Dugueto Shabazz: O referido playboy e os Salvadores da Pátria
Estou à procura de um Salvador da pátria. Pensei que poderia ser o Mano Brown, mas, no ''Roda Vida'' da última segunda-feira, descobri que ele não é nem quer ser o tal. Pensei no comandante Nascimento, mas descobri que, na verdade, ''Tropa de Elite'' é um
Publicado 26/10/2007 11:16
O mais loco na minha opinião foi o referido playboy ter citado o nome do mano Brown, o qual ele esperava fosse o “Salvador da pátria”, ou um deles, mas se desapontou e perdeu as esperanças depois de assistir a entrevista do rapper no Roda Viva…
Ha! Era só o que faltava! A burguesia paulista órfã de Mano Brown. Deus! Que geração perdida é essa que a cada grama de consciência monta um projeto social de marketing pessoal abatimento de imposto e segue se sentindo legitimado a ter Rolex no pulso?
Agora… playboy que é playboy não carrega peso! Mas nem na consciência! Não, senhor. Ele joga nas costas do primeiro preto que ele encontrar mais perto. O pensamento colonialista herdado, pensamento colonialista em prática. A metáfora serve de exemplo. Quem usa Rolex de mais de vinte mil dólares num dos paises mais desiguais do planeta, e ainda vai pra mídia se colocar em defesa do direito de te-lo, serve também pra se observar como separados estão dois mundos. Divididos por abismo mais que profundo: a burguesia como centro de poder, concentração de poder e manutenção hereditária do poder; e a periferia marginalizada pelo poder, contorcida pelo poder, esmagada pelo poder.
Diariamente e sem espaço na mídia. Barracos soterrados: números. Presídios lotados: números. Menores assassinados: números. Um apresentador famoso que dirigia seu carro pelos Jardins perde o Rolex pra dois bandidos numa moto: manchetes! Um crime contra um ser humano! Que tem um filho pequeno e uma jovem esposa à espera de um segundo, e que paga todos os seus impostos e ainda cumpre sua função social. Mais que um ser humano. Quase um herói! Mas ao mesmo tempo um alguém muito humilde, honesto e esforçado, cidadão de bem, sentindo-se oprimido em sua própria cidade. Quase um mártir burguês de pensamentos quase póstumos.
Mas o Ferréz não pode escrever uma ficção onde qualidades humanas, relações familiares, necessidades de sobrevivência e sentimento de opressão sejam atribuídas também a quem assalta. Não. E glamourização da violência.
Eles acham que somo todos ingênuos quando não assumem o debate num âmbito de discussão classista. Até ai problema é deles se querem ficar de chapéu, mas mais ingênuos são eles senão percebem que já o estamos fazendo! Mas, espera… meu pensamento quase me traiu… burguesia ingênua? No Brasil? Não mesmo! Aqui encontramos a tentativa de esvaziar a questão no seu cerne. Desigualdade social. Falo isso enquanto ainda esta fresco em minha mente comentários que li criticando o texto do escritor Ferréz. Ai os caras ainda tiram que o mano não tem talento pra escrita, tiram nossa literatura como inferior, a literatura feita pela periferia, para a periferia. Isso também não e novo. Historicamente tudo o que fazemos é inferior ao que eles fazem, até sentirem o cheiro da grana no que fazemos e tomarem pra eles…ai fica bom: literatura marginal feita por quem não é marginal. Novos trunfos, velhas aspirações. Assim tem sido a mais de quatrocentos anos.
Confesso que me admiro de temor até, quando perante fatos públicos similares, não raros em nosso cotidiano violento, em como a fenda se abre entre nos, sociedade brasileira, de maneira feroz , progressivamente, até virar abismo, que ainda assim não para de crescer enquanto a burguesia rosna uma raiva refinada de etiqueta e filosofia, deixando escapar algo de sua consciência culpada ao nos chamar de rancorosos. Do que teríamos rancor de vocês, oh nobres senhores? Estariam por acaso assumindo que deveríamos? E se eu ainda não tivesse pensado nisso meu caro burguês? Posso sentir rancor agora? Afinal, sou um ser humano igual ao que assalta, que e igual ao que e assaltado. Essa noção de igualdade ao menos nos comungamos. Certo? Em outras visões certamente divergiremos. Mas se isso ocorre vocês se socorrem pronta e mutuamente como se compelidos ao mais nobre combate pela justiça, quando um de vocês brada: “lugar de bandidos e na cadeia”. Velho chavão. Sem comentários.
O lugar de onde eu venho me faz pensar que o texto do Ferréz que é uma ficção é mais próximo da realidade do que o desabafo de realidade do referido playboy, que parece ficção.
Mano, mas ai insisto… o que mais me apavorou (mas não me surpreendeu) foi o referido playboy ter dito que procura um “Salvador da pátria”. E na sua curiosa (foi a melhor palavra que eu encontrei) lista de candidatos que inclui o presidente da Republica e ainda o Capitão Nascimento (personagem fictício do filme Tropa de Elite), figura em primeiro lugar o nome do Mano Brown. Um rapper preto, da favela que não faz questão de se misturar com playboy e dar entrevistas a Rede Globo, canal de televisão onde o referido playboy é apresentador de um programa de “entretenimento” aos sábados. Agora é dele a responsa! Afinal, playboy que e playboy não carrega peso! Nem na consciência! Não, senhor! Ele joga nas costas do primeiro preto que ele encontrar mais perto.
Fico preocupado, porque penso que se o pensamento quase póstumo (mas que creio, anterior ao assalto) do referido playboy vira uma tendência e pauta pro debate, nos próximos assaltos a “personalidades publicas, artistas, apresentadores ou burgueses em geral”, a nossa versão colonial Latina de Ku Klux Klan, vai exigir a prisão do Mano Brown. Afinal, tudo oque ja vimos antes nao deixa essa ideia ser absurda.
Toronto, Canadá 18 de Setembro de 2007.
Dugueto Shabazz.