Donald Trump e os Super-Heróis

Autor: Guilherme “Smee” Sfredo Miorando*

No começo de abril de 2025 no Centre de Cultura Contemporània de Barcelona (CCCB), o quadrinista estadunidense Chris Ware, criador de Rusty Brown e Jimmy Corrigan, declarou que “os super-heróis são uma metáfora eficaz sobre os Estados Unidos e sua arrogância”. Na mesma semana, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump declarou um tarifaço mundial para os produtos originados naquele país, estabelecendo arbitrariamente diferentes tarifas para diferentes países, afetando diretamente as bolsas de valores e o preço do dólar em todo o mundo. É sobre isso que eu gostaria de falar neste espaço de reflexão.

Primeiro, vamos pensar o que Ware quis dizer quando avalia tanto os super-heróis, como os Estados Unidos e, por extensão, Donald Trump como arrogantes. A arrogância é um sentimento em que ao mesmo tempo a pessoa que o sente se coloca acima das demais ou de um grupo determinado e também relega os demais ou esse grupo a um status inferior. Nos pecados capitais cristãos está ligado com o orgulho. Também pode ser um sinônimo de arrogância a soberba, que em inglês se escreve “superb”, cuja etimologia vem de super, que significa sobre, em cima, ou seja, tentar se colocar acima de alguém. Pensando nessa direção, os super-heróis em sua própria etimologia já são arrogantes, orgulhosos, soberbos, porque eles estão acima do ser humano comum, eles são sobre-homens, ou seja, já superam os homens há muito tempo.

Pensado como o sentimento de arrogância se alia a esse contexto, precisamos entender como ele se relaciona com o pensamento estadunidense. Muito da “excepcionalidade americana”, como eles mesmos chamam, tem a ver com a doutrina do Destino Manifesto. Neste conjunto de ideias, o povo dos Estados Unidos é tido como uma comunidade escolhida por Deus para sobrepujar as demais e se expandir pelo globo. Algo muito semelhante com o povo escolhido de Israel na Bíblia. Essa soberania estadunidense, palavra que também se liga à soberba, também é apoiada pela tese da fronteira de Jackson Turner. Foi seguindo essa tese que o território dos Estados Unidos se expandiu das treze colônias iniciais para cinquenta estados, incluindo o Alaska, o Havaí e até mesmo Porto Rico.

Essa lógica expansionista e ao mesmo tempo protecionista se relaciona com o pensamento da política dos Estados Unidos como um todo, mas em particular com os auspícios da direita política. Trump quer proteger o mercado interno dos Estados Unidos e ao mesmo tempo demonstrar a dependência econômica de diversos países com a economia do seu país. É um movimento paradoxal típico do neoliberalismo, que prega uma interferência mínima do Estado no mercado, ao mesmo tempo em que o mercado acaba se tornando o próprio Estado, regulando a produção econômica interna e externa, como os movimentos que Trump está fazendo. Trump é um fruto da política neoliberal, através da qual construiu o seu império, a sua Trump Tower. Donald foi apresentador de um reality show em que, com satisfação, demitia participante por participante, até sobrar apenas um “aprendiz” a quem confiava uma empresa. Nos quadrinhos, diversas comparações do empresário foram feitas com Lex Luthor, arquinimigo do Superman, como na edição de sua biografia não-autorizada.

Mas Trump não fica muito longe do próprio Superman. Se você duvida, digite no Google “Trump+Superman” e você vai se deparar com diversos memes vestindo Trump com o corpo e o uniforme de Superman. Como eu pude comprovar na minha tese de doutorado, a direita e, mais especificamente, a extrema direita se apropriou não apenas da iconografia dos super-heróis como dos sentidos que estão relacionados a eles, principalmente aqueles de masculinidade de dominação. Nessa direção, os super-heróis são uma força de dominação óbvia, em que o Outro é colocado como inferior. Nesse caso, o outro podem ser os asiáticos (como mostram diversas capas de supers), os africanos (desumanizados em diversas peças de quadrinhos), ou nós, os latino-americanos (esses não têm tantos exemplos assim, mas já chego lá).

Os latino-americanos talvez tenham sido os principais povos que sofreram influência dos Estados Unidos, seja através da dominação política, que instaurou regimes ditatoriais na América Latina; seja através da dominação econômica, que faz com que as crises estadunidenses se reflitam também nos países latino-americanos; mas principalmente a dominação cultural, explicitada no imperialismo cultural, que envolvem nossos amigos, os super-heróis. Eles não apenas passam a impressão de que são superiores, como que a vida nos Estados Unidos é superior à da América Latina e, por isso, a cultura e o povo de lá vale mais que o de cá. Não é segredo que desde a Segunda Guerra Mundial os super-heróis têm servido como propaganda do modo de vida “americano” para as nações subdesenvolvidas e agora, em desenvolvimento. Quando falo em propaganda é preciso fazer uma diferenciação da publicidade, que é a venda de produtos. A propaganda vende ideias e instituições, e por que não, as ideologias de um país para os demais.

Os estadunidenses gostam muito de ultrapassar fronteiras, já que são um “povo escolhido”, mas não gostam quando suas próprias fronteiras são invadidas, seja por imigrantes em busca do “sonho americano” que eles vendem em todas suas peças culturais, seja por facções inimigas do seu ideário. Foi essa ameaça ao seu espaço protegido que fez com que os super-heróis se tornassem novamente relevantes. A Guerra ao Terror de Bush implementou um sentimento ambíguo de vítima heroica sobre o povo e a cultura dos Estados Unidos. Estado esse que precisava ser protegido não apenas militarmente, levando a ofensiva para o Iraque, longe do solo estadunidense, mas também precisava que a moral do povo daquele país não se abalasse, então as figuras super-heroicas vieram mais uma vez preencher esse vácuo. Os super-heróis estão nas principais bilheterias dos Estados Unidos, mas também ao redor do mundo. Quer queira, quer não, para o bem ou para o mal, a ideologia dos super-heróis ajudou a forjar o atual cenário, inclusive com Trump no poder. Portanto, para ficar na seara das figuras de linguagens, Chris Ware dizer que super-heróis são uma metáfora dos Estados Unidos, só poderia ter vindo de um estadunidense, para quem está na periferia da cultura, super-heróis, Donald Trump, arrogância e Estados Unidos estão mais para um pleonasmo.

__

*Bacharel em Comunicação Social: Publicidade e Propaganda, Especialista em Imagem Publicitária e em Histórias em Quadrinhos, Mestre em Memória Social e Bens Culturais, Doutor em Ciências da Comunicação, realiza estágio pós-doutoral em Ciências Humanas. Membro da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial e da International Society for Superheroes Studies. É roteirista de histórias em quadrinhos e designer editorial. Escreveu o livro SuperGays e é um dos cocriadores do super-heróis queer brasileiro Boy Magya. Colabora com o site LiteraturaRS e publica no DeSmeeOLado quase duas vezes por semana.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor