Dugueto Shabazz: O referido playboy e os Salvadores da Pátria

Estou à procura de um Salvador da pátria. Pensei que poderia ser o Mano Brown, mas, no ''Roda Vida'' da última segunda-feira, descobri que ele não é nem quer ser o tal. Pensei no comandante Nascimento, mas descobri que, na verdade, ''Tropa de Elite'' é um

O mais loco na minha opinião foi o referido playboy ter citado o nome do mano Brown, o qual ele esperava fosse o “Salvador da pátria”, ou um deles, mas se desapontou e perdeu as esperanças depois de assistir a entrevista do rapper no Roda Viva…


 


Ha! Era só o que faltava! A burguesia paulista órfã de Mano Brown. Deus! Que geração perdida é essa que a cada grama de consciência monta um projeto social de marketing pessoal abatimento de imposto e segue se sentindo legitimado a ter Rolex no pulso?


 


Agora… playboy que é playboy não carrega peso! Mas nem na consciência! Não, senhor. Ele joga nas costas do primeiro preto que ele encontrar mais perto. O pensamento colonialista herdado, pensamento colonialista em prática. A metáfora serve de exemplo. Quem usa Rolex de mais de vinte mil dólares num dos paises mais desiguais do planeta, e ainda vai pra mídia se colocar em defesa do direito de te-lo, serve também pra se observar como separados estão dois mundos. Divididos por abismo mais que profundo: a burguesia como centro de poder, concentração de poder e manutenção hereditária do poder; e a periferia marginalizada pelo poder, contorcida pelo poder, esmagada pelo poder.


 


Diariamente e sem espaço na mídia. Barracos soterrados: números. Presídios lotados: números. Menores assassinados: números. Um apresentador famoso que dirigia seu carro pelos Jardins perde o Rolex pra dois bandidos numa moto: manchetes! Um crime contra um ser humano! Que tem um filho pequeno e uma jovem esposa à espera de um segundo, e que paga todos os seus impostos e ainda cumpre sua função social. Mais que um ser humano. Quase um herói! Mas ao mesmo tempo um alguém muito humilde, honesto e esforçado, cidadão de bem, sentindo-se oprimido em sua própria cidade. Quase um mártir burguês de pensamentos quase póstumos.


 


Mas o Ferréz não pode escrever uma ficção onde qualidades humanas, relações familiares, necessidades de sobrevivência e sentimento de opressão sejam atribuídas também a quem assalta. Não. E glamourização da violência.


 


Eles acham que somo todos ingênuos quando não assumem o debate num âmbito de discussão classista. Até ai problema é deles se querem ficar de chapéu, mas mais ingênuos são eles senão percebem que já o estamos fazendo! Mas, espera… meu pensamento quase me traiu… burguesia ingênua? No Brasil? Não mesmo! Aqui encontramos a tentativa de esvaziar a questão no seu cerne. Desigualdade social. Falo isso enquanto ainda esta fresco em minha mente comentários que li criticando o texto do escritor Ferréz. Ai os caras ainda tiram que o mano não tem talento pra escrita, tiram nossa literatura como inferior, a literatura feita pela periferia, para a periferia. Isso também não e novo. Historicamente tudo o que fazemos é inferior ao que eles fazem, até sentirem o cheiro da grana no que fazemos e tomarem pra eles…ai fica bom: literatura marginal feita por quem não é marginal. Novos trunfos, velhas aspirações. Assim tem sido a mais de quatrocentos anos.


 


Confesso que me admiro de temor até, quando perante fatos públicos similares, não raros em nosso cotidiano violento, em como a fenda se abre entre nos, sociedade brasileira, de maneira feroz , progressivamente, até virar abismo, que ainda assim não para de crescer enquanto a burguesia rosna uma raiva refinada de etiqueta e filosofia, deixando escapar algo de sua consciência culpada ao nos chamar de rancorosos. Do que teríamos rancor de vocês, oh nobres senhores? Estariam por acaso assumindo que deveríamos? E se eu ainda não tivesse pensado nisso meu caro burguês? Posso sentir rancor agora? Afinal, sou um ser humano igual ao que assalta, que e igual ao que e assaltado. Essa noção de igualdade ao menos nos comungamos. Certo? Em outras visões certamente divergiremos. Mas se isso ocorre vocês se socorrem pronta e mutuamente como se compelidos ao mais nobre combate pela justiça, quando um de vocês brada: “lugar de bandidos e na cadeia”. Velho chavão. Sem comentários.


 


O lugar de onde eu venho me faz pensar que o texto do Ferréz que é uma ficção é mais próximo da realidade do que o desabafo de realidade do referido playboy, que parece ficção.


 


Mano, mas ai insisto… o que mais me apavorou (mas não me surpreendeu) foi o referido playboy ter dito que procura um “Salvador da pátria”. E na sua curiosa (foi a melhor palavra que eu encontrei) lista de candidatos que inclui o presidente da Republica e ainda o Capitão Nascimento (personagem fictício do filme Tropa de Elite), figura em primeiro lugar o nome do Mano Brown. Um rapper preto, da favela que não faz questão de se misturar com playboy e dar entrevistas a Rede Globo, canal de televisão onde o referido playboy é apresentador de um programa de “entretenimento” aos sábados. Agora é dele a responsa!  Afinal, playboy que e playboy não carrega peso! Nem na consciência! Não, senhor! Ele joga nas costas do primeiro preto que ele encontrar mais perto.


 


Fico preocupado, porque penso que se o pensamento quase póstumo (mas que creio, anterior ao assalto) do referido playboy vira uma tendência e pauta pro debate, nos próximos assaltos a “personalidades publicas, artistas, apresentadores ou burgueses em geral”, a nossa versão colonial Latina de Ku Klux Klan, vai exigir a prisão do Mano Brown. Afinal, tudo oque ja vimos antes nao deixa essa ideia ser absurda.


 


Toronto, Canadá 18 de Setembro de 2007.
Dugueto Shabazz.


 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor