Imoladas sexualmente em nome de Deus
É hora de tornar públicos depoimentos de mulheres que foram imoladas em nome de Deus e se viram obrigadas a abortar
Publicado 15/10/2007 16:28
O meu romance “A hora do Angelus – Amores, abortos e abandonos nos subterrâneos da Igreja” (Mazza Edições, 2005) gira em torno do aborto – uma constante na vida das mulheres em todos tempos, pois sempre tive todos os sentidos aguçados com a obsessão com ar de ódio que o oficialato da Igreja Católica Apostólica Romana nutre pela sexualidade humana, como se o direito ao prazer não fosse parte da natureza humana.
É de domínio público que o sexo, e não a religião, é o tema central da Igreja Católica Por que será? Deixo a pergunta para que quem me lê dê asas à imaginação. Dois fatos recentes instigaram-me a voltar ao meu livro, pois são exemplares da insaciável sanha persecutória do fundamentalismo católico sobre os corpos das mulheres.
O primeiro, a discussão sobre o PDC 42/2007, de autoria do deputado Henrique Afonso (PT/AC), que tramita na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), que susta a aplicação da Norma Técnica do Ministério da Saúde, sobre a “Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes”. Ai, meus sais! Tinha de ser um deputado do PT? É sofrimento demais…
O segundo, é que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu, em 31 de agosto passado, autorizações para interrupção de gestação de fetos anencéfalos. Lembram da ADPF/54 – Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, distribuída em 17 de junho de 2004 para o Ministro Marco Aurélio, que a acatou, e daquela data até quando foi suspensa, toda mulher grávida de anencéfalo podia realizar o abortamento sem autorização judicial para tanto?
Do nada, dia 31 de agosto o STF fez o impossível e inesperado numa democracia, sentenciando que: “Pendente de julgamento a argüição de descumprimento de preceito fundamental, processos criminais em curso, em face da interrupção da gravidez no caso de anencefalia, devem ficar suspensos até o crivo final do Supremo Tribunal Federal.”
O que tem A hora do Angelus a ver com os dois fatos? Porque avalio que é hora de tornar públicos depoimentos de mulheres que foram imoladas sexualmente em nome de Deus e se viram obrigadas a abortar para que os santos padres continuassem santos e para que a dupla moral sexual perdure pra todo o sempre, amém!
A hora do Angelus foi pensado para ser um documentário escrito: depoimentos de mulheres que engravidaram de padres e se viram peregrinando em busca de um aborto. Alguns dos envolvidos eram vivos, mas ascenderam à alta hierarquia católica do nosso país. Temia-se que fosse fácil a identificação deles, embora sob pseudônimos. À época, fim de 2004, se fazia necessária uma publicação com aquele conteúdo (período pós-entrada da ADPF no STF), optamos por escolher os depoimentos mais impactantes e alinhavá-los numa única história. Não foi fácil, mas foi o que fizemos.
A hora do Angelus aborda vivências de muita gente e tem como alicerce fatos ocorridos que desviaram o curso de vida autônomo e libertário que, sobretudo, muitas mulheres sonharam e traçaram para si. Inúmeras mulheres, freiras, padres e outras autoridades eclesiásticas perceberão parte de suas histórias de vida narradas aqui. Não sem razão. É uma história que acontece com mais freqüência do que se pensa.
É uma narrativa crua de como padres se desvencilham das gravidezes indesejadas de autoria de seus espermatozóides e de como a Igreja permite que a prole indesejada de seus integrantes seja renegada e abandonada. A hora do Angelus é uma história de amores, prazeres, ódios, alegrias e tristezas que cotidianamente se desenrola em diferentes lugares do mundo, mas em geral o palco de tais realidades são os históricos e públicos “abatedouros dos padres': conventos, seminários, casas paroquiais e palácios episcopais.
Publicado originalmente em: 09/10/2007
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