma questão moral. Se não condenarmos estas idéias imediata e diuturnamente, esta sopa quente continuará recebendo colheradas pelas bordas. Vez ou outra um Breivik, por muitos anos o nazi-fascismo.

Os defensores deste tipo de “liberdade de expressão”, em nome do que chamam de “ciência”, deviam realmente explicar o acontecido na Noruega. Sim, porque não vi e ouvi algum argumento na grande mídia, desde 22 de julho, que fugisse da velha e surrada tese, a mesma tantas vezes repetida em relação a Hitler: a “loucura” de Breivik diante de suas teses e atos assassinos.

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