João Amazonas e as origens da Frente Brasil Popular
"As lições daquela grande batalha política continuam bastante atuais. Para vencer, ontem como hoje, é preciso construir uma ampla unidade de todas as forças democráticas e populares, tendo como núcleo a esquerda. A divisão e o sectarismo são o caminho mais curto para a derrota.
Publicado 27/07/2018 19:44
Em 13 de janeiro de 1989, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) promoveu um ato público na Assembleia Legislativa de São Paulo para lançar um novo Manifesto à Nação. O documento conclamava as forças populares a “se unirem em torno de uma candidatura única à Presidência da República”, propunha “um entendimento político para a formação de uma ampla união democrática, patriótica, e popular visando à sucessão presidencial e à defesa de um efetivo regime democrático”. O PCdoB, diz o texto, “é de opinião que as forças democráticas e populares deveriam buscar a unidade a partir do primeiro turno da eleição presidencial. Caso contrário, arriscam-se a ter na fase final dois concorrentes de partidos das classes dominantes”.
O dirigente comunista João Amazonas, principal redator daquele Manifesto, justificou a proposta apresentada: “Nos grandes momentos da história recente do país, luta pela anistia, campanha das diretas já, campanha do candidato único das oposições, Tancredo Neves, as alianças políticas eram ainda hegemonizadas por setores das classes dominantes. Mas agora, o eixo da unidade democrática e popular são as forças de esquerda. Por isso, elas não podem se dividir”. Em seguida criticou a ideia de que cada partido deveria concorrer sozinho, sem alianças, pois “o que decide o 2º turno é o primeiro”.
Várias personalidades do PT participaram daquele evento. Greenhalgh, vice-prefeito de São Paulo, afirmou ter “plena concordância com cada palavra do Manifesto e a intervenção de Amazonas”. José Dirceu, secretário-geral do PT, ofereceu o nome de Lula como candidato, mas frisou que aquela não era uma atitude exclusivista, pois partia do pressuposto de que “não deve ser uma candidatura de um só partido, mas do movimento democrático e popular, com a discussão unitária do programa e da campanha”.
João Amazonas se envolveu de corpo e alma na campanha pelo candidato único das esquerdas. Participou de reuniões com lideranças políticas e sociais, deu entrevistas aos principais órgãos de imprensa e fez palestras por todo o país. Nesses eventos gostava de afirmar: “O segundo turno será decidido no primeiro”. E recomendava aos aliados “ter grandeza, pensar de maneira elevada, entender que não seria um só partido que resolveria os problemas do Brasil”.
Em 28 de fevereiro, visitou o prefeito de Porto Alegre, Olívio Dutra, e participou do ato de lançamento do Manifesto. “É preciso deslocar do poder as elites dirigentes. Faz-se necessário substituir essas elites (…) pela união das esquerdas, que é a união da classe operária, dos camponeses, do povo brasileiro, que formarão um poderoso movimento para evitar o retrocesso. Esse movimento terá repercussão na América Latina e no mundo”, afirmou o velho combatente.
Nasce a Frente Brasil Popular
Os esforços empreendidos deram resultados. No final de março, os presidentes do PT, do PCdoB, do PSB e do PV se reuniram para discutir a formação de uma frente eleitoral visando concorrer às eleições presidenciais. João Amazonas, por unanimidade, foi escolhido para dirigir aquela reunião histórica e apresentar à imprensa os seus resultados. Uma justa homenagem àquele que havia sido decisivo no processo de construção da unidade das esquerdas brasileiras. O documento aprovado afirmava a disposição daqueles quatro partidos de criar “uma união de forças de esquerda democrática, popular e progressista, para concorrer com um candidato único à sucessão presidencial já no primeiro turno”.
Na ocasião, Lula afirmou: “Essa frente vai ganhar as eleições, porque será capaz de elaborar um programa para atender aos anseios da sociedade brasileira e de ser executado e cumprido durante o mandato presidencial”. A formação da frente – continuou ele – “é um ensinamento político para todos nós. A sociedade brasileira falou mais alto que os interesses de cada partido e nos disse que essa união é uma necessidade para construir um novo país. Se separados somos fracos, unidos somos quase invencíveis. A direita dizia que a esquerda não se unia nem na cadeia. O que estávamos precisando era de mais liberdade, e aqui estamos nós, unidos fora da cadeia”.
