Mais Brasil, mais Brasília!

Há 43 anos atrás, quando a conheci, Brasília parecia uma obra mágica estendida no vasto solo desértico do cerrado brasileiro.

Estava apenas de passagem por uma entre muitas reuniões estudantis que aconteciam à época, na UnB de Darcy Ribeiro.

Por obra das missões que surgem ao longo da vida, tornei-me morador da cidade no início dos anos 80, deparando-me com suas singularidades, na arquitetura, em sua configuração urbanística e, principalmente, em sua diversidade racial e cultural.  

Não há como reconhecer a genialidade de Niemeyer e Lúcio Costa: os traços angulados dos palácios governamentais, a originalidade da casa parlamentar, a configuração das quadras e tesourinhas.

Nelson Chaves, um camarada que já não está entre nós, mas deixou um legado único de dedicação à causa revolucionária, fazia uma crítica ao fato do Parlamento relacionar-se aos outros poderes da República pela porta dos fundos, obra de um comunista parlamentarista.

Ao longo desses 40 anos muita coisa mudou.

A cidade, de apenas 500 mil habitantes na virada do século, tornou-se a terceira metrópole do país, considerando a região metropolitana.

Como pensar Brasília sem pensar a grande Brasília? como nos ensina o professor e arquiteto Antônio Carpintero. Mas ele vai mais longe, ao longo de sua experiência como prefeito de Porto Velho, do antigo Território.

Para compreender Brasília, temos que compreender o território que vai de Formosa a Goiânia, passando por Anápolis e algumas regiões mineiras.  Compreender suas riquezas e, principalmente, seu povo.

Aqui, no coração do Brasil, a profecia de Dom Bosco, o padroeiro da nova capital; o sonho de José Bonifácio, o patriarca da Independência; e a meta de Getúlio Vargas, o pai da nacionalidade; tornou-se realidade graças à determinação de Juscelino Kubitschek.

  JK e Jango, presidente e vice, representavam as forças progressistas da Nação que, com Brasília, afirmavam um novo paradigma do projeto nacional-desenvolvimentista cujos liames foram concebidos nos governos de Getúlio Vargas.

A referência que faltava à uma Nação soberana: transpor a capital para o interior do país como ferramenta estratégica ao desenvolvimento econômico e social de áreas ainda muito pobres e atrasadas, e romper com a lógica colonialista da dominação pelas regiões litorâneas.  

Brasília, polo disseminador do progresso no centro-norte brasileiro até então esquecido! Brasília, cidade acolhedora dos irmãos brasileiros, especialmente do norte do nordeste, até então esquecidos!

Cidade abençoada pela solidariedade imanente!

Os tempos se passaram e ela foi testemunha e protagonista dos fatos mais relevantes de nossa contemporaneidade política.

  Nasceu sob a aurora democrática, mas, poucos anos depois, presenciou o mais duro golpe nas liberdades democráticas. Parlamento amordaçado, imprensa censurada, adversários políticos perseguidos, torturados e mortos.

Mesmo muito jovem, resistiu. Nas ruas e na universidade, pagando um preço alto por isso.

Honestino Guimarães é o exemplo mais eloquente do heroísmo que vicejava à época, entre tantos outros anônimos que entregaram suas vidas à luta democrática.

 21 anos se passaram e foi novamente Brasília o palco das manifestações massivas que explodiram em todo país pelo fim da ditadura e a restauração das liberdades.

 A Capital ofereceu seu solo para que o nome de Tancredo Neves, legítimo herdeiro de Getúlio, JK e Jango, fosse aclamado presidente da Nova República, enquanto sua gente generosa se aglomerava aos milhares em manifestação histórica defronte ao prédio do Congresso Nacional. 

Brasília dedicou-se ao país sem perder a noção de sua importância. Lutou bravamente pela sua representação política no Congresso Nacional, pois, até então, era uma cidade cassada de seus direitos políticos. Como dizia Tancredo, a única cidade cassada.

Mas foi além, pela voz e a luta de lideranças como Pompeu de Souza, Maurício Corrêa, Carlos Murilo Felício dos Santos, Lindberg Cury, Geraldo Campos, Paulo Cassis, entre outros, conquistou o direito de eleger o seu governador e seu legislativo na Constituinte de 1988.

Afinal, Brasília já não era apenas a Brasília dos anos 60, o Plano Piloto, a Vila Planalto e o Núcleo Bandeirante. A essa Brasília original somavam-se outras brasílias, estendidas em tantas outras cidades construídas e inauguradas desde a formação de Ceilândia, a mais populosa de todas e, não por acaso, a principal hospedeira dos irmãos nordestinos.

Multiplicaram-se não apenas em população, mas na vasta, rica e diversificada cultura artística inaugurada por Burle Marx e disseminada pioneiramente nas modalidades musicais do choro, do rock, do samba e do repente e forró nordestinos, ou nas festas típicas das diversas regiões do país.

Hoje, quando a Capital de todos os brasileiros completa 60 anos, ressurge o velho desafio: a defesa da democracia e dos direitos novamente ameaçados, aliás, como nunca contrariados, agora, pelo governo mais despótico e apátrida de nossa trajetória republicana.

Pela primeira vez, o fascismo, em sua forma e estado dissimulados, ameaça o Brasil e a nossa capital, em tempos de coronavírus, potencializando a ameaça.

O que diriam os idealizadores, construtores e fundadores dessa cidade-síntese da Nação diante dos movimentos renitentes por uma intervenção militar e um novo AI-5? O que diriam eles frente às manifestações pelo fechamento do Parlamento e da Suprema Corte? E o mais grave: o que diriam de um presidente da República acobertando e estimulando todos esses atos golpistas de violação à Constituição Cidadã de Ulysses Guimarães?

Por absoluta coincidência, fui testemunha ocular desses atos no último dia 19, no Eixo Monumental, nas proximidades do Comando Geral do Exército, quando, para minha tranquilidade, percebi que aquelas imagens nada tinham a ver com a geografia e a história de Brasília.

Pareciam seres alienígenas, de outros planetas, a vociferar contra a vida e a saúde dos brasileiros, possuídos pelo ódio às liberdades democráticas e ao povo, e cegos diante de uma figura despojada de qualquer patriotismo ou, mesmo, humanidade. Um ultraje à democracia e aos que a conquistaram com muita luta e sacrifício.

Brasília, ainda muito jovem, aos 60 anos, já passou por tudo, ou por quase tudo. Venceu e perdeu, aprendeu e ensinou, mas continua viva como nunca.

Depois de seis décadas, apenas uma certeza: não haverá retorno! Continuará sendo a Capital de todos e lutando para que seja cada vez mais para todos!

A grandeza de um país também é medida pela dimensão de sua capital. Brasília não frustrará os brasileiros e, certamente, honrará a memória dos que a conceberam como Cidade Livre ao longo de quase dois séculos.

Mais Brasil e mais Brasília!elementos que se somam e entre os quais não há contradição, a não ser no juízo daqueles que não compreendem minimamente o caráter e o sentido da Nação, muito menos o de sua capital

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