Glória, poder e paixão de uma pintora

Artemisia Gentileschi, uma das mais brilhantes artistas do barroco italiano e cuja genialidade ficou escondida durante muito tempo, ganha espaço em um museu da França e passará aqui pelo Brasil, como uma dos chamados pintores “caravaggescos”, que seguiram o caminho do mestre Caravaggio.

Em Paris, desde o dia 14 de março e até 15 de julho deste ano, ela ganha uma restrospectiva de sua obra, no Museu Maillot. No Brasil, a exposição “Caravaggio e os caravaggescos” tem previsão de inauguração no próximo dia 15 de maio, na Casa Fiat de Cultura de Belo Horizonte, Minas Gerais. Depois, a mesma exposição virá para São Paulo, para o MASP.

Ela nasceu na Itália em 1593, num tempo em que as mulheres pertenciam a seus pais, a seus maridos, irmãos e filhos homens. Mas ela quebrou todas as regras sociais da arte. Buscando reconhecimento a seu talento, trabalhou para príncipes e cardeais, fazendo do seu pincel a sua força feminina, enquanto construía uma obra de reconhecido valor artístico, num campo que era considerado basicamente masculino. Hoje ela é considerada uma das maiores artistas de todos os tempos, mas, mesmo em sua época, com toda a sua intensa dedicação à pintura, Artemisia foi uma pintora famosa.

Artemisia Lomi Gentileschi nasceu em Roma no dia 8 de julho de 1593. Era seguidora da escola de Caravaggio (1571-1610), por isso considerada caravaggesca. E era a filha mais velha do pintor toscano Orazio Gentileschi, ele mesmo um seguidor do mestre do Barroco. No atelier de seu pai, Artemisia aprendeu a desenhar desde cedo, demonstrando um talento precoce que foi bastante estimulado pelo ambiente artístico que girava em torno de sua casa, frequentada por artistas amigos de seu pai. Orazio, seu pai, pintava segundo o estilo de Caravaggio. Provavelmente ela o teria conhecido pessoalmente, uma vez que ele costumava ir pedir emprestado as ferramentas de trabalho de Orazio.

Naquele período em que a discriminação contra as mulheres era imensa, somente foi possível a Artemisia a aprendizagem e a prática das belas artes, por causa do apoio do seu próprio pai. Naquela época, e por muitos séculos, as mulheres não tinham acesso a muitos ramos da atividade econômica e social. O trabalho feminino não era reconhecido como tal, mesmo quando tinha que sustentar sua própria família.

Por isso, quando estudamos a História da Arte, uma curiosidade no mínimo estranha salta aos nossos olhos: por que tantos homens se destacaram nas artes (em todos os ramos) enquanto encontramos raríssimas mulheres em destaque? As razões são sempre essas: às mulheres era impedido o acesso às atividades mais amplas da vida humana, e a elas era restrito o papel menor da sociedade. Vale lembrar que até muito recentemente, o preconceito contra a educação das mulheres era tão grande que impedia até mesmo que estudantes de arte do sexo feminino participassem de sessões de estudos de modelo vivo (a artista Edíria Carneiro, na década de 1930, participava de sessões de modelo vivo aqui no Brasil, ocultando seus desenhos de nus das vistas da família).

A primeira pintura atribuída a Artemisia, data de quando ela tinha apenas 17 anos de idade (“Susana e os Velhos”, 1610 ). Orazio Gentileschi impressionado com a qualidade da pintura da filha, e sabendo dos impedimentos que havia para a educação das mulheres nas artes, resolveu escrever uma carta à Grã-Duquesa da Toscana Christina de Lorena, no dia 6 de julho 1612, intercedendo pela filha, pedindo que ela pudesse ser autorizada a aperfeiçoar sua educação artística. Orazio dizia, entre outras coisas, que Artemisia havia atingido a habilidade e maturidade de artistas experientes.