E Amazonas agregou: “Essa frente é uma tentativa de dar um basta à situação de opressão e formular uma nova saída para a crise brasileira que não pode mais ser encontrada através dos partidos das classes dominantes”. E concluiu: “essa união não tem caráter provisório, ela precisa ser fortalecida cada vez mais para se tornar uma fortaleza intransponível capaz de levar o país à frente. A partir de hoje começa a nascer o sol vermelho, da esquerda, para toda a nação brasileira”.
O primeiro comício da Frente Brasil Popular – como se chamou a coligação em torno de Lula – realizou-se simbolicamente no dia da Abolição da Escravatura, 13 de maio, no Paço Municipal de São Bernardo do Campo – palco das grandes greves operárias que abalaram a ditadura. O evento reuniu mais de 30 mil pessoas. No palanque estavam Lula, João Amazonas (PCdoB), Jamil Haddad (PSB), Fernando Gabeira (PV) e Luiza Erundina, prefeita de São Paulo, entre outras personalidades nacionais. Em seu discurso João afirmou: “Somos o Brasil popular, representamos o Brasil dos operários, dos camponeses, da juventude, das mulheres, a imensa maioria da Nação que quer liberdade e vive esmagada pelo capitalismo opressor. Vivemos um momento histórico. Pela primeira vez na história do Brasil os explorados e oprimidos, o povão, conseguem unir suas forças e concorrer com uma candidatura própria à Presidência da República”.
O PSB na vice de Lula: um acerto tático
A próxima, e mais delicada, batalha foi a indicação do candidato a vice-presidente na chapa de Lula. O PCdoB anunciou desde o início que não pleiteava a vaga, alegando que o vice “deveria ampliar a base política e a densidade eleitoral da Frente Popular”. Por isso “era preciso escolher um nome que, mantendo o perfil democrático, popular e progressista da Frente, agregue força eleitoral”.
A primeira proposta do PSB, com apoio do PCdoB, foi o intelectual Antônio Houaiss. De maneira precipitada, o 6º Encontro Nacional do PT indicou Gabeira, criando constrangimento em relação aos demais partidos da coligação, que se opuseram à indicação do dirigente do Partido Verde (PV). Gabeira até recentemente havia pertencido ao PT e não ampliava a base político-eleitoral da frente. O jornal comunista A Classe Operária comunicou: “os comunistas alertam – e o fazem com sinceridade, franqueza e lealdade – que a escolha (de Gabeira) para a vice limita toda a possibilidade de ampliação da Frente Popular, o que significa inelutavelmente decretar por antecipação a derrota de Lula em 15 de novembro”. Posição que mostrou-se absolutamente correta.
Amazonas então sugere o nome do pernambucano Cristovam Buarque, reitor da Universidade de Brasília, observando: ele “causaria um impacto muito grande na política do Nordeste, consequentemente sobre Miguel Arraes”, representante da ala progressista do PMDB. Segundo a Folha de S.Paulo, se o nome do socialista “fosse rejeitado, o PCdoB lançaria candidato próprio à sucessão presidencial e o nome mais provável para a disputa seria o de João Amazonas”. Notícia que não correspondia à realidade.
Gabeira passou então a atacar violentamente o PCdoB, declarando à imprensa que não “tinha sentido manter a nova esquerda junto com a esquerda esclerosada, ligada à Albânia e à China”. Esta primeira crise no campo da esquerda foi largamente aproveitada por setores conservadores da mídia. Apostavam na implosão da Frente Brasil Popular recém-criada.
