Mais recuos do que avanços

No início de julho passado, fiz uma breve avaliação do setor de Comunicações durante o primeiro semestre de 2007, publicada neste Observatório (1) sob o título “Balanço provisório de um semestre inusitado”. Seis meses depois, constato que talvez não houve

Apesar da alta probabilidade de se cometerem equívocos graves nesses balanços periódicos, reconheço que eles são também uma oportunidade para avaliar comparativamente se houve ou não avanços e que perspectivas se podem ter em relação ao futuro. Desta forma, selecionei dois conjuntos de temas (fragmentados, para facilitar a análise, e não necessariamente os mais importantes) sobre os quais arrisco avaliações pontuais neste final de ano. A primeira, organizada por ordem alfabética, está aí embaixo. A segunda virá na próxima semana.


 


 


1. Concentração da propriedade


 


 


A tendência à crescente concentração da propriedade, com todas as implicações em relação ao controle da informação em escala global, continua. A compra do grupo Dow Jones (que edita, dentre outros, o Wall Street Journal) pela News Corporation, anunciada em agosto, talvez tenha sido a transação mais significativa dessa tendência ao longo de 2007.


 


 


No Brasil, pelo menos dois fatos emblemáticos reforçam a tendência: a compra pelo grupo da Rede Record – leia-se, Igreja Universal do Reino de Deus – das rádios Guaíba AM, Guaíba FM, TV Guaíba e jornal Correio do Povo, de Porto Alegre e a aquisição da Fernando Chinaglia Distribuidora pelo grupo Abril. Esta, se aprovada pelo Cade do Ministério da Justiça, significará o monopólio de facto na área de distribuição de revistas.


 


 


Por outro lado, a compra de operadoras de TV paga e provedores de internet por operadoras de telefonia confirma a tendência de concentração em empresas multimídia da distribuição, e eventualmente da produção, de conteúdos audiovisuais.


 


 


2. Concessões de radiodifusão


 


Apesar dos resultados concretos, até agora, serem mínimos, a boa nova é a Subcomissão Especial da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, que analisa “mudanças nas normas de apreciação dos atos de outorga e renovação de concessão, permissão ou autorização de serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens”, presidida pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP). A subcomissão já aprovou novo Ato Normativo que regula a tramitação dos processos de concessão e renovação de concessões na CCTCI e parte do relatório final da relatora, deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), que sugere, dentre outras medidas, alterar a Constituição para esclarecer a proibição de que políticos, no exercício de mandato eletivo, sejam concessionários do serviço público de radiodifusão.


 


 


No final do ano, noticiou-se que a Casa Civil estaria – pela primeira vez – exigindo do Ministério das Comunicações um conjunto de documentos para referendar a renovação de concessões de TV que venceram em 2006 e 2007, o que incluiria as cinco concessões da TV Globo (Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Recife), a TV Bandeirantes (em Belo Horizonte), a TV Record (Rio de Janeiro), a SBT (Rio de Janeiro) e outras sete emissoras. É ver para crer.


 


3. Digitalização


 


 


As esperanças da digitalização da radiodifusão, alimentadas durante anos pelos movimentos sociais envolvidos na democratização das comunicações e confirmadas temporariamente pelo Decreto 4901/2003, que criou o SBTVD-T, não se realizaram. Em julho, afirmei: “Parece que a disputa entre aqueles que querem aumentar a pluralidade dos emissores na radiodifusão e os que pretendem perpetuar o poder dos atuais concessionários ainda não se encerrou”.


 


 


Com o início das transmissões digitais de TV, no dia 2 de dezembro, entra em vigor a consignação de mais seis MHz para cada um dos atuais concessionários e parece não haver dúvida de que as enormes potencialidades que a digitalização oferece, sobretudo para a multiplicação dos concessionários, não serão aproveitadas nem na TV nem no rádio.


 


 


4. Inclusão digital


 


 


Esta é uma área em que estamos avançando e onde perspectivas promissoras se abrem para a democratização das comunicações. Tanto no que se refere à implementação de políticas públicas, como “Computador para Todos”, quanto no acesso possibilitado por telecentros de programas como os “Pontos de Cultura”.


