Dilma já fala grosso

Contrariando a praxe de seu habitual comedimento, a presidente Dilma Rousseff pronunciou um duro discurso durante a posse do ex-presidente Lula na Casa Civil, no último dia 17, em Brasília. A posse que está sendo objeto de contestações junto ao Supremo Tribunal Federal, mas o que nos importa aqui são as palavras da presidente.

Numa clara alusão ao juiz Sérgio Moro, Dilma disse: “Convulsionar a sociedade brasileira em cima de inverdades, métodos escusos e práticas criticáveis viola princípios e garantias constitucionais e os direitos dos cidadãos. E abrem precedentes gravíssimos. Os golpes começam assim".

Mais: “Interpretação desvirtuada, processos equivocados, investigações baseadas em grampos ilegais não favorecem a democracia neste país. Quando isso acontece, fica nítida a tentativa de ultrapassar o limite do estado democrático e cruzar a fronteira do estado de exceção”.

E acrescentou, referindo-se ao grampo telefônico de que foi vítima: “Não há Justiça quando as leis são desrespeitadas. Não há justiça para os cidadãos quando as garantias constitucionais da própria Presidência da República são violadas”.

Dias depois, em Pernambuco, repetiu a dose.

Para esta semana estão previstos encontros com a imprensa internacional, quando Dilma pretende, pelo que se noticia, acusar o golpe que está sendo tramado no Brasil. Talvez faça coro com o presidente equatoriano Rafael Correa, segundo o qual há um processo de desestabilização dos governos democráticos na América Latina capitaneado pelos Estados Unidos. Uma espécie de Plano Condor para os tempos atuais.

Já há pouco mais de um mês, na abertura do 12o Congresso da CUT, em São Paulo, ela ensaiou reação mais enfática, mostrando-se firme, incisiva, dura em certos momentos, embora, como sempre, sem a retórica (que não tem) que conferiria às suas palavras o tom justo e mais adequado da indignação.

Disse: “Eu me insurjo contra o golpismo e suas ações conspiratórias, e não temo seus defensores”. Acusando os golpistas de “moralistas sem moral” e de “conspiradores”, Dilma afirmou que eles “tentam obter o impeachment para interromper um mandato conquistado com 54 milhões de votos”, sem que haja acusação alguma à titular. Prometeu “não se dobrar” e advertiu: "Ninguém deve se iludir. Nenhum trabalhador pode baixar a guarda".

Ontem mesmo – 22 de março – ao participar de encontro com juristas pela legalidade e em defesa da democracia, em Brasília, ela foi, mais uma vez, enfática em seu discurso: “Não cabem meias palavras”, afirmou, “o que está e curso é um golpe contra a democracia”. Garantiu estar disposta a enfrentar, pelos meios que se fizerem necessários, a trama antidemocrática e que não vai renunciar “em hipótese alguma”.

Com tudo isso, parece que a presidente resolveu – espero que não tardiamente – exercer o protagonismo político que se espera de um chefe da Nação, sobretudo quando acossado por virulenta campanha golpista. Há uma impressão, com a qual concordo, de que ela deverá prosseguir nesse caminho e debater abertamente com a sociedade as fragilidades do processo de impeachment. Há quem diga que se assim não proceder, terá dificuldades em concluir seu mandato.

Distanciamento olímpico

O defensismo do governo e do próprio PT diante da crise, que só fazia avolumar-se, registrei-o em vários artigos publicados aqui no Vermelho. Reproduzo, por oportuno, trecho de um deles, “A indignação dos inocentes”:

“A guerra pela derrubada do mandato eleito em outubro passado tornava-se cada vez mais virulenta, alastrando-se do parlamento e dos partidos de oposição para as ruas, com o apoio militante da grande mídia, e o governo mantinha-se, ao menos em termos públicos, expectante, num distanciamento olímpico dos ultrajes da direita mais notoriamente golpista e dos xingamentos com que a onda de ódio e intolerância cumulava Dilma, seu partido e Lula. Parecia faltar ao governo, notadamente à presidente, o que conhecemos como a indignação dos inocentes, dos acusados falsamente, dos vilipendiados. Aquela reação até mesmo acalorada de alguém diante de acusação caluniosa que lhe é feita e que, por isso mesmo, sente-se tangido a desmascarar a trama de que é vítima”.

Nada dessa postura ajudava na sensibilização da sociedade a seu favor. Ao contrário, como alertava o cientista político André Singer, permitia que o principal argumento pró-impeachment – e todo o discurso rancoroso dos golpistas – tomassem conta do público “por mera repetição”. Esta é, afinal, uma guerra fundamentalmente travada na opinião pública. Óbvio que a conduta da presidente e, mais recentemente, de Lula, devem, para potencializar seus afeitos, conectar-se sinergicamente com a estratégica ação jurídico-parlamentar e a interlocução com setores decisivos da sociedade brasileira. Em alguns momentos uma frente torna-se mais importante, mais adiante outra assume a prioridade, dependendo das circunstâncias políticas criadas, mas todas se desenvolvem a um só tempo.

É também claro que a palavra da presidente, por mais firme e clara que seja, não basta, em si mesma, para bloquear o golpe. Penso que, junto com os posicionamentos presidenciais, deve haver, da parte do governo, uma reformulação da política econômica com vistas à necessária, impostergável retomada do crescimento econômico. Urge romper com os traços neoliberais dessa política, condição fundamental para restaurar a base social do governo e, assim, avançar contra o golpe.

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