O nome por fim escolhido, com o apoio de Lula e Amazonas, foi o do senador do PSB gaúcho José Paulo Bisol. Este havia recebido mais de um milhão e 300 mil votos na última eleição e, por isso, representava o fortalecimento da coligação num dos estados onde o brizolismo tinha maior expressão político-eleitoral. Definido o nome do vice, Gabeira rompeu a unidade que havia prometido respeitar e lançou sua própria candidatura à presidência. Brizola, lançado pelo PDT, era outro forte candidato do setor progressista e nacionalista. Este foi apoiado por Luiz Carlos Prestes.
No campo democrático-burguês, foram lançados os nomes de Ulysses Guimarães (PMDB), Mário Covas (PSDB) e Roberto Freire (PCB). O pecebista Freire justificaria o lançamento de sua candidatura na Folha de S.Paulo: “A ideia maniqueísta, atualmente em voga, de dividir a nação em dois blocos antagônicos, um autointitulado de esquerdista contra outro envergonhadamente autointitulado de centrista, é o caminho mais rápido para o colapso da democracia”. Ele pretendia ser uma espécie de algodão entre cristais. Por isso sua candidatura naufragou.
No dia 8 de julho, ocorreu a Convenção Nacional do PCdoB para homologar o apoio à chapa Lula-Bisol. Mais de mil militantes de todo o país compareceram ao ato de encerramento. Lula, já homologado pela convenção, falou aos comunistas: “Tinha dito aos companheiros do PCdoB, e reitero agora, que poucos de nós tínhamos experiência do trabalho unitário entre as esquerdas. A Frente Brasil Popular não tem sentido apenas eleitoral, mas histórico, estratégico (…). Estou aprendendo a trabalhar unitariamente nesta campanha eleitoral (…). Assumo o compromisso aqui de que todas as nossas decisões durante a campanha serão conjuntas. Minha admiração pelo Amazonas e pela militância de vocês não é só eleitoral. Acho que nós, e também vocês, aprendemos uma lição”.
Em seguida, João voltou a apresentar a opinião dos comunistas sobre a Frente de esquerda que se consolidava: “Há dois anos não poderíamos imaginar um movimento como este. Mas a vida foi ensinando, o quadro dramático da situação brasileira foi mostrando que a linha divisória na sociedade brasileira vai se acentuando. (…) Há dois campos no Brasil. O nosso, o do povo, tem que se unir para lutar pela própria sobrevivência da Nação. Não lutamos contra moinhos de vento, sabemos quem são os nossos inimigos. Essa caminhada não é fácil. Vai ser muito dura. Os ricaços, os exploradores, não vão ceder os seus privilégios. (…) A Frente Brasil Popular abre novas perspectivas ao povo brasileiro. Tenho grande confiança nesse movimento”. Conclui o velho comunista: “Essa unidade não faz desaparecer a fisionomia de cada partido”.
O deputado João Hermann Neto, representando o PSB, foi incisivo quanto ao papel desempenhado pelo presidente do PCdoB: “Antes de me dirigir a você, Lula, gostaria de me dirigir a alguém com quem aprendi politicamente mais nesses meses do que em vários anos: João Amazonas, que é o autor e o artífice da Frente Brasil Popular. Às vezes nem percebíamos, mas o camarada João Amazonas vinha lá de trás dizendo que só unidos alcançaríamos forças para vencer a eleição”.
Rompendo preconceitos e acreditando na vitória
Aproveitando a oportunidade, Lula deu sua primeira entrevista ao órgão central do PCdoB na qual afirmou: “Imaginem se há dois anos seria possível João Amazonas ser aplaudido num encontro do PT e o PT participar de um encontro do PCdoB. Ninguém imaginaria isso (…). A nossa militância começa a perceber que, embora com visões diferentes acerca de determinadas coisas, estamos no mesmo barco, no meio do oceano, e se a gente não souber remar juntos, o barco afunda”.
Entre 16 e 17 de agosto, Amazonas esteve em Pernambuco, onde fez palestra para 500 pessoas. Otimista, declarou: “Lula irá para o segundo turno e haveremos de construir durante a campanha, através dos comitês populares da Frente Brasil Popular, a força de massas que nos assegurará a realização do segundo turno e a posse do novo presidente, em caso de vitória”. Aproveitou a oportunidade para reunir-se com Miguel Arraes, então no PMDB, buscando costurar acordos para um eventual segundo turno.