 


 


A pesquisa TIC Domicílios, realizada pelo Comitê Gestor da Internet, indica que, em 2005, a proporção de domicílios com computadores era de 16,91% e, em 2006, o índice aumentou para 19,63%. Dados da Consultoria IT Data, revelam que foram vendidos 10 milhões de computadores este ano. Esse número representa um crescimento de 23% em relação a 2006. Além disso, o projeto “Um Computador por Aluno” (UCA), do MEC, promete fornecer 150 mil laptops para 300 escolas do seu piloto em até 120 dias após a conclusão do pregão eletrônico que estava sendo realizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) na terceira semana de dezembro.


 


 


Paralelamente, segundo dados do Ibope/NetRatings de setembro, a internet contava com 20,1 milhões de internautas domiciliares ativos, navegando em média 22 horas por mês na web.


 


 


5. Interpretações legais


 


 


Dois fatos merecem registro especial: um alimenta a esperança de que membros do Judiciário estejam atentos ao enorme poder que a mídia exerce nas sociedades contemporâneas; outro revela uma interpretação polêmica do Ministério Público Federal (MPF) das normas que regem o controle, por políticos, de concessões de radiodifusão.


 


 


Primeiro, o voto do ministro Cezar Peluso, no Tribunal Superior Eleitoral, em setembro, sobre o pedido de cassação do mandato da senadora Rosalba Ciarlini (DEM-RN), acusada de abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. Ele se valeu de, pelo menos, dois argumentos fundados nos estudos de mídia e esse, certamente, não é um fato comum nos julgamentos das instâncias superiores do judiciário brasileiro. Além disso, o ministro Peluso levantou, implicitamente, importantes questões: seria democrática a disputa entre um candidato que não tem, ou tem pouco acesso à mídia, e outro que conta com o apoio maciço da mídia controlada por ele próprio ou por seus correligionários? O horário gratuito de propaganda eleitoral, garantido por lei, seria suficiente para corrigir essa assimetria, sobretudo em eleições para cargos majoritários, como os de senador, governador e presidente da República?


 


 


Segundo, a interpretação do MPF. Em seis ações civis propostas na Justiça Federal, em julho, pela anulação das concessões de rádio a políticos que votaram nas sessões da CCTCI que renovavam suas próprias concessões, o MPF interpreta que a Constituição “coíbe apenas a participação dos parlamentares na gestão das empresas concessionárias do serviço (de radiodifusão)”, e permite, inclusive, “a celebração de contratos com o ente público, desde que obedeçam a cláusulas uniformes”.


 


 


6. Rádios comunitárias


 


 


Essa é uma área crítica onde os problemas se avolumam e não se encaminham propostas efetivas de solução.


 


 


Não houve qualquer avanço na regulação das RadCom. Elas continuam regidas por uma lei segregacionista e sofrem repressão constante da Anatel e da Polícia Federal de maneira totalmente assimétrica em relação à fiscalização exercida sobre as concessionárias comerciais privadas de rádio.


 


 


Por outro lado, pesquisa parcialmente financiada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), e publicada neste Observatório (“Rádios Comunitárias: Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004) – As autorizações de emissoras como moeda de barganha política”, arquivo PDF 1,72 MB), revelou como o próprio processo de autorização das RadCom está contaminado pela política partidária e por outras ilegalidades. Entre as 2.205 rádios autorizadas entre 1999 e 2004, existiam vínculos políticos em 1.106, ou 50,2% delas, distribuídas em todos as regiões do país. Foi também identificado um número considerável com vínculos religiosos: 120, ou 5,4% do total. E, finalmente, comprovou-se a existência de duplicidade de outorga em 26 ou 1,2% das associações ou fundações comunitárias.


 


 


7. Regulação da radiodifusão


 


 


O CBT completou 45 anos e mais um ano termina sem que o país tenha a esperada – e mais do que necessária – Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa.


