Dezembro em Recife

Mês das comemorações onde os que se odiaram o ano inteiro, se abraçam e beijam. A esperança do recomeço e a firme convicção de que se pode apagar o passado, acreditando que tudo será diferente.

Réveillon em Boa Viagem | Foto: Arthur Mota/Folha de Pernambuco

Recebo um poema. Do poeta mor, Padre Daniel Lima, que já nos deixou, mas cuja obra sempre continuará fascinando, melhor, encantando. Do ciclo anual, dos meses do ano. Dezembro é o nome. Belo, longo, aqui apenas uma trova:

“É tempo de esperança

Tudo acaba, tudo recomeça

Deus nasce, deus morre, deus ressuscita.

O tempo continua

A vida é isto.”

Um mês diferente. Mês das comemorações em que os que se odiaram o ano inteiro, se abraçam e beijam. A esperança do recomeço com a firme convicção de que se pode apagar tudo o que ocorreu, em que se tem a crença de que tudo será diferente.

É o mês da Festa do Morro. Nossa Senhora da Conceição não é a padroeira da cidade, mas, sem dúvida, a maior comemoração religiosa do ano. Dez dias ou mais, começa a romaria. Pequenos e grades grupos de azul e branco sobem o morro cantando. Da minha janela controlo, vejo a fé daqueles que até “perdem os filhos seus, mas nunca perdem a fé em Deus”. Dia 8, a procissão, de todos os rincões devotos se apinham aos pés da Santa.

Cantatas são marcas da cidade. No Marco Zero, em frente ao Palácio das Princesas, na Praça do Rosarinho, nos diferentes bairros. Muitas luzes, músicas conhecidas que apontam para o tradicional da festa de Natal.

Época de cultura, época do fim dos grandes festivais na cidade. Recifense, por definição, se encontra nas artes. Os espaços lotados, os espetáculos de circo, os teatros, os artistas nacionais e internacionais, as exposições, tudo se acumula nesta época. Este ano uma maravilhosa exposição da história do movimento armorial, símbolo maior de nossa identidade. A pandemia tinha afastado as pessoas, novos tempos reaproximam, mesmo com inúmeras festas particulares, as pessoas estão sequiosas de participar, não deixam de ir aos eventos, vão conferir e comentar, vão se engrandecer na busca de expressões artísticas..

No bairro em que moro, onde transito, pequenos grupos religiosos, com violões e vozes, saem pelas ruas fazendo a cantata caminhante. Todo ano os espero. Nas janelas de casas e apartamentos, sonhadores lembram a música, “pensando que a banda tocava para ela”.

Recife se enfeita, se engalana. A decoração natalina, as luzes nas principais avenidas, os presépios, as casas, sua iluminação, suas árvores natalinas, os prédios com decorações multicoloridas, nem sempre de bom gosto. Está lindíssima a cidade, as árvores e suas cores no meio dos canais anunciando novos tempos, representando o pedido de paz.

Não é esse o diferencial. A cidade tem marca característica. A natureza que enfeitiça. Sendo andarilho do amanhecer, vejo as cores e os bons cheiros se fazerem presentes. É a época do ano mais radiante.

Os cachos dourados das acácias, o vermelho dos flamboyants, as multicores dos bougainvilleas, vermelhas, roxas, amarelas e brancas. A alvura dos buquês das árvores véus de noiva, as icsórias que vão do vermelho ao amarelo, passando pelas rosas em sua delicadeza. Tudo floresce ao mesmo tempo.

Frutas é que não falta. E seus cheiros entram em nossas narinas, como presentes.

As mangueiras apinhadas. Muitas variedades, diferentes tamanhos, diferentes cores, amarelas, rosas e verdes. Adoro ver os “pescadores”. Com suas enormes varas e um cestinho na ponta, vão invadindo pomares e coletando a fruta saborosa. Carrinhos e baldes abarrotados. Com certeza, lá pelas oito da manhã, as frutas já estarão nas esquinas, nos sinais e nos mercados para serem comercializadas.

Há outros tipos de “pesca”. Vi hoje de manhã. Uma mangueira apinhada de mangas espadas, mas numa altura que chegaria ao quinto andar de um edifício comum. Trabalho em conjunto, em equipe. Um trio. A destreza de um faz com que escale o tronco até o cume. Embaixo, um equilibrista com sua camisa apara as frutas que são retiradas e jogadas, para que não sejam machucadas. O último vai completando os baldes e os carrinhos de mão. Uma orquestra bem afinada.

Mês do jambo do Pará. Os tapetes vermelhos vão se formando. Lindos e imponentes. Ficava com pena quando no local em que trabalhava varriam ao amanhecer. Explicável, a segurança dos transeuntes é importante e o escorregar pode gerar transtornos. Mas, chegava bem cedo só para ver o espetáculo que as árvores propiciavam. Majestosos, vejam:

Começa a safra do caju. Podem ser vistos amarelinhos ou vermelhos. Seu suco é delicioso, escorrer o sumo pelas bochechas com uma bela mordida. Cortado em rodelas com um salsinho, melhor tira-gosto para um bom aperitivo.

Pitangueiras começam a diminuir a carga, mas é época em que os frutos ainda se expõem. Sempre me lembro do seu licor, cuja receita era segredo da família do escritor Gilberto Freire. Nas comemorações da Fundação Joaquim Nabuco, em que ele participava, servia pequeníssimos cálices para o deleite de todos.

Jaqueiras sempre me impressionaram. Seus enormes troncos, seus frutos avantajados. Um bago suculento, prazer inigualável. É o mês em que começam a aparecer. Agora insumos das comidas veganas, a carne mais deliciosa.

Dezembro mês de término de desconfortos e esperança de começos ou recomeço. Mês em que o imaginário faz com que acreditemos que tudo acaba e vai ser diferente. Em que a esperança de épocas mais alviçareiras nos invade.

Acreditemos, tudo pode melhorar, numa cidade em que a própria natureza se prepara para dias de alegria, não podemos desistir, vai ser um ano sempre melhor. Para todos nós. Festas felizes com certeza de bons tempos. A todos

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