As pesquisas continuavam dando Lula com apenas 6% das intenções de votos, muito atrás de Collor e Brizola. Passou a predominar um clima de pessimismo no interior da campanha. João Amazonas, na medida de suas forças, procurava debelar esse sentimento negativo, afirmando que era possível virar o jogo e até ganhá-lo. Naquele momento, muitos o consideravam um sonhador.
No final de agosto, o Comitê Central do PCdoB discutiu o chamado “fenômeno Collor”. Amazonas afirmou: “Collor aparece a partir do completo desgaste das velhas lideranças. Embora não tenha programa para enfrentar a crise e tenha surgido como fenômeno eleitoral pré-fabricado por setores das classes dominantes, aparece agora com certo apoio na opinião pública, liderando as pesquisas. (…) A candidatura Collor é alimentada por poderosos grupos das classes dominantes e pelo capital estrangeiro. É uma espécie de tábua de salvação que encontram para enfrentar a possibilidade da vitória da esquerda”. Conclui: “a campanha sucessória é a maior batalha política das últimas três décadas”.
Dia 5 de setembro, Amazonas falou a 300 pessoas na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ: “Vamos dar um grande susto nos capitalistas internacionais (…). O papel desta Frente não se esgota nesta eleição. Ela tem um projeto de caráter estratégico e cumprirá papel preponderante na vida do país. (…) é preciso combater a ideia malsã de que Lula está em baixa e não tem condições de chegar ao segundo turno. Isso é capitular à campanha e à propaganda dos adversários. Quanto mais cresce a campanha de Lula, mais ele cai nas pesquisas. Os 6% de Lula nas pesquisas são, portanto, falsos”, e, pela primeira vez, anunciou que “o PCdoB estava preparado para participar da administração do país”.
Como previu Amazonas, a campanha cresceu rapidamente e embaralhou um jogo que já parecia decidido. No dia 17 de setembro, mais de 50 mil pessoas se comprimiam para ver seu candidato na Praça da Sé, São Paulo, sinalizando para uma mudança de qualidade da campanha. No palanque, segundo a Folha de S.Paulo, o apresentador do comício “delirou ao dar a palavra ao presidente nacional do PCdoB, o veterano João Amazonas. Ante os aplausos da multidão, ele não se conteve: ‘É uma loucura surpreendente. A Praça da Sé vem abaixo com uma das maiores lideranças do país’. A seguir jogou a bola para o espantado orador: ‘É com você Amazonas’”.
João correspondeu às expectativas: “O povo só pode construir uma sociedade progressista se unir-se. Podemos ter divergências, mas representamos o povo. Acima dos interesses partidários estão os interesses do Brasil. Estou emocionado com esta manifestação, porque luto faz 50 anos para ver concretizada a união que vejo diante dos meus olhos. No ano passado, quando a reação dizia que a campanha dos ‘partidos do povo’ estava em baixa, nesta mesma praça eu disse: ‘vamos dar um susto nas classes dominantes’. E repito agora: ‘vamos causar o maior susto aos exploradores do povo, vamos eleger esse operário, a maior liderança política da nossa terra”. Ao encerrar seu discurso, o velho dirigente comunista foi um dos mais aplaudidos.
Na cidade de Porto Alegre, em 6 de outubro, Amazonas afirmou a um público de 20 mil pessoas: “existe um candidato que se diz ser comunista (referindo-se a Roberto Freire, do PCB), mas eu digo que o único candidato dos comunistas é…” e, antes que concluísse, a massa ali presente gritou entusiasmada: “Lula! Lula!”. No dia 17, João falou para 80 mil pessoas na Cinelândia (RJ) e no último dia daquele mês, encabeçou, ao lado de Erundina, uma gigantesca passeata nas ruas centrais de São Paulo.
No primeiro turno, Lula obteve mais de 11 milhões de votos (16,8%) e foi para o segundo turno enfrentar o candidato das classes dominantes, Fernando Collor de Mello, que chegou a ter 22.611.011 votos (28,72%). A nação parecia polarizada entre dois projetos antagônicos.
