Missão Equador

Estive recentemente no nosso vizinho Equador, que figura, junto com o Chile, entre os dois únicos países da America do Sul a não fazer fronteira com o Brasil. Fui participar de dois eventos de singular importância para as forças democráticas e populares de todos os continentes e especialmente para a America Latina: o Encontro de Partidos de Esquerda em Quito e o Congresso de Fundação do “Aliança País”, partido de sustentação política ao governo de Rafael Correa.

Para qualquer amante da ciência chegar ao Equador é como viajar no tempo. Afinal, foi ali, que Charles Darwin assentou as bases científicas da teoria da evolução a partir de criteriosa observação científica da vida no arquipélago de Galápagos.

Ademais, para os amazônidas, Quito e Guayaquil têm um significado extraordinário. Foi dali que partiu a expedição de Gonçalo Pizzaro e Francisco Orellana que resultou na descoberta do rio amazonas. Orellana partiu de Quito em 1539, chegando à foz do rio amazonas em 1542. Levou 2 anos e 8 meses!

Cabral gastou 43 dias para sair de Portugal e chegar ao então desconhecido Brasil. Essa dimensão temporal dar bem a noção do que é a complexidade e a magnitude da Amazônia. Lamentavelmente não pude ir a Galapagos, o que me obriga a retornar ao Equador, para cumprir o que eu considero um roteiro obrigatório para quem visita aquele belo país.

Tivemos atenção especial tanto por parte dos dirigentes do Partido Comunista quanto dos dirigentes e militantes da causa do “Aliança País”, o que nos possibilitou colher o máximo proveito do evento, especialmente o Congresso de fundação do partido de sustentação do presidente Correa.

O Equador passa por uma situação nova, que guarda similaridade com o Brasil, especialmente no que diz respeito ao fato de que a esquerda assume o comando do país após séculos e séculos de mando continuado e ininterrupto da direita.

Como se observa tanto aqui quanto no Equador essa direita não aceita a vontade soberana do povo. Trama golpe abertamente seja de forma implícita, como no Brasil, ou explícita como ocorreu em setembro no Equador e antes na Venezuela. A direita nunca teve apego a democracia. Sempre foi e sempre será golpista. Recorre a todos os instrumentos para semear confusão, especialmente os meios de comunicação.

É natural, portanto, que setores populares que passaram toda a vida fazendo oposição tenham dificuldade de fazer a necessária mediação com o novo papel de situação. Tal qual ocorre no Brasil também há confusão entre se associar governo com direita e oposição com esquerda, sem ter presente que hoje na America Latina a esquerda governa boa parte dos países. Quem faz oposição é a direita, que finalmente foi desalojada do poder político.

Como em qualquer lugar a imagem do governo sempre vai depender do interlocutor. Mas é possível observar alguns fenômenos em comum, seja entre os que apóiam ou discordam do governo Correa. Há certo consenso pelo menos no diagnostico.

O governo de Rafael Correa hoje sofre oposição de diversos setores, especialmente da grande burguesia; de uma parcela dos militares (porque diminuiu a distância salarial entre praças e oficiais); da igreja (porque taxou as importações que a igreja faz sem pagar impostos); dos meios de comunicação; de uma parte do movimento indígena, que representa uma expressiva parcela da população; e até setores dos partidos que lhe deram apoio, os quais não se sentem contemplados no governo.

A sustentação popular se dar em torno do “Bonus de desarollo humano” (versão bolsa família), que beneficia 1,2 milhões de famílias (+/- 3,6 milhões de pessoas), num país cuja população residente é da ordem de 9 milhões. Outros 5 milhões vivem no exterior. O bônus é de 32 dólares (55 reais, hoje).

Dentre os principais partidos apenas o “Aliança País”, ao que parece, marcha coeso com Correa. Dois outros grandes partidos são de direita – Sociedade Patriótica e Partido Social Cristão. Organizam-se em torno da liderança do ex-presidente Lúcio Gutierrez e de Neboto, prefeito de Guayaquil, a maior cidade do Equador. Parte do partido indígena, o Pachthacutik também faz oposição a Correa, apesar de ter feito parte da aliança eleitoral.

Embora haja controvérsia quanto ao peso da população indígena no país eles não representam menos do que 30%, o que realça o peso político desse segmento diante de uma situação agravada pela fragilidade do movimento popular. Os principais grupos indígenas são os Quichua, Shuar, Ashuar, Awa, Záparos e Cofanes. Ainda há grupos não contatados (Auca).

Antes da abertura os delegados internacionais tiveram um encontro com o que eles chamam de ministros coordenadores (um ministro coordena um grupo de ministérios afins) na qual eles apresentaram um balanço dos avanços e limitações de seu governo, bem como o que pretendem com a realização desse congresso.

Segundo o relato desses ministros o que mais salienta é o problema indígena, que cresceu com a bandeira da oposição, da resistência – tal qual a esquerda – e agora não se sentem a vontade de ser governo. Ponderam que o movimento social está “perdido”, às vezes cometendo delinqüência, radicalizado, fazendo alianças com a direita.

Informam que já legalizaram mais de 80% das áreas indígenas. Mas o tensionamento é grande porque obviamente nem todas as demandas podem ser atendidas e há uma forte presença de ONGs que atuam diretamente nessas comunidades e, em certa medida, ocupam o papel do estado, que por várias razoes está ausente.

A abertura do Congresso foi numa arena desportiva com a presença de algo como 4 mil delegados, de todas as 24 províncias e mais os delegados dos residentes nos Estados Unidos, na Europa e na America Latina. Uma bela festa, alegre, massiva, de povo.

Esses delegados foram eleitos com base em critérios variados, que mesclavam população da província, votação do Correa nessa província, mesmo percentual de homens e mulheres, cota de índios, jovens, deficientes e de orientação sexual.

A intervenção de Correa foi uma exaltação as transformações que ele afirma estão fazendo, apologia à revolução, a heróis da esquerda como Guevara e Simon Bolívar, alem da proclamação de fé em torno do socialismo como alternativa para o mundo. Um pronunciamento claramente de esquerda. Antes falara Tomas Borges, fundador da Frente Sandinista de Libertação Nacional e atualmente embaixador em Quito.

Na parte final do ato os delegados internacionais se dirigiram à plenária. Saudamos, em nome do PCdoB e do povo brasileiro, a realização do Congresso, desejando êxitos na construção dessa nova experiência, sem emitir juízo de valor sobre os problemas do Equador.

O Equador faz a sua experiência. Busca o seu rumo, o seu caminho, numa situação me parece bem mais complicada do que a do Brasil, em que pese a nossa complexidade.

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