Lula, Alckmin e a questão da ética

Desesperada com a insistente queda nas pesquisas eleitorais, a direita brasileira está decidida a se travestir de vestal da ética para ainda tentar levar a disputa sucessória para o segundo turno. Geraldo Alckmin, que sempre abafou as investigações sobre

Baita cara de pau! Neste esforço, ele conta com o apoio da mídia hegemônica e ainda com a ajuda de alguns candidatos que também resolveram vestir o modelito “ético” na busca de holofotes. A propaganda eleitoral de rádio e televisão lembra o cínico e hipócrita estilo udenista dos anos 1950/60.


 


A questão da ética sempre foi marcante na política brasileira, servindo a bons e a péssimos propósitos. A história está repleta de saudáveis ações contra o uso ilícito dos recursos públicos, como a dos tenentistas em oposição à corrupta oligarquia do “café com leite” ou a campanha pelo impeachment de Collor. Mas também registra inúmeros casos do uso desta bandeira pelas elites, como na ação golpista contra Getúlio Vargas ou na cruzada moralista, contra “a subversão e a corrupção”, que serviu de pretexto para o golpe de 1964. Nestes momentos dramáticos, a mídia sempre revelou seu caráter de classe. Assis Chateaubriand construiu seu império dos Diários Associados com base no denuncismo e na venda de falsos dossiês.


 


A força desta bandeira deriva das próprias distorções da democracia no Brasil. Como observa o sociólogo Juarez Guimarães, “a corrupção é sistêmica ao próprio Estado brasileiro, porque ela faz parte da dinâmica mesma do seu funcionamento, estando enraizada no sistema político e na reprodução das iniciativas estatais. Historicamente, esta degeneração pode ser explicada pela formação de um aparelho de Estado sem democracia e submetido aos interesses privados, situação não revertida com a transição democrática e, em certa medida, fomentada durante a era neoliberal de FHC. Desta forma, a corrupção seria sistêmica porque está presente no financiamento das campanhas eleitorais, na relação que os governos estabelecem com os partidos para obter maioria parlamentar e na gestão de orçamentos públicos, pouco transparentes”.


 


O falso moralismo


 


Esta visão totalizante, que aponta a corrupção como um problema sistêmico, ajuda a desmascarar a atual cruzada moralista da direita brasileira. Afinal, que moral tem a decrépita oligarquia do PFL, com ACM, Bornhausen e inúmeros outros gatunos, para pousar de ética? Que moral tem os rentistas “modernos” do PSDB, responsáveis pela privataria do Estado e pela orgia financeira, para se apresentarem como políticos honestos? Como indicam recentes pesquisas, a sociedade está mais madura e sabe que os atuais moralistas estão mais sujos do que pau de galinheiro. Ela também avançou na compreensão sobre o papel da mídia, que crucifica os atuais governantes, mas fez de tudo para blindar os ricaços do bloco tucano-pefelista.


 


Os fatos desmentem o falso moralismo da direita. Durante os seus oito anos de triste reinado, FHC esteve envolvido em escândalos de corrupção que totalizaram mais de R$ 40 bilhões de prejuízos para os cofres públicos. O mesmo FHC que hoje berra que é preciso investigar o governo Lula – e que apresenta “sinais de desequilíbrio e solidão”, conforme diagnosticou o ministro Tarso Genro – sabotou todos os pedidos de instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito. Alguns casos mais escabrosos acabaram vazando, mas nunca foram apurados e nem tiveram a devida difusão na imprensa venal . A mesma operação abafa, com a cumplicidade da mídia, inviabilizou a instalação de 69 CPIs contra as falcatruas do ex-governador Geraldo Alckmin, que agora se arvora em político transparente e ético.


 


Mesmo nos escândalos recentes, amplificados pela mídia e instrumentalizados pela direita para encurralar o governo Lula, uma apuração mais rigorosa e imparcial demonstra que eles vinham de antes. O esquema do publicitário Marcos Valério teve a sua origem na eleição do governador mineiro de Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB. Como provou a revista Carta Capital, numa reportagem intitulada “O caixa-2 foi maior”, o valerioduto tucano movimentou R$ 100 milhões ilegalmente na campanha eleitoral de 1998. Já no ruidoso caso da máfia das ambulâncias, as investigações revelam, com fartura de fotos, que o esquema teve início na gestão de José Serra no Ministério da Saúde do governo FHC. Apesar do silêncio da mídia venal, agora se sabe que a “máfia das sanguessugas” agia em 128 prefeituras do PSDB e em 107 do PFL.



 
E o governo Lula?


