General de Homens Livres

“Ante a imagem de Augusto César Sandino e Ernesto Che Guevara, ante a recordação dos heróis e mártires da Nicarágua, da América Latina e de toda a humanidade, ante a história, coloco minha mão sobre a bandeira vermelha e preta que significa Pátria Livre o

… Se cumpro este juramento, a libertação da Nicarágua e de todos os povos será um prêmio. Se o traio, a morte vergonhosa e a ignomínia serão meu castigo”.


Carlos Fonseca Amador, fundador e dirigente da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). In: Juramento dos Sandinistas.


 


 


Leitura indispensável, a todos que trabalhamos a favor da popularização da história de lutas latino-americana e pelo estreitamento dos laços culturais que unem nossos povos, é a biografia de Augusto Nicolás Calderón Sandino, ou simplesmente Augusto César Sandino, escrita pelo argentino Gregorio Selser, sob o título de “General de Homens Livres”.


 


 


Uma das partes mais impactantes do livro é a que relata a morte de Sandino. Foi num dia 21 de fevereiro, há exatos 75 anos, alvo de uma covarde emboscada planejada por Anastácio Somoza García. Com o caminho aberto, os Somozas iriam impor uma ditadura de 40 anos à sofrida Nicarágua. E como a história tem seus caprichos, a dinastia Somoza foi superada justamente por uma Frente de Libertação Nacional que leva o nome de Sandino, a FSLN, em um 19 de julho, 30 anos atrás.


 


 


Selser lembra que por muito tempo a memória do general Sandino foi duramente difamada pelos ianques e vende-pátrias conservadores e liberais nicaraguenses, que não pouparam esforços para associar sua luta ao banditismo e à delinquência. Matar o homem não era suficiente. Precisavam enterrar o símbolo da resistência à intervenção militar estadunidense.


 


 


Também parte da esquerda sectária por vezes jogou lenha na fogueira inquisitória da reação e até hoje se prende a aspectos secundários da luta de Sandino (que não era comunista). O fato dele sempre ter destacado a luta pela expulsão dos marines do solo de sua pátria, pugnando por uma frente ampla onde abarcava até setores liberais, lhe rendeu alguns atritos com o movimento comunista internacional em uma época (entre 1927 a 1933) que prevalecia certa estreiteza em torno de um modelo único de revolução, sob os auspícios da Terceira Internacional.


 


 


Não que Sandino tivesse acertado totalmente em sua linha política, decerto eclética. Todavia, a luta central naquele momento era a expulsão do invasor ianque acima de todas as outras necessidades de um país cuja população era quase exclusivamente camponesa e não chegava sequer a um milhão de habitantes. Seu amigo comunista, o salvadorenho Agustín Farabundo Martí, diverge sobre alguns aspectos da condução da guerrilha, mas mesmo assim faz questão de ressaltar sua admiração e apoio à causa. Dois dias antes de morrer, disse a Salvador Calderón Ramirez que sua separação de Sandino foi como “a de dois irmãos que se querem e não podem se compreender”. Meses antes havia escrito: “Dou testemunho agora da integridade moral, da pureza absoluta do general Sandino. Consta-me que no México recebeu repetidas ofertas de consideráveis somas de dinheiro, para que abandonasse sua luta nas Segóvias (montanhas nicaraguenses) e que essas ofertas foram rechaçadas pelo general com a mais nobre indignação. (…) Tenho interesse em que se aclarem esses pontos para estabelecer a verdade histórica”.


 


 


Por seu lado, ao receber o anúncio da morte de Farabundo Martí, Sandino manifestou seu profundo pesar (“Conversación de Niquinohomo, II, p. 366) e explicou, entre outras coisas, que “… estava de acordo com as suas idéias (as de Martí)…, porém, explicava que naquele momento não era isso o que cabia e que minha luta devia seguir sendo nacionalista e antiimperialista. Explicava que primeiro era preciso defender o povo nicaraguense das garras imperialistas, livrá-los delas, expulsando esses cães de nosso solo, as companhias estadunidenses, e que o passo seguinte era organizar os trabalhadores para um tempo novo que virá”.


