Entre o Amor e a Paixão: Renovados triângulos
Variações das relações amorosas nos tempos atuais são tratadas com equilíbrio e criatividade pela cineasta e atriz canadense Sarah Polley
Publicado 17/01/2013 14:50
É como numa sinfonia. As variações dos movimentos levam o espectador a vários estados de espírito, sem que se prenda a nenhum deles. Também ao encadear entrechos deste seu “Entre o Amor e a Paixão” para ditar as mudanças nas relações amorosas, a cineasta e atriz canadense Sarah Polley transita pelos vértices do moderno triângulo amoroso. Pode ser romântico no encontro da escritora Margot (Michelle Willians) com o artista plástico Lou (Luck Kirby), trivial no cotidiano dela com o companheiro Daniel (Seth Rogen), ou simplesmente agitar a vida de ambos.
Na sinfonia pode-se, de repente, parar. Deixar os acordes em suspenso. No filme são os instantes de reflexão que levam Margot a parar. Deixar de transitar entre Lou e Daniel e optar por um deles. Ou ver-se solitária ao assistir Daniel preparar pratos de frango para escrever livros de culinária. E mesmo assim sentir-se feliz com ele, não se sentindo livre para deixá-lo. Há, no entanto, uma tendência que a leva a pender entre ele e Lou. É como se fosse possível amar a ambos a um só tempo e viver com esta dupla paixão.
Polley, em seu segundo filme, optou por estruturar o filme desta forma, a exemplo do que fizera com “Longe Dela”. Neste é o casal na terceira idade, que se vê diante da doença e convive com ela, sem romper os laços que os une. Em “Entre o Amor e a Paixão” os jovens se defrontam com o inesperado do amor, tendo tempo para viver o que se lhe apresenta. Os choques são ditados pelas circunstâncias, até que um deles opte por outro tipo de vida a dois. Cada época cria, assim, sua forma de relação amorosa.
Polley foge aos clichês
Polley foge às armadilhas das construções dramáticas moderninhas, de muito sexo e relações fugazes. É muitas vezes ferina, maldosa, ao brincar com a linguagem, via diálogos afiados, escatológicos, desnudando as fraquezas dos vértices do triângulo. Lou às vezes se dedica à pintura, prefere circular por Montreal puxando seu riquixá, como proletário a ganhar o sustento. Foge à falsa segurança burguesa – nisto constitui seu encanto para a introspectiva Margot. É livre, sem explícita ambição, um enigma a desvendar.
Essa falta de onde se apoiar e como será a vida com ele difere da que leva com Daniel. Tudo é certinho, estabelecido, têm carreiras estáveis, resta só a rotina que, aos poucos, a faz atentar para a gangorra amorosa. Polley com esta abordagem põe o triângulo amoroso em outra perspectiva. É a insegurança, a incerteza, que dita a paixão Margot/Lou. E desestabiliza a estável relação Margot/Daniel. O que levará ao segundo vértice do triângulo. Não o triângulo/clichê (um dos parceiros se apaixona por um/a terceiro/a), sim, o transitar de um/a parceiro/a para o/a outro/a, sem percorrer os traçados costumeiros, em respeito às estruturas matrimoniais burguesas.
Polley, com razão, não se interessa por isto. Existem sempre outras razões para a construção de outro casal. Nem sempre se trata de traição. Os velhos códigos matrimoniais perderam o sentido. As instabilidades e as mudanças da estrutura burguesa os desconstruíram. O núcleo permanente cedeu espaço a outro tipo de vida a dois. Na sequência do reencontro de Margot/Daniel as acusações e os choramingos foram substituídos pela aceitação, embora difícil, de que ela reencontrou-se em Lou. O que ele tem a fazer é reconstruir-se.
Saída moderna para triângulos
É uma saída para os modernos impasses dos triângulos amorosos. Mesmo o trauma da perda sendo real, encontrar outra/o parceira/a é a solução. Philippe Garrel, em “O Verão Escaldante”, cedeu ao romantismo, tornando velha a opção de Frédéric (Louis Garrel). O suicídio deste é a derrocada do macho ferido, não sua transformação no homem moderno, sujeito às oscilações da paixão, muitas vezes fugazes. É o desespero, como o é a aniquilação do/a ex-companheiro/a, como em tantos casos no Brasil atual. A Daniel restou a perda, ainda amava Margot, ela, porém, não se via mais nele.
O contraste ao triângulo Margot/Daniel/Lou é a estável vida familiar do irmão de Daniel, Aaron Rubin (Aaron Abrams). Sua companheira Geraldine (Sarah Silverman) é uma montanha russa de instabilidade. Ela compensa a suposta estabilidade familiar na bebida e em mergulhos na piscina. Falta-lhe coragem para reinventar-se. Ainda mais quando Margot deixa seu círculo cotidiano. Não é fácil para ela escapar aos vexames a que submete Aaron, amigos e Daniel. É mais uma vítima.
Além destes sutis contrastes, Polley também se revela mestra em flagrar corpos femininos sem filtros e luz baça. Em fixos enquadramentos expõe os desgastes impostos aos corpos femininos e os contrastes entre as velhas e as novas silhuetas. Inexiste o glamour, o esteticismo forçado, que os tornam o que não são. A aceitação de que o tempo passou continua sendo o melhor tratamento. Polley consegue, a um só tempo, trazer a relação amorosa para o primeiro plano e desmistificar o poder da eterna juventude. Fugir às imposições mercadológicas da sociedade burguesa, que a tudo mercantiliza; inclusive a vida a dois, é necessário.
“Entre o Amor e a Paixão”. “(Take The Waltz.)”
Comédia-dramática.
Espanha/Canadá/Japão.
2012. 116 minutos.
Música: Jonathan Goldsmith.
Fotografia: Luc Montpellier.
Roteiro/direção: Sarah Polley.
Elenco: Michelle Willians, Seth Rogen, Luck Kirby, Sarah Silverman.