 


Estes fatos, que revelam que a corrupção é sistêmica e que os atuais moralistas são hipócritas, não servem de desculpa para os que cometeram graves erros no primeiro mandato do presidente Lula. Há evidências que algumas pessoas com poder de mando no PT e no próprio governo cometeram as mesmas distorções apontadas acima por Juarez Guimarães. Teriam adotado métodos ilegais de financiamento de campanhas eleitorais, estabelecido relações promíscuas para conquistar a maioria parlamentar e não teriam agido de forma transparente na discussão do orçamento. Algumas, inclusive, se aproveitaram da proximidade com elevadas somas de recursos para viabilizar os seus projetos pessoais, chafurdando-se na lama.


 


Se isto é real, também é evidente que o governo Lula não ficou parado diante das denúncias de corrupção. Só a direita e os sectários não enxergam que também no terreno da ética o atual governo dá de goleada no triste reinado de FHC. É só lembrar que os principais envolvidos em denúncias foram afastados do núcleo central do governo e do próprio comando do PT. Diferentemente da prática usual dos caciques do PSDB e do PFL, o atual governo garantiu inédita liberdade para a apuração das denúncias. Houve um verdadeiro festival de CPIs nesta gestão, com várias delas sendo descaradamente instrumentalizadas pela oposição de direita. Além disso, o governo Lula tomou várias iniciativas para coibir os desvios éticos na política.


 


Ainda segundo Juarez Guimarães, “uma análise mais realista e justa reconheceria os esforços do governo Lula em dotar o Estado brasileiro de uma institucionalidade capaz de responder ao imenso desafio de combater a corrupção sistêmica. Este trabalho pode ser verificado nas constantes ações da Polícia Federal, no fortalecimento do Tribunal de Contas da União (TCU), na autonomia do Ministério Público Federal, em iniciativas como a de organizar o 4º Fórum Mundial de Combate à Corrupção e na interlocução constante com os movimentos da sociedade civil. As marcas mais definitivas deste esforço estão na institucionalização e consolidação da Controladoria Geral da União (CGU)”.


 


CGU e Polícia Federal


 


Em parceria com a Receita Federal, o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público e Ministério da Justiça, a CGU desenvolveu um inovador sistema de fiscalização dos municípios por sorteio público. Até final de 2005, esse trabalho de mapeamento sobre o destino de recursos públicos atingiu 18% das cidades brasileiras. Já nos órgãos federais, a CGU realizou 8.763 auditorias e encaminhou ao TCU 5.688 tomadas de contas especiais – num esforço que representa o retorno potencial de R$ 1,3 bilhão aos cofres públicos. Esta ação é que permitiu identificar “os esquemas de ‘máfias’ do dinheiro público, que estavam aí há anos e que jamais eram tocados ou sequer conhecidos”, explica Jorge Hage, ministro da CGU.


 


Outro ponto positivo do governo Lula no combate à corrupção e ao crime organizado se deu na destacada atuação da Polícia Federal. Enquanto nos dois últimos de FHC ocorreram apenas 20 operações da PF, que resultaram na prisão de 54 pessoas, no atual governo estas ações especiais já chegaram a 183 e levaram à detenção 2.961 pessoas – média de 987 presos por ano, 36 vezes mais do que na gestão anterior. Entre os detidos por crimes contra o erário público estão 515 servidores e 130 agentes da própria PF. Algo inédito e impensável no Brasil, aonde só ladrão de galinha ia preso, no atual governo vários ricaços foram parar na cadeia – como a gerente da boutique de luxo Daslu, amiguinha de Geraldo Alckmin.


 


A atuação mais rigorosa da PF, elogiada em várias pesquisas de opinião, só foi possível porque o governo Lula investiu no órgão e aumentou seu efetivo. O orçamento do ano passado, por exemplo, foi de R$ 590 milhões, 74% superior ao do último ano de FHC. Já o número de agentes saltou de 9.289, em 2002, para 11.749, em 2005. Este reforço permitiu que o governo desmontasse inúmeros esquemas de desvio do dinheiro público, como na Operação Gafanhoto, em novembro de 2003, que desbaratou a quadrilha que, desde 1995, desviou R$ 1 bilhão de Roraima; Operação Vampiro, maio de 2004, que desmontou a máfia que agia há 12 anos no Ministério da Saúde; Operação no Asfalto, em novembro de 2004, que prendeu os chefes das principais quadrilhas fraudadoras de combustíveis; Operação Gabiru, em maio de 2005, que desmontou o esquema de desvio de verbas da educação; entre as outras operações especiais da PF.

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