 


 


Sandino vislumbrou esse novo momento que vivemos, de mais democracia e avanços sociais. Um tempo em que a história faria um acerto de contas com muitos verdugos e poria alguns pingos nos is. Mais que isso, um período em que as forças populares, inclusive na sua querida Nicarágua, iriam impingir duras derrotas à direita conservadora em todo o continente. Onde outrora exalava o cheiro de enxofre das mais nauseabundas ditaduras, se fez cumprir a sua profecia de se respirar um ar mais oxigenado pela democracia, ventilado na maioria dos países que marcham rumo a uma nova América.


 


 


Como é gratificante ouvir no Brasil o nome da Refinaria Abreu e Lima, ou a simples reverência à Zumbi do Palmares no dia da Consciência Negra, instituído em todo o território nacional. Vemos o mesmo em países vizinhos, notadamente Venezuela, Equador, Bolívia, Uruguai e Nicarágua. Grandes obras e até mesmo cidades que levam nomes de assassinos (temos no Brasil uma cidade com o nome de Curionópolis, em referência ao sinistro Major Curió), começam aos poucos ceder espaço para outros ícones, de campo oposto.


 


 


Mas talvez o caso da Nicarágua seja especial. A história de luta de Sandino é emblemática, pois resistiu – mesmo após toda uma sórdida e argilosa campanha difamatória que de tudo fez (e continua fazendo) para associá-lo a um bandoleiro comum -, e depois de algum tempo, após sua morte, foi resgatada e incorporada por um povo que insiste em manter erguida e tremulando sua mesma bandeira “rojinegra”. Sandino é o herói dos trabalhadores e o vilão dos aristocratas.
 


 


Dois revolucionários em especial contribuíram imensamente para este ajuste de contas com a historiografia oficial. Carlos Fonseca Amador e Tomás Borge deram enorme contribuição na recuperação da auto-estima do povo nicaraguense reivindicando o legado de Sandino. A fundação da FSLN, em 1961, sempre buscou unir os nicaraguenses através do anseio mais caro de todos os povos, a independência e a autonomia dos países frente à intervenção estrangeira.


 


 


O livro de Selser faz questão de destacar as atrocidades dos arrogantes marines em contraposição ao Exército de Defesa da Soberania Nacional da Nicarágua comandado pelo general Sandino, que por sua vez é esmiuçado em sua simplicidade, concebido por um povo que não se submete jamais. Conhecer esta história é importante, também, para revelar à opinião pública a autoridade moral da esquerda latino-americana, milhões de anos luz a frente de qualquer governo de direita.


 


 


Mais que isso, o patriotismo de Augusto César Sandino e do seu “exército louco” é uma resposta viva e atual a cretinos que se escondem atrás de um jornaleco qualquer para arrotar a defesa das tais “ditabrandas” bancadas pelo mesmo interventor do norte.


 


 


Tanto a Folha de São Paulo como os periódicos nicaraguenses rogam pela volta dos mesmos Somozas de plantão, feitos zumbis espalhados pelo continente. Sonham com a derrubada de Lula e o aniquilamento da FSLN, para, a partir daí, imporem com mais ímpeto suas ditaduras (midiática, econômica, militar…).


 


 


Em uma época em que é tão fácil ceder, relembrar e comemorar a força de espírito desta grande personagem latino-americana é o alento que nos impulsiona a continuarmos resistindo, levando adiante seu sonho de uma América Latina livre, soberana e unida contra o imperialismo; sem ditaduras, “ditabrandas” ou coisa que o valha.


 


 


P.S.: Este texto é uma pequena homenagem aos meus amigos nicaraguenses da Juventude Sandinista, especialmente a Victor Hugo Navarros Solis e a Sixto Efrain Zapatta. Estudo, defesa e produção!

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