Diplomacia Altiva

Sob o comando do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Antônio Patriota, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas(ONU) reúne-se esta semana para discutir a paz mundial. A reunião não estava prevista, e foi convocada por iniciativa brasileira.

Fica claro desde logo, portanto, que nossa diplomacia segue sua trajetória autônoma, independente e principalmente altiva que marcou os oito anos do governo Lula. Nesta sexta-feira, o debate vem na esteira do efeito dominó das revoltas populares que estão refazendo a geopolítica no Oriente Médio e Norte da África. E o Brasil como protagonista.

Em verdade, a Diplomacia brasileira volta a honrar o “D” maiúsculo que sempre foi sua marca, mesmo em períodos de governos de lava-pés ao imperialismo. Na própria ditadura pós-64 tivemos um bom exemplo disso.

Falo da chamada Política Externa Independente, no governo do general Ernesto Geisel. O ministro das Relações Exteriores era Azeredo da Silveira, diplomata de carreira, mas quem na prática puxava as ações era o embaixador Ítalo Zappa, homem que impunha uma postura diferente, de busca de novas parcerias, com soberania.

Naquela época a África Negra era o centro das atenções do mundo, como agora ocorre com os países árabes. Para citar só um exemplo, ficou na história o fato de o Brasil ter sido o primeiro país a reconhecer a independência de Angola, em 1974, num gesto de repercussão mundial.

É claro que a diplomacia não tem vida própria. Ela depende de que estiver no governo. Seja via Ministério das Relações Exteriores, seja em outras frentes, em que o próprio presidente da República pode agir e desempenhar função importante, como Lula.

Não importa o estilo ou o jeito de fazer. Juscelino Kubitschek saiu do País apenas quatro vezes, mas marcou também nesta área. Um exemplo é a carta que escreveu ao presidente ao Eisenhower, dos EUA, em 1958.

Escrita em bom português, ele falou da desigualdade entre países, criticou a política ianque e sugeriu a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Logo depois, Eisenhower apoiou a criação do BID.

Já em período recente, é só rememorar o desempenho do sociólogo poliglota FHC e da postura da nossa diplomacia no seu longo período de governo. Neste caso, oito anos foram uma eternidade. Foi um período lastimável para nossa política externa, marcado pela subserviência.

Vale repetir: a diplomacia, via Itamaraty ou por outras frentes de ação, não é autônoma. Mas, em casos em que a postura é frouxa, acovardada, o Itamaraty finge de morto de deixa a coisa rolar. Quando é chamado a agir, porém, como agora, arregaça as mangas e pau na máquina que o tempo é curto.

Por falar nisso, a troca do ministro Amorim por Antônio Patriota não altera posição do Itamaraty. Já não alteraria pela postura natural da instituição, mas, no caso, ainda há o fato de que os dois são contemporâneos e mantêm forte amizade pessoal, segundo gente que os conhece bem.

O que se dá agora na postura em vista dos conflitos e mudanças mundo afora é um natural seguimento de uma política que vem dando certo, que coloca o Brasil num patamar de liderança. É uma visão do mundo como ele é, não como Washington ou qualquer um do G-8 quer que seja. A altivez é sua marca.

Seu conteúdo é cristalino. O progresso da humanidade e a elevação das condições de vida no Planeta são objetivos muito mais facilmente atingidos pelo caminho da paz. No Oriente Médio, na Ásia, América Latina, onde quer que seja a interferência externa em assuntos das nações é algo inaceitável.

Os iraques e afganistãos precisam virar máculas do passado o mais rapidamente possível. As revoltas populares no Egito, Tunísia, Argélia, Jordânia e outros países devem levar a soluções próprias, que reflitam os anseios de mudanças de cada um daqueles povos oprimidos durante décadas por fantoches do imperialismo.
A visão binária do mundo, em que ditadura aliada pode existir e ditadura adversária não pode, não cabe no dicionário da boa diplomacia. Ditadura é ditadura, mas a democracia sempre incomoda mais o centro do poder global, que se acha dono do mundo.

Se a postura de governos vale para a diplomacia brasileira, serve também para a de qualquer país, inclusive os EUA. E não se pode ignorar que há grande diferença entre George W. Bush, aliado inseparável da indústria bélica americana, e Barack Obama. Pelo menos no discurso.

O teste prático da retirada das tropas do Iraque, embora mais lento e gradual do que se gostaria, está ocorrendo. Agora vem o desafio do Egito, em que os EUA (e Israel) perderam importante aliado e temem reviravoltas.

É pouco provável que o governo que emergir do processo de mudanças no Egito queira, por exemplo, desfazer o tratado de paz com Israel e retomar os espaços perdidos na Guerra dos Seis Dias, na década de 1960. Mas, e se quiser?

São esses monumentais detalhes que estão colocados na mesa. E antes que o mal apareça, o Conselho de Segurança aponta o caminho, num momento em que cabe ao Brasil tomar a iniciativa.

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