Era Bolsonaro: vender o carro para comprar gasolina

O governo deseja “se livrar” da Petrobrás, através da sua privatização. Para problemas complexos, nada mais estúpido do que soluções simplórias e equivocadas

Preço da gasolina em posto do Distrito Federal I Foto: Pedro Rafael Vilela/Brasil de Fato

Entre uma fake news e outra, Bolsonaro tem reclamado da Petrobrás. Perante o aumento de preços dos combustíveis e os lucros exorbitantes da empresa, o governo deseja “se livrar” da Petrobrás, através da sua privatização. Para problemas complexos, nada mais estúpido do que soluções simplórias e equivocadas.

A disparada dos preços dos combustíveis tem assumido contornos dramáticos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), a inflação nesse grupo atingiu 18,46% em outubro, no acumulado dos últimos 12 meses. Nesse período, o Etanol subiu 64,45%, a gasolina aumentou 40,46% e o gás natural veicular ficou 33,11% mais caro. A ANP (Agência Nacional do Petróleo) informa que o preço médio do gás de cozinha disparou mais de 30% desde o início do ano. Associados aos aumentos na energia elétrica, e alimentos, o aumento do gás liquefeito de petróleo penaliza dramaticamente as famílias com renda de 1 a 3 salários mínimos.

O Observatório Social da Petrobrás, ligada à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), avalia que os combustíveis atingiram os maiores patamares do século. A despeito das dificuldades da economia mundial, que ajudam a explicar em parte o descontrole nos preços, o fenômeno tem forte conotação local: tudo leva a crer que a inflação este ano no Brasil deve ser superior que a de 83% dos países. Se a perda do poder de compra tem sido alta, o mesmo pode ser dito sobre os dividendos distribuídos para os acionistas da Petrobrás. E não se trata de uma remuneração qualquer.

Na última reunião do seu Conselho de Administração, a Petrobrás aprovou uma antecipação da remuneração aos acionistas de R$ 31,8 bilhões, relativa ao exercício de 2021. Somada aos R$ 31,6 bilhões anteriormente anunciados, a empresa deve remunerar em R$ 63,4 bilhões os acionistas, referente ao exercício de 2021. Desses, R$23,2 bilhões tem como destino o grupo de controle (Governo Federal e BNDES e BNDESPar); investidores não-brasileiros receberão R$ 25,6 bilhões e investidores brasileiros R$14,3 bilhões. É importante frisar que embora a decisão ainda caiba ao Estado (que detêm a maioria das ações ordinárias), a composição do capital social da Petrobrás hoje é majoritariamente privada: a União e demais entes federados possuem 36,7% desse capital; o FMP- FGTS (fundo mútuo) Petrobrás detém 1,3%; estrangeiros possuem 42,8% e demais pessoas físicas e jurídicas outros 19,2%.

Tal adiantamento só foi possível a partir dos superlucros obtidos pela empresa às custas dos consumidores. No acumulado dos últimos 12 meses o lucro líquido sobre o patrimônio líquido (ROE) da Petrobrás foi de 36,2%, frente aos 7,2 obtidos pela média das grandes petroleiras estrangeiras. No mesmo período a empresa viu sua margem líquida (lucro líquido/receita líquida) da Petrobrás atingir 34,6, enquanto a Royal Dutch Shell obteve meros 2,2%. Quando comparamos, em termos percentuais, a geração de caixa operacional sobre a receita liquida em bilhões de dólares, a Petrobrás também se sobressai: 48%, frente a 16% da média das estrangeiras. Esses resultados fazem a alegria dos acionistas que esperam alta rentabilidade no curto prazo e guardam relação direta com a política de preços praticada por seu atual presidente, o general da reserva Joaquim Silva e Luna.

Com efeito, os preços altos surgem em decorrência de múltiplos fatores, dentre os quais podemos citar a ampliação da dependência das importações, insuficiente capacidade de refino nacional para atender a demanda local, desintegração da produção estatal, com foco parcial no sistema de produção e consumo, ampla liberdade para as empresas exportarem sua produção nacional de petróleo e desinteresse estatal, que negligencia o conceito de segurança energética, aspecto central de qualquer veleidade de soberania nacional.

Contudo, diante do desgaste ocasionado pela disparada dos preços e do lucro acintoso obtido pela companhia petrolífera, Bolsonaro e Paulo Guedes apresentam como solução a privatização da Petrobrás. Segundo a dupla, privatizar traria mais concorrência e reduziria o preço da gasolina. A ideia esconde o fato de que, efetivamente, a Petrobrás já opera como uma empresa privada, exercendo poder de monopólio. O entreguismo encobre também o fato de que, a despeito do controle acionário do Estado, a empresa tem como política atual maximizar o lucro para seus acionistas, em detrimento de contribuir para consecução de objetivos públicos, como a estabilização de preços.

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