O fazer política mudou?
Reflexão sobre a transformação da prática política pela internet, manipulação da indignação popular e personalização de informações via Big Data.
Publicado 18/06/2024 13:15

Comícios, engajamento partidário, grandes debates. A mídia escrita e televisiva era sinalizadora, conseguir espaço fundamental para consolidar idéias e posições que defendíamos. Era assim que fazíamos política, assim que procurávamos participar dos rumos que desejávamos para o País.
Caminhadas sábado de manhã. Virando rotina. No Centro do Recife, no Camelódromo, no Pátio São Pedro, no Largo do Carmo. Neste sábado era esse o papo, conversas de velhos saudosistas.
Recomendado fui ler. Um livro não tão recente, de 2020. De Giuliano Da Empoli, Engenheiros do Caos. Uma leitura agradável que muito me ensinou.
A política mudou, entendê-la é importante. Mudanças em termos de meios, mudanças em termos de concepção.
A grande maioria se pauta por blogs específicos, a leitura dos grandes jornais é residual. A internet criou espaço próprio para a comunicação, no qual a participação é enorme e no qual se espalham rapidamente notícias, verdadeiras e fake news. Ter domínio desses espaços é fundamental para se atingir o poder. É por eles que circulam informações, que as pessoas são influenciadas e se definem.
O que move as massas não é a notícia em si, mas a indignação, a RAIVA, mesmo que seja forjada. Mapear e explorar esses temas faz com que se formem exércitos de seguidores ensandecidos que ali descarregam suas angústias, seus descontentamentos, seus fracassos pessoais. Nas palavras do autor, “a vontade de participar vem quase sempre da raiva acumulada”.
E nesse ponto entra a nova ciência, as Big Data que podem tratar quase instantaneamente um volume de informações descomunal.
Nesse cenário, o poder se alcança através de mecanismos manipuláveis e altamente eficientes.
O controle das informações permite que se tenha controle sobre o que as populações se indignam, sobre o que é tema para gerar raiva. Rapidamente pode-se definir uma pauta de temas que mobilizariam a muitos. Nas palavras do autor:
“Graças à internet e às redes sociais, nossos habito, nossas preferências, opiniões e mesmo emoções passaram a ser mensuráveis”
Ou seja, pode-se até não conhecer cada pessoa individualmente, mas se tem pleno controle sobre os temas e posturas que geram maior revolta, que fazem com que as pessoas se mobilizem com FÚRIA.
Os blogs passam a ter posição fundamental. É neles que as pessoas se informam, é neles que se expressam. E, também, esses sites são controláveis.
Formam-se exércitos de seguidores que acreditam piamente nas “verdades” que estes apresentam, que estão dispostos a se posicionarem enfurecidamente em apoio aos líderes que os orientam. São movimentos que fazem crescer os participantes. Tornam-se, algumas vezes, lócus de satirizar, de ironizar a sociedade em que se vive, de apontar necessariamente para uma ruptura muitas vezes conservadora, muitas vezes de volta a tempos idealizados em que princípios morais arcaicos garantiriam plenitude da cidadania.
Evidentemente, posições discordantes podem surgir. Mas, essas são facilmente eliminadas. Afinal de contas, o administrador do site tem essa prerrogativa.
Surge, então, o tratamento dos dados, os meios e aplicativos que são engendrados para disseminar idéias. Nestes, os estatísticos, as novas ferramentas computacionais, o acesso às informações de tudo que é postado nas redes sociais e na internet, é básico. E faz com que se personalizem as informações para grupos específicos. Nem tudo é compartilhado com todos, procura-se orientar para públicos selecionados, com o objetivo de não perder seguidores, de não criar cizânia no meio do formigueiro infindável de adeptos. Diz o autor:
“Hoje, o trabalho dos físicos estatísticos permite enviar mensagem personalizada a cada eleitor com base nas características individuais.”
Novamente pode-se notar que o fascínio pela técnica faz com que especialistas se envolvam profundamente na concepção de mecanismos de busca e difusão muito eficientes. Vem ao encontro do que pensa Giuliano:
“Os cientistas sempre sonharam reduzir o governo da sociedade a uma equação matemática que suprimisse as margens de irracionalidade e de incertezas ao comportamento humano.”
Nesse quadro, o qual é muito bem ilustrado no livro, com exemplos, de economias como as da Hungria, Estados Unidos, Israel e mesmo do Brasil, faz-se necessário repensar o fazer política. Repensar o quão manipuláveis são e como se tornaram obsoletos e ineficazes velhos processos de legitimação de luta política, por busca de uma sociedade mais equânime. Repensar os mecanismos de definição de poder.
É momento, inclusive, de repensarmos o que e como realmente poderia garantir a dita Democracia sem instrumentos que a desvirtuem.