“O Lobo de Wall Street” Façam suas apostas

Cineasta estadunidense Martin Scorsese radiografa Wall Street mostrando como ela se tornou um cassino de manipulação de ações

Os agentes financeiros substituíram os gladiadores na arena que se tornou Wall Street. Nas arquibancadas, a platéia urra diante do pregão, esperando grandes lucros. Mas tudo não passa de um jogo, onde acumular fichas é parte do risco do negócio. Ou como desmistifica o operador Mark Hanna (Mattew McConaughey): “Ninguém sabe quando uma ação cai ou sobe, é balela´. Não criamos p… nenhuma, não construímos nada”, diz ao estupefato novato Jordan Belfort (Leonardo Di Caprio), enquanto cheira cocaína.

A partir daí, suas frases se tornarão mantras para as estripulias de Belfort: “O nome do jogo é tirar do bolso de seus clientes e colocar no seu”, grita ele a seus operadores, ao criar sua própria corretora. A lição que o espectador aprende nesta aula de economia financeira ao custo do ingresso é que inexistem manuais, o negócio é guiado pela manipulação do cliente, barbitúricos, cocaína e sexo, muito sexo.

Através de Belfort, o cineasta estadunidense Martin Scorsese (1942) estrutura, a partir da biografia homônima do próprio especulador, a radiografia do mercado financeiro dos EUA. E desmistifica os mitos de Wall Street, mostrando sua ferocidade por lucros, ostentação de riqueza e falsas expectativas de ganhos. Belfort não fala em investimentos no setor produtivo, na sustentação do nível de emprego, na distribuição da riqueza, apenas grita: “Não há nobreza na pobreza”.

Crise respinga no planeta

É o espírito do capitalismo financeiro e do neoliberalismo, cuja regra é não ter regra. Este descontrole engendrou a Queda de Wall Street em 2008 e a crise financeira mundial ainda não debelada. Trilhões de dólares foram gastos pelo Estado para salvar o próprio sistema financeiro e a estrutura industrial (e não só eles) ao custo de 215 milhões de desempregados, em 2013, sendo 74,5 milhões de jovens, segundo a OIT (Organização Mundial do Trabalho), e a estagnação econômica do planeta. Numa sucessão de crises estruturais, cada vez mais constantes, sem solução à vista.

Porém, a financeirização de todos os atos da sociedade demarca esta etapa do capitalismo, tendo cada um deles seu valor mercadológico (das riquezas naturais ao lazer, da criação intelectual à produção tecnológica, etc). Portanto não se trata de um fenômeno isolado, mas consequência da estrutura autofágica do próprio sistema em sua fase interdependente. Berfort é apenas um elo desta gigantesca teia criada pelas desregulamentações monetárias de Richard Nixon (1969/1974), ao impor o dólar como moeda de reserva e troca internacional, e de Ronald Reagan (1981/1989) e Margareth Tatcher (1979/1990), ao implantar o neoliberalismo como arma conservadora.

Scorsese vale-se de toda uma simbologia para mostrar como Belfot acumula o dinheiro fácil. Milhões de dólares surgem em maços sobre camas, bancos de automóveis, sofás, malas sem qualquer controle. Quando muito, apregoa Belfort, é doado a partidos políticos, (para bloquear leis contra o controle de capitais), e igrejas (para sanear suas culpas). Ele vive num frenesi orgiático para não sair da cruel ficção que mantém sua ganância.

Imagem nada lisonjeira

No entanto, por mais que Scorsese e seu roteirista Terence Winter tratem da epopéia de Belfort, mostrando a gestação da crise financeira de 2008, seu filme é sobre a máfia. Nele está a família, cercada de amigos, mesclando negócio e amizade (“Os Bons Companheiros”, 1990), o controle feroz do negócio fraudulento (“Cassino”, 1995) e a tentativa de dar aspecto legal às tramóias de Belfort (“O Poderoso Chefão III, este de Coppola,1990), em cenas marcadas por ameaças, violência e contrabando de dólares.

Além disso, Scorsese não foge a referências às comédias malucas. As trapalhadas do quarteto formado pelos sócios de Belfort, Donnie Azoff (Jonah Hill), Robbie Feinberg (Brian Sacca), Nicky Koskoff (J.P.Byrne) e Brad (Jon Bernthal) nada devem aos “Três Patetas”. Mesmo depois de anos de tramóias e milhões de dólares, eles continuam “amadores”. Scorsese usa variados recursos narrativos, com Belfort/Di Caprio pontuando a ação ao falar direto para o espectador, gozando a si mesmo e aos sócios.

A exemplo de outros filmes de Scorsese, as mulheres continuam sendo fachada de “respeitabilidade”. Ficam sempre à margem dos negócios. Naomi (Margot Robbie), ex-modelo, fecha sua loja para criar os filhos de Belfort e ser sua companheira de cocaína e festas. É a nova rica deslumbrada com a riqueza. Só entra em polvorosa, quando a rede de falcatruas do marido chama atenção do FBI. Até tenta ajudá-lo a sair da encrenca, mas é um adorno ao estilo católico-conservador mafioso.

Enfim, “O Lobo de Wall Street” é uma grata contribuição de Scorsese à filmografia sobre a Queda de Wall Street, iniciada por Charles Ferguson, em seu documentário “Trabalho Interno” (2010). Sua visão é de que financistas e especuladores agem como mafiosos ao defender seu nicho a qualquer custo.

O Lobo de Wall Street” (“The Wolf of Wall Street”). Comédia-dramática. EUA. 2014. 180 minutos. Edição: Telma Schoonmaker. Fotografia: Rodrigo Prieto. Roteiro: Terence Winter, baseado no livro homônimo de Jordan Belfort. Direção: Martin Scorsese. Elenco: Leonardo Di Caprio, Mattew McConaughey, Margot Robbie, Jonah Hill, Jean Dujardin, Kyle Chandler.

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