Brizola ficou em terceiro lugar com 15,45%, menos de 1% abaixo de Lula, seguido por Mário Covas que conseguiu 10,78% dos votos. O decano Ulysses Guimarães, candidato ligado ao governo Sarney, amargou a sexta colocação ficando com 4,43%. Roberto Freire, que pensava ser um fator de estabilização e comedimento, obteve apenas 1,06% dos votos. O clima era de polarização.
Primeira constatação: sem a aliança com o PCdoB e o PSB Lula não teria conseguido passar para o segundo turno.
Ampliar mais a frente para ganhar a eleição e governar
Mal acabou a apuração dos votos, o PCdoB se reuniu para fazer um balanço da campanha e discutir sobre os próximos passos. Segundo Amazonas, “Lula jogou um papel altamente positivo. Foi o grande intérprete do sentimento de revolta das massas. (…) O resultado da eleição põe a nu o grau de desgaste e desmoralização das elites dirigentes”. Contudo, “se a Frente Brasil Popular marchar sozinha no segundo turno, perderá a eleição. Isso implica saber aproveitar a nosso favor as divergências e as contradições entre os grandes polos das classes dominantes. (…) se bem que não se possa esperar apoio das classes dominantes, setores delas podem ser neutralizados. (…) Nossa propensão para ampliação é a união com os setores democráticos e progressistas dos diversos partidos. Quanto a PDT e PSDB, é preciso lutar para ganhar seu eleitorado. Principalmente o eleitorado do PDT, é um eleitorado de massa popular”. O outro alvo dos comunistas era o eleitorado do PMDB.
Em entrevista, João afirmou que a questão central no segundo turno seria “a união de amplas forças democráticas e populares. Para obter a vitória, é imprescindível reunir em torno da candidatura de Lula não apenas os que sufragaram o seu nome no primeiro turno. Trata-se de derrotar a ameaça que significa a vitória da direita, das correntes mais reacionárias do país. Isso exige ampliar o leque das forças aliadas. Há partidos e setores progressistas que podem e devem ser ganhos para a batalha comum contra a direita (…). Isso dará mais amplitude à Frente Brasil Popular, ou melhor, ajudará a construir, junto com a frente, o grande Movimento Lula Presidente, que vai se estruturando com muito sucesso”. O movimento pró-Lula agregou PDT, PCB, PV e até setores do PSDB e PMDB.
A campanha de Lula foi num crescendo e às vésperas do segundo turno já era possível pensar numa vitória, como havia previsto Amazonas meses antes. Por outro lado, as classes dominantes fizeram de tudo para que isso não ocorresse.As coisas se complicaram. Fiquemos com a descrição dada por Wladimir Pomar: “Brigadas de mercenários, muitos dos quais vestindo a camiseta do PT, percorriam favelas e bairros pobres ameaçando as pessoas com os boatos amplamente difundidos por Collor e pela imprensa. Pastores protestantes e padres conservadores bradavam aos céus contra a suposta intensão de Lula de fechar igrejas e proibir cultos religiosos. Empresários ameaçavam seus empregados de demissão caso Lula vencesse (…). No dia 12 (de dezembro), no programa noturno do PRN, a falsa enfermeira Miriam Cordeiro (ex-mulher de Lula) aparece no vídeo repetindo acusações que fizera em maio contra Lula e acrescentando outras, ainda mais absurdas, de racista e corruptor, esta por supostamente haver oferecido dinheiro para que ela abortasse a filha. Ainda no dia 12, com a ajuda de policias, o PRN consegue montar uma armadilha para Juarez Soares, secretário de Esporte da Prefeitura de São Paulo, acusando-o de manter sociedade numa arapuca de vídeopôquer”.