Mas uma tragédia se abateu sobre a jovem artista: Agostino Tassi, um pintor que era mestre no estudo da perspectiva, e a quem Orazio teria pedido que ensinasse o que sabia à Artemisia, estuprou-a. No julgamento, não bastasse toda a humilhação que foi descarregada sobre ela, tanto pelo réu, quanto pelos julgadores, Artemisia ainda foi torturada.

Depois disso, era impossível para ela continuar em Roma. Humilhada pelas regras sociais e católicas que tratavam mulheres violentadas como se fossem prostitutas, Artemisia foi para Florença. Após a conclusão do julgamento, seu pai arranja-lhe um casamento de conveniência com Pierantonio Stiattesi, artista modesto de Florença, em cerimônia realizada no dia 29 de novembro de 1612. Na nova cidade, ela teve quatro filhos, mas apenas uma sobreviveu. Prudence, como se chamava a menina, acompanhou a mãe em seu retorno a Roma, tempos depois, quando Artemisia se separou de Pierantonio em 1621.

Mas em Florença, uma cidade onde as artes estavam em efervescência, Artemisia pode se dedicar mais ao aprendizado das belas artes. Desenvolve sua pintura dedicando-se a temas trágicos em que as figuras femininas sempre aparecem como heroínas. Muitos dos que se dedicaram ao estudo de sua obra, entre eles o crítico italiano Roberto Longhi, atribuem ao estupro e ao processo humilhante que ela sofreu, os traços dramáticos que surgem em sua pintura, especialmente no quadro “Hidith decapitando friamente Holofernes”. Suas pinturas exprimem frequentemente o ponto de vista feminino.

Seu alto nível pictórico foi logo reconhecido e ela foi a primeira mulher a entrar para a Academia de Artes de Florença. Artemísia logo se aproximou dos artistas mais respeitados da época, como Cristofano Allori. E soube batalhar para ganhar o favor e a proteção das pessoas influentes da época, começando com o grão-duque Cosimo de Medici, e mais especialmente, com a grã-duquesa-mãe Christina de Médici. Lembre-se que a Famiglia Medici de Florença foi muito importante para o desenvolvimento das artes, tornando-se patrona de vários grandes pintores e escultores italianos. Assim como de estudiosos como Galileu Galilei, que chegou a Florença em setembro de 1610, a quem Artemisia teria conhecido pessoalmente.

Mas ela se separou do marido e voltou para Roma em 1621, lá se estabelecendo de forma independente, cuidando sozinha de sua filha Prudence. Depois, mais tarde, ficou grávida e teve uma filha natural, provavelmente nascida em 1627. Artemisia tentou ensinar as filhas a pintar, mas sem muito êxito.

A pintora provou ter o direito para viver como artista nessa Roma que era o local de atração e de passagem obrigatória para artistas de toda a Europa. Com sua exemplar determinação, e enfrentando todos os preconceitos da época, ela tornou-se membro da Academia dos Desiosi.
Mas, mesmo com a reputação artística que a tornava conhecida, com sua personalidade forte e uma rede de boas relações, sua estadia em Roma não lhe rendeu muitas encomendas. Em 1630 Artemisia foi para Nápoles, pensando que naquela próspera cidade, cheia de estaleiros e de entusiastas das artes plásticas, novas oportunidades de boas encomendas e de emprego se abririam. Foi com essa mesma intenção que também tinham vivido em Nápoles diversos artistas, entre os quais Caravaggio, Annibale Carracci , Simon Vouet , o espanhol José de Ribera, entre outros. Naquela cidade, pela primeira vez ela foi convidada a pintar telas em uma catedral.

Em 1638, Artemisia foi encontrar seu pai em Londres, por um curto período. Orazio tornou-se pintor da corte de Carlos I, e a ele tinha sido confiada a decoração de um teto na Casa das Delícias, em Greenwich. Mas Orazio morreu repentinamente, na presença da filha, em 1639.
Artemisia voltou para Nápoles, onde continuou recebendo encomendas e pintando até sua morte, em 1853.

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