 


 


Tramitam no Congresso Nacional projetos de regulação setorial, representando interesses identificáveis dos principais atores que disputam o mercado de comunicações. O substitutivo do relator de um desses projetos (o Projeto de Lei 29/2007), já aprovado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, provocou uma forte reação liderada pela Associação Brasileira de TV por assinatura (ABTA). No início de dezembro, foi lançada a campanha “Liberdade na TV”, contra o que a ABTA chama de “imposição de cotas de conteúdo na programação e no empacotamento de canais pagos”, tendo sido criado um site que tem como objetivo “mobilizar os assinantes do serviço, que pagam a conta e terão sua liberdade de escolha limitada”.


 


 


8. Sistema público de comunicação


 


 


Este ano ficará marcado pelo nascimento da Empresa Brasil de Comunicação (EBC/TV Brasil), resultado da fusão da Radiobrás com a ACERP/TVE, mais a TVE do Maranhão e o canal digital de São Paulo (por enquanto). Sua conformação final dependerá do texto que surgir da MP 398/07, que já recebeu 133 emendas e, segundo o próprio relator, deputado Walter Pinheiro (PT-BA), deverá ser alterado, pelo menos em relação à definição de fontes de financiamento, às regras para publicidade e à composição do Conselho Curador.


 


 


Apesar das críticas que podem ser feitas ao processo de sua implantação – e são muitas –, a TV Brasil representa um avanço: existe agora uma televisão que institucionalmente se define como pública e a disputa para definir o que é uma TV Pública se desloca agora para a sua prática.


 


 


Por outro lado, não existe argumento capaz de justificar a total marginalização, pelos condutores do projeto da TV Brasil, dos movimentos sociais que lutam pela democratização da comunicação (alguns, há décadas), dos pesquisadores (acadêmicos ou não) que têm contribuído para a produção de conhecimento na área e dos trabalhadores da comunicação não-comercial. Esses setores participaram, inclusive, da preparação e da realização do I Fórum Nacional de TV Públicas, realizado em maio. Essa marginalização paradoxal e contraditória exclui do âmbito da TV Pública (até agora) exatamente aqueles cuja legitimidade para representar o interesse público seria a menos questionável.


 


 


9. Participação da sociedade civil


 


 


Duas ações importantes expressam o trabalho das organizações da sociedade civil ao longo do ano: o Encontro Nacional de Comunicação, realizado em maio, com o apoio das Comissões de Direitos Humanos e da CCTCI da Câmara dos Deputados; e o lançamento, em outubro, da Campanha por Democracia e Transparência nas Concessões de Rádio e TV, sob o mote “Concessões de rádio e TV: quem manda é você” [www.quemmandaevoce.org.br]. Essas iniciativas mostraram que os “não-atores” históricos estão organizados e articulados.


 


 


Fatos posteriores, no entanto, sobretudo em relação ao encaminhamento dado à realização da Conferência Nacional de Comunicação e ao projeto da Empresa Brasil de Comunicação, revelaram que pouco (ou nada) mudou na real correlação geral de forças do setor. Os movimentos sociais continuam sem voz e sem representação efetiva na tomada de decisões e na execução das políticas públicas das comunicações.


 


 


10. Transparência do Ministério das Comunicações


 


 


O cadastro com os nomes dos sócios das emissoras de rádio e de televisão do país – ao qual o público havia tido acesso, pela primeira vez, em novembro de 2003 – desapareceu do site do Ministério das Comunicações. Um “recadastramento” dos concessionários foi anunciado em agosto para ser concluído no prazo de 60 dias. Mais de dois meses se passaram, mas o púbico continua sem acesso ao cadastro geral de concessionários.


 


 


O Ministério das Comunicações, que já mantinha em segredo os contratos de concessão do serviço público de radiodifusão, voltou, a partir deste ano, a tratar como segredo de Estado também o cadastro de concessionários. [Continua na próxima edição]


 



Leia também
Balanço 2007 (1) – As críticas de Gore e Blair à grande mídia – Venício A. de Lima 


Nota


 


(1) texto originalmente publicado no Observatorio da Imprensa


 





http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=465JDB002


 

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