“Elefante Branco”: Vítimas de Sempre

A falência do Estado burguês em combater o tráfico e implantar políticas de inclusão social nos aglomerados são os temas deste drama do cineasta argentino Pablo Trapeiro

Em meio à guerra que se transformou os confrontos entre policiais e traficantes na periferia das grandes cidades, eis o filme que expõe os motivos desse impasse: “Elefante Branco”. Sem alarde, pois não mereceu espaço merecido na grande mídia, o cineasta argentino Pablo Trapeiro aponta os culpados: o Estado burguês e as instituições que deveriam defender os moradores dos aglomerados. E as vítimas: crianças, jovens, mulheres e idosos.

Baseado em fatos verídicos ocorrido no aglomerado de Villa Virgen, em Buenos Aires, Argentina, o filme dá conta deste tema explosivo. O Estado falido é simbolizado pelo gigantesco esqueleto do hospital público inacabado. Em obras a 50 anos, sucessivos governos sempre adiam sua conclusão. O mesmo se dá com o conjunto habitacional que dará abrigo a milhares de famílias da mesma comunidade. Sempre falta dinheiro para as obras.

Lupens, padres, assistente social, líder comunitário, estão de um lado, o governo e o bispo católico de outro. Os chefes de tráfego no meio. Oscilando entre eles está o adolescente Macaquinho. Este delicado equilíbrio é mantido pelos padres Julián (Ricardo Darin) e Nicolas (Jérémie Renier). Sem apoio da diocese, eles se amparam na assistente social Luciana (Martina Gusman) e em constantes negociações com o tráfico, governo e bispado, para evitar que estas frágeis estruturas se desintegrem, piorando a vida dos moradores.

Comunidade sob fogo cruzado

Os chefes do tráfego se valem deste instável quadro para expandir seu poder na comunidade. Não é diferente no Brasil. Em especial no Rio de Janeiro e em São Paulo. Quem fica sob o fogo é a comunidade. Trapero, com uma câmera ágil, detém-se em cada um dos personagens, mostrando sua participação nesta teia cheia de armadilhas. O Estado burguês não dá conta de inverter esta equação. Suas bases e políticas estão falidas.

A cada enquadramento vê-se o “elefante branco”, o esqueleto do hospital em eternas obras. Inexiste melhor metáfora para entender o que Trapero quer dizer sobre falência do Estado. Alguns andares do prédio se transformaram em cracolândia. A comunidade já aprendeu a conviver com este estado terminal. Quer tão só substituir seus barracos por prédios de alvenaria. Seus únicos apoios vêm de Julián e Nicolas. Revivendo a Teologia da Libertação, opção preferencial pelos pobres, saída do Concílio Vaticano II, em 1962, eles tentam convencer governo e bispo sobre a importância de concluir o conjunto habitacional. O que ouvem é que há demasiada interferência política na comunidade.

Governo e diocese contribuem, assim, para a agudização do impasse. Veem a política como empecilho, não solução para o grave problema de moradia de milhares de famílias. Estigmatizam e negligenciam as reivindicações dos marginalizados, como se não devessem se organizar e se fortalecer. É como direita e mídia burguesa tratam as forças populares. Temem que limitem seu espaço e denunciem suas mazelas. Com isto engendram a inevitável explosão.

Uma sequência bem o ilustra: Julián pede ao bispo para pressionar o governo. O bispo lhe diz não poder entrar em questões políticas e que está fazendo o possível. E abre caminho para os mártires. Vítimas para dor e luto na comunidade. Não só um; mas dois: o padre e o adolescente. A execução de ambos é chocante. É a parte visível desse embate sempre deixado nas sombras. Inclusive com o enterro dos mártires, logo esquecidos.

Padres também são vítimas

Trapero não estigmatiza os padres, eles também são vítimas. A polícia armada, configuração do Estado, é mais perigosa e letal que o tráfico. Não diferencia os traficantes dos moradores de Villa Virgen. Basta estar no aglomerado para ser “bandido” (a sequência final bem o comprova). Os moradores ficam, assim, entregues a si mesmos, sem perspectivas de futuro.

Além disso, Trapero mostra que é possível tratar os conglomerados com outro olhar. Mais reflexivo, sem maniqueísmo, apontando vítimas e culpados. Não mitifica nem mistifica o deserdado. Este não tem tempo para o sonho. Vive em constante tensão. Cheio de carências. Se ameaça há é do Estado burguês contra ele. Para o governo é melhor adiar a construção do conjunto habitacional que terminá-lo. Está em guerra com a comunidade e o tráfico. Daí confundir a ambos, sem incluir socialmente um e livrar-se do outro.

Embora “Elefante Branco” seja um filme sombrio, Trapero não brinca de filme-favela, de cores estouradas, de longos planos-sequência, de aguda maldade dos personagens. Inexiste sequer os bons que lhes sirvam de contraponto. Os padres, como o belga Nicolas, não são modelos de retidão. Têm seus defeitos. Mas são fiéis aos seus propósitos. É, assim, uma leitura terceiromundista do cotidiano nos conglomerados. Um filme que ajuda a entender o que se passa hoje no Brasil.

“Elefante Branco”. (“Elefante Blanco”).
Drama. 2012.
Argentina/Espanha/França.
110 minutos.
Música: Michael Nyman.
Fotografia: Bill Nieto.
Roteiro: Alexandro Fadel, Martin Mauregui, Santiago Mitre, Pablo Trapeiro.
Direção: Pablo Trapeiro.
Elenco: Ricardo Darin, Martina Gusmán, Jérémie Renier.

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