Embarcações da Morte

No último sábado 19 de abril, uma embarcação de aproximadamente 30 metros de comprimento, absolutamente lotada de imigrantes africanos, naufragou a cerca de 140 quilômetros da costa da Líbia. Estima-se que 800 pessoas estejam mortas, segundo a ONU.

Um número assustador. Mais assustador é o relato de que o barco pode ter virado por uma movimentação desordenada dos embarcados em pânico, ao perceberem a aproximação de um barco português enviado pelas autoridades italianas. Versão confirmada pela porta-voz da Acnur (Agência da ONU para refugiados). Em 2014 mais de 3000 pessoas morreram ao tentar cruzar o Mediterrâneo rumo à Europa.

Há tempos estas embarcações da morte rondam os portos europeus. A morte não parece assustar nem embarcados, nem embarcadores ou políticos europeus. Os embarcados temem menos a morte do que o infortúnio a que estão submetidos, os embarcadores ou traficantes, ao fim e ao cabo, pouco ligam para a morte de seus contratantes e os políticos europeus parecem mais preocupados com a “invasão” de seres humanos africanos com vida do que os inertes. O cenário é macabro, mas é verdadeiro. A diferença das realidades entre uma costa e outra no mediterrâneo se compara à distinção entre o céu e o inferno, com um caudaloso mar da morte entre suas margens. E não se veda o acesso ao paraíso com muros ou arames farpados.

Quem fizer um recorrido pelos noticiários e principais abordagens da imprensa sobre os sequentes naufrágios dos contemporâneos navios negreiros que atravessam o mediterrâneo, perceberá um grande ausente nas análises. Trata-se dos EUA, responsável por grande parte da instabilidade na região, e que assiste ao caos resguardado por algumas milhas de distância do local da crise. Síria e Líbia são alguns dos países que mais perdem cidadãos para as embarcações da morte. Trata-se de países vítimas da máquina de guerra norte-americana que sob a falsa bandeira democrática promove terras arrasadas e inóspitas aos seres humanos, como se vê na Líbia, onde dois governos rivais lutam pelo controle do que restou do país enquanto traficantes da morte atraem imigrantes para atravessar o mediterrâneo. Na União Europeia, França e Alemanha também tratam de preservar a distância geográfica e de responsabilidade do que ocorre na costa da Itália, da Grécia, da Turquia.

Enquanto a União Europeia se debate internamente entre os rendidos da costa sul e os redentores do norte na busca de uma solução para a crise, centenas de seres humanos naufragam nas águas quentes do mediterrâneo. Uma tragédia humana de grandes proporções, que desafia todos os parâmetros políticos e econômicos hoje vigentes e evidencia a desumanidade inerente ao sistema político adotado pelos países centrais do capitalismo. Seremos capazes de resgatar vidas se elas não forem o centro das nossas decisões políticas?

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