Hamas X Fatah: A quem interessa essa briga?
Temos lido nos últimos meses, especialmente desde a posse do novo gabinete do governo Palestino, vencido pelo Partido Hamas, grupo político e que conquistou a maioria no parlamento palestino, sobre as pressões internacionais que num primeiro moment
Publicado 01/06/2006 00:55
A própria Fatah, grupo que antes era majoritário na Palestina, do falecido presidente Yasser Arafat, declinou de participar do novo governo. Mas, insatisfeitos com os resultados, os Estados Unidos, especialmente, mas também a Europa, seguiram em suas pressões. Passaram a usar o recurso do corte de verbas, para asfixiar não o novo governo, mas ofender e oprimir ainda mais o povo palestino.
No entanto, mesmo com os cortes de verbas e retenções de dinheiro palestino por parte do governo de Israel, recentemente vencido pelo novo partido de centro, o Kadima, o Hamas tomou posse, formou o novo gabinete e vem administrando a palestina, a faixa de Gaza e parte da Cisjordânia. Ocorre, que mais recentemente, temos visto conflitos, alguns armados, de rua, entre os dois grandes grupos que disputam o poder na Palestina há pelo menos 20 anos.
As divergências
Para que os nossos leitores entendam um pouco a origem do problema, tudo começa há uns dez anos, mais ou menos, quando, por pressões de Israel e dos EUA, a Autoridade Nacional Palestina, então presidida e governada sob o comando do líder Yasser Arafat, fez uma modificação em sua constituição, instituindo um sistema parlamentarista de governo. Isso tudo pelo fato que os israelenses – apoiados pelos americanos – se recusavam a negociar a paz com Arafat, conforme já tinha ocorrido nos acordos de Oslo em 1993.
O movimento palestino, sob influência majoritária do Fatah, decide ceder a essa pressão e modifica a sua estrutura, criando o parlamentarismo. Assim, Arafat segue presidente da ANP, mas deixa o “governo”, para alguém de seu grupo, o Fatah, que segue negociando. Isso não deu em nada. Nenhum milímetro se avançou na busca da paz, nenhuma concessão grande foi feita por Israel, salvo a retirada unilateral de Gaza, decidida á revelia dos palestinos, pelo então primeiro Ministro Ariel Sharon.
Claro, temos que compreender o contexto em que as coisas ocorreram e a difícil correlação de forças não só no Oriente Médio, que tem o Iraque ocupado e o Irão ameaçado, mas a correlação de forças em plano mundial, onde o imperialismo norte-americano e o neoliberalismo seguem fortíssimos como formas de governo, como ideologia de estado e como sistema econômico dominante.
A questão central, a divergência básica, é o reconhecimento de Israel por parte do novo governo palestino. O primeiro ministro Ismail Hanieyeh, vem dando declarações firmes de fidelidade aos estatutos e à carta de princípios do grupo político, tido como radical para a conjuntura. Ele pessoalmente, até que gostaria de ceder em alguns pontos, passar a negociar alternativas para a paz, ainda que, pessoalmente, ache que dificilmente ela vá ser conquistada a curto e médio prazo na região. Ai encontra-se o verdadeiro impasse. O grupo Fatah, que comanda a ANP, sob a presidência de Mahmoud Abbas, comanda também as forças de segurança regulares da Palestina, em torno de dez mil homens. Mas, formalmente, não governa e não pode negociar paz alguma com Israel. E pressiona para que Hanieyeh aceite negociar.
Essas divergência tem chegado às vias de fato em algumas localidades, especialmente na Faixa de Gaza, onde o Hamas surgiu e se fortaleceu. De sua parte, o Hamas colocou nas ruas as suas “tropas especiais”, as chamadas milícias guerrilheiras, os chamados fedayins, lutadores muçulmanos mais radicais. Estes se vestem como se fossem policiais ou soldados, usam metralhadoras e fuzis e patrulham ruas e cidades inteiras. Tais forças têm entrado em conflito com as forças regulares da ANP, mais ligadas ao Fatah.
Um conflito que não serve ao povo
Não precisa ser especialista em política internacional para concluir, com facilidade, que um conflito como esses, entre forças e facções de um mesmo povo, oprimido por um mesmo inimigo, é ruim e não vai servir aos objetivos estratégicos dos que querem o bem da Palestina e almejam a paz justa e duradoura. Isso enfraquece e divide o povo palestino e quem ganha com isso, seguramente, é Israel e os EUA, que seguem fortes em toda a região.
Por ora, não há sinais de que o governo do hamas vá ceder às pressões, reconhecer Israel e passar a negociar. Com todas as pressões, isso não vem adiantando nada. Alguns de seus líderes dizem que o povo vai passar dificuldades, mas eles não vão ceder. Falam em receber ajuda dos povos árabes em geral e do Irã. Tenho minhas dúvidas da eficácia dessa posição e da determinação de que isso possa ser levado adiante. Apenas espero que as partes, entre os palestinos, possam chegar a um acordo que permita a unidade política da luta contra o inimigo maior de todos os povos, que tem sido o imperialismo norte-americano.
Farid embaixador
Não podia deixar de dar uma pequena nota em minha coluna semanal, a um fato que tem duplo significado, de tristeza e de alegria. O companheiro e amigo Farid Sawan, ex-embaixador da Palestina no Brasil, foi designado pela diplomacia palestina para ser o novo embaixador na Argentina, onde já se encontra desde a semana passada.
Sei que a vida é assim, convivemos com amigos certo tempo e em alguns momentos nos afastamos deles. Não pro problemas pessoais, mas nesse caso, pelo fato que Farid passará a cumprir uma nova tarefa, uma nova determinação do comando político de seu povo. Aqui reside a tristeza. Se mesmo morando no mesmo país, encontrava-me pouco com Farid, com essa mudança para Buenos Aires não apenas eu, mas diversos camaradas, militantes ou não do movimento palestino, sentirão muito a sua falta.
Farid é daqueles militantes palestinos abnegados, um lutador das causas dos povos de todo o mundo, um atento analista da cena política internacional, um incansável revolucionário, ainda que sempre atuando de forma diplomática. Tive a honra e a oportunidade histórica de conhece-lo pessoalmente em 1980, há 26 anos, quando realizamos em Piracicaba, um dos congressos da UNE, que elegeu Aldo Rebelo presidente. Depôs disso, estive muitas e muitas vezes com Farid, fiz cursos com ele quando era ainda a OLP, participamos de seminários, palestras e eventos públicos juntos. Foi sob a sua gestão como embaixador no Brasil que criamos em 1984, assessorado por Ali El-Khatib, com Emir Murad e Lâmia Marouf, a juventude Palestina no Brasil, Sanaud. Um grande projeto de longa prazo que muitos frutos resultaram.
Desejo de coração, apesar das saudades, que a missão que o povo palestino delegou a Farid, tenha resultado em pleno êxito. Tenho certeza que isso ocorrerá e que espero revê-lo brevemente, aqui ou na Argentina. Sucesso, Farid, seu povo espera muito de ti.
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