Feira de troca-troca: da desorganização à desumanização*

A luta pela sobrevivência no comércio informal de Recife diante da reestruturação urbana e preconceitos sociais.

Muito lixo e entulhos são encontrados diariamente dentro e nos arredores do Camelódromo da Dantas Barreto | Foto Priscilla Melo/DP

Sobreviver no Recife não é fácil. Somos a segunda Região Metropolitana com maior desemprego no País, a informalidade no trabalho assusta, a busca do ganha pão não é fácil. Muitos não têm alternativas, subtrair as poucas chances que existem é irresponsabilidade.

Até recentemente, antes da reestruturação em andamento da Calçada dos Mascastes, conhecida como Camelódromo, funcionava no final do último bloco, perto do Mercado das Flores que está abandonado há vários anos, uma grande feira de troca-troca que aglutinava um número expressivo de vendedores e de compradores. A desorganização era grande, chegavam a invadir a Avenida Dantas Barreto por onde o forte trânsito tem seu fluxo normal, mas funcionava e tinha vida, tinha compradores.

Chegou a ter mais de uma centena de pais de família que dela viviam, onde vendiam produtos usados, antiguidades de má qualidade, roupas usadas e uma série de mercadorias de baixo valor, era o sustento de muita gente que trazia para a feira seus próprios pertences, suas roupas usadas, os objetos que conseguiam com amigos e mesmo que eram resgatados de descartes que as classes favorecidas sempre fazem em uma metrópole. Produtos populares, mesclados com peças surradas, mas que havia quem as queria.

Feiras livres com este perfil existem em diferentes países e se estruturam chegando a ser pontos de atração turística. Berlin, Paris, Buenos Aires, Montevidéu, entre outras capitais, possuem suas feiras de troca-troca visitadas por milhares.

Na nossa é um problema. Criou-se a fama de que lá só se vendiam materiais resultantes de roubos, inclusive se tornou o álibi para marginais que não queriam declarar de onde vinham realmente armas que eram usadas. Armas não são encontradas lá, mas a má fama se consolidou.

Mero preconceito. Pessoas que nunca estiveram lá criaram esta lenda. Frequentadores que somos há muito tempo, jamais vimos um revólver ou artefato de fogo. A fama se espalhou e nunca foi desfeita. Até o Camelódromo sofre com este preconceito. Com toda informalidade e desorganização, além do estigma que lhe foi incrustado, a feira funcionava e permitia o sustento de pessoas que não tinham alternativa.

Com a proposta da Prefeitura de reestruturação do Camelódromo, fiscais da prefeitura do Recife fecharam a área onde ocorria a feira e transferiram todas as pessoas para a Rua Imperial, embaixo do viaduto Coronel Temudo. Colocando-as em um local sem a mínima condição de acontecer qualquer atividade que envolva pessoas, condições em que os participantes, já párias, por falta de alternativa, tendem a se tornar indigentes, é desumano.

A sujeira é vista em todo local, piso de terra sem trato, goteiras nos dias de chuvas se tornam enxurradas, a lama assusta, um local em que qualquer pessoa tem receio de ir.

Resultado, a extinção premeditada da feira de troca-troca se torna realidade, não há mais um mínimo de demandantes que a frequentam. Os poucos vendedores que ainda insistem em se manter lá não têm fonte de renda. A tendência lógica é buscarem alguma alternativa. E a única que pode se apresentar é a marginalidade, o comércio clandestino, tudo que leve para o ilegal e imoral. Não porque desejem, mas estão acuados e desamparados.

Desamparo total por parte da prefeitura, e como dizem alguns vendedores de lá, estão querendo acabar com a feira de troca-troca a qualquer custo. Desumanidade com pessoas que não têm outra fonte de renda. Partirão para a marginalidade por uma questão de sobrevivência. A pobreza extrema força o desespero e caminhos desestruturadores.

O Mercado das Flores abandonado, com alguma reestruturação pode vir a ser uma boa opção para que a feira continue e os sobreviventes dela evitem a marginalidade.

Prefeito, talvez o senhor nem tenha conhecimento do desastre, então vá lá conferir, alijar os poucos “comerciantes” que sobram de sua busca por condições mínimas de vida decente. A realidade da feira não condiz com sua gestão.

*Artigo escrito em colaboração com José Antônio Aleixo da Silva

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