Negação ardilosa

Um grupo de renomados intelectuais entregou aos presidentes da Câmara e do Senado um documento intitulado “Todos têm direitos iguais na República Democrática”, no dia 29 de junho de 2006. Esse documento tinha o objetivo de contrapor-se a duas propostas qu

PL 73/1999 prevê para as instituições públicas federais de ensino superior uma reserva de no mínimo cinquenta por cento das vagas nos cursos a alunos pobres que tenham estudado integralmente em escolas públicas, as vagas reservadas pelas universidades públicas serão ocupadas por pretos, pardos e índios em igual proporção a pretos, pardos e índios na unidade federativa em que está sediada a universidade;  


 


PL 3.198/2000 conhecido como Estatuto da Igualdade Racial,  prevê uma série de políticas públicas nas áreas de saúde, educação, trabalho, terra, comunicação, justiça com impactos sociais que contribuirão para diminuir as desigualdades sócio-econômicas entre negros e brancos.


 


Essas duas PLs, especialmente o Estatuto da Igualdade Racial que discutirei mais detalhadamente no próximo texto, inauguram novos paradigmas para enfrentamento do racismo no Brasil, visto que seu caráter supera o princípio punitivo, ou seja, de criminalização a comportamentos racistas,  hoje atuam conscientes da necessidade de promoção material e social das vítimas do racismo, do preconceito e da discriminação racial, dessa forma atuam contra a mais vil consequência do racsimo: poder de marginalizar e produzir desigualdades entre negro, índios e brancos.


 


  



Os ditos intelectuais dão continuidade às criticas pinceladas no manifesto entregue  no Congresso Nacional com a edição de dois livros: Não Somos Racistas – Uma Reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor, de Ali Kamel, Diretor-executivo de jornalismo da Rede Globo e colunista do jornal O Globo; Divisões perigosas – Políticas raciais no Brasil contemporâneo, organizado por Peter Fry, Yvonne Maggie, Marcos Chor Maio, Simone Monteiro e Ricardo Ventura Santos, membros da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Fundação Oswaldo Cruz, esse livro contou com a participação intelectuais e ativistas do Movimento Negro Socialista (organização que surge recentemente através de militantes da corrente política O Trabalho). É bom que se diga que nesses livros há elementos teóricos de suma importância para compreenção do Brasil, da luta contra o racismo e da emancipação do povo brasileiro, por isso merece um olhar mais detalhado. Há, também, posturas anti-racistas, embora não predominem, pois a maioria dos autores e textos apenas criticam os apoiadores das ações afirmativas e não apontam caminhos concretos para superação do dilema da desigualdade racial em nosso país.


 


  



Em geral, esse grupo acusa os defensores do PL 73/19999 e do Estatuto da Igualdade Racial de proporem a divisão do país em dois lados, “de um lado os brancos opressores e do outro os negros”, pura retórica, pois os apoiadores de medidas que contribuem para elevação social da população negra e indígena querem desracializar e democratizar os espaços de poder político e econômico, bem como a vida social brasileira, pois a racialização prejudica os considerados inferiores racialmente. Vários estudos e os números apresentados pelos institutos de pesquisas como o IPEA e IBGE demonstram desigualdades em vários aspectos, sempre com desvantagem aos negros e índios: esperança de vida ao nascer, índice de envelhecimento, vítimas de homicídios, participação na renda disponível, anos de estudos, acesso a saúde. Desracializar é criar condições igualitária a todos seres humanos, de modo que necessariamente haverá necessidade de dividir a riquesa e o poder socialmente construído.


 


  



Alegam que os conhecimentos da ciência genética já superou a crença em raça – inclusive o livro Divisões perigosas conta com dois textos do famoso geneticista mineiro Sérgio Pena negando com base científica a existência de diferentes raças na espécie e falando sobre a evolução da ciência no conhecimento humano – que sempre foi utilizada para oprimir, chegam a fazer referência, ou melhor, comparação com o nazismo. Esse argumento denota uma dose de desonestidade intelectual, pois o conceito de raças que o movimento negro e anti-racistas referem é sociológico, aliás, as vítimas do racismo nunca acreditaram em sua inferioridade genética em relação aos dominadores.


 


 


 


Prevêm conflitos raciais no Brasil, até o momento desconhecidos pelos brasileiros. Com isso negam uma evidência em curso, a maior taxa de homicídio no Brasil se concentra entre homens negros na faixa etária de 20 a 30 anos, a concentração de jovens, em sua maioria negros nas prisões alcançam índices de crescimento alarmantes, vemos que há uma guerra surda, onde o principal alvo é a juventude negra. Negam categoricamente a existência de racismo no Brasil, bem como negam os números oficiais do IBGE que demonstra o quadro da desigualdade entre negros e brancos no Brasil, e o utilizam no momento que interessa. Negar o problema é matar na raiz a possibilidade de sua superação, é virar as costas para o diálogo, trata-se de uma negação perigosa que pode ser um elemento de incitação de conflitos, na medida que os que estão a margem não encontram solidariedade e perdem a esperança de verem seus problemas resolvidos num processo dialogado. Desqualificam toda a produção do movimento negro contemporâneo e as linhas de pesquisas sobre as relações raciais quando não aproximam ou contradiz suas argumentações, ou seja, acham que estão de posse da verdade.


 


  



Por fim, os intelectuais anti-ações afirmativas dizem falar em nome de 90 milhões de brancos pobres que são tão marginalizados econômica e socialmente quanto os negros e índios. Ora, se de fato estão preocupados com os 90 milhões de pobres brancos que vivem a margem da sociedade, porque não aceitam a reserva de vagas tal qual propõe a PL 73/1999? Com a reserva será possível que cinquenta por cento das vagas das universidades federais sejam preenchidas por pobres brancos, negros e indígenas. Não haverá conflitos étnicos, visto que o critério de acesso observa o princípio da universalidade e afirma a necessidade de superar duas graves contradições sociais: de classe e de raça. Aqui chegamos ao âmago da questão que as palavras não mencionam, flagramos a falácia, o ardil que predominaram nas  argumentações dos intelectuais: não querem que as universidades públicas sejam invadidas pelos pobres independente de cor ou raça; depois, não querem disputar o nicho de mercado de trabalho que hegemonicamente ocupam com os mesmos pobres brancos, negros e índios que invadiram as universidades; não querem colocar em riscos suas sinecuras. Para isso tentarão travar todos avanços sociais do povo brasileiro.


 



Voltarei a esse tema.


Axé


 

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