As coisas não parariam por aqui. No dia 15, “o Jornal Nacional, da TV Globo, apresentou uma edição do debate da véspera entre os presidenciáveis, na prática mostrando apenas os piores momentos de Lula e selecionando as melhores intervenções de Collor”. Outra tentativa de manipulação, realizada pela Globo, ocorreu no dia anterior da votação quando noticiou o sequestro de Abílio Diniz e insinuou a participação de petistas. Outros foram mais explícitos. Um jornal do Acre abriu manchete: PT sequestra Abílio Diniz. O jogo era duro.
Usando o anticomunismo
Os órgãos da grande imprensa também continuaram trabalhando com afinco no sentido de isolar o PCdoB no interior do Movimento Lula Presidente, apresentando-o como uma força esquerdista e sectária. O jornalista Pedro Del Picchia, da Folha de S.Paulo, escreveu uma verdadeira peça de ficção política: “Com essa visão radical do processo político brasileiro, o PCdoB contribuiu para que Lula adotasse um discurso cada vez mais duro na campanha no primeiro turno. Os representantes desse Partido no comando da Frente Brasil Popular criticaram muito a imagem de Lula como estadista que os setores do PT insistiam para que o candidato assumisse no começo da campanha. (…) Os dirigentes do Partido lamentam que o candidato fale pouco de socialismo.” Isso era justamente o oposto da pregação dos comunistas, que defendiam uma aliança ampla e tinham consciência de que o programa deveria ser democrático, popular e nacionalista e não socialista.
Uma das manchetes do Caderno Diretas 89, do mesmo jornal, foi PCdoB quer ditadura do proletariado. O texto dizia: “O Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que faz parte da Frente Brasil Popular, junto com o PT e PSB, apoia a vitória de Lula para presidente, mas quer mesmo a ditadura do proletariado (…). O PCdoB não exclui a possibilidade de desencadear a luta armada”, contudo, “para o público externo, os dirigentes mostram-se cautelosos ao abordar o assunto”. Artigos tendenciosos como esses eram munições utilizadas amplamente por Collor visando a assustar os setores médios da sociedade.
O comício de encerramento da campanha, na Candelária (RJ) em 14 de dezembro, teve 1 milhão de pessoas. Número só superado pelos comícios finais da campanha das diretas. Um dos momentos mais emocionantes foi o início do discurso de Amazonas, que invocou os mortos durante a ditadura militar: “Homenageamos os que deviam estar presentes nesta festa, que muito contribuíram para que chegássemos até aqui e morreram lutando pela liberdade e o progresso social”. Em seguida passou a citar alguns nomes, como Rubens Paiva, Maurício Grabois, Lincoln Oest, Honestino Guimarães, Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Osvaldão e Helenira Rezende. Foi ovacionado pelo público presente. No segundo turno, Lula obteve 31 milhões de votos (44,23%) e Collor 35 milhões (49,94). A esquerda quase chegou lá.
Muitos anos depois, o então presidente Lula recordou o velho líder comunista já falecido: “Aprendi a conviver com o João Amazonas desde a campanha de 1989 e me lembro especialmente de um momento difícil, quando estávamos lá embaixo nas pesquisas, e seu apoio foi fundamental. Conversávamos no Largo da Batata, em Pinheiros, na capital paulista. Eu, angustiado com os rumos da eleição, e o João me dizendo: ‘Companheiro, não desanime. Neste momento, nós temos que escolher o nosso público. E o nosso público é a classe operária. Fale para ela. Não vencemos naquele ano, mas tenho para mim que escrevemos em 1989 uma bela página da história das campanhas eleitorais do país’. (…) João Amazonas é um exemplo que sempre me vem à lembrança. Quando a coisa estava para pegar fogo, ele aparecia com aquela voz tranquila e colocava todo mundo nos eixos. João foi a primeira pessoa que me convenceu de que em política nem sempre a gente realiza aquilo que deseja, mas aquilo que é possível realizar”.
Concluo este artigo dizendo que as lições daquela grande batalha política continuam bastante atuais. Para vencer, ontem como hoje, é preciso construir uma ampla unidade de todas as forças democráticas e populares, tendo como núcleo a esquerda. A divisão e o sectarismo são o caminho mais curto para a derrota.
* Esse é a adaptação de um dos capítulos do livro Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas.