O que muda no Oriente Médio com Obama?
O título pode parecer pretensioso demais, até porque não faz seis meses que tomou posse o novo presidente dos Estados Unidos. Na verdade, gostaria de compartilhar com nossos leitores uma espécie de análise panorâmica da região, ficando os países e povos q
Publicado 09/07/2009 17:52
Países que são o centro de nossa atenção
Como tenho feito há mais de sete anos seguidos neste espaço, procedo a análises e comentários fundamentalmente sobre os países árabes, que são 23 ao todo. Entre esses, em particular, chama minha atenção nesses anos a Palestina, principal questão hoje no Oriente Médio, seguido do Iraque, ocupado desde 2003 e do Líbano, que, desde 2005, com a saída das tropas sírias, vem sendo governado por um campo mais conservador e polarizado com os EUA. Também foi foco de alguma atenção de minha parte, o Irã, país persa e do outro lado do Golfo que, para eles, deveria ser pérsico mesmo e não arábico como para os árabes do lado de cá. Por fim, alguma atenção dediquei à Turquia, mais ao extremo da Ásia, mas, de fato, não é minha área de estudos. Paquistão e Afeganistão, apesar de serem países islâmicos, não foram objeto de nossa atenção.
Quero fazer essa breve atualização neste momento histórico que vivemos, de crise do sistema capitalista, particularmente de seu modelo de extrema financeirização, chamado neoliberalismo, de escassez cada vez mais acentuada de energia, de crise do dólar e da hegemonia estadunidense. Vamos aos países.
1. Palestina – Desde a posse do Obama, ele tem enfatizado a defesa, que já vinha sendo feito de certa forma pelo governo Bush, de dois estados convivendo lado a lado e com fronteiras seguras. Obama tomou posse em janeiro e logo depois teve que ver diante do governo de Israel um governo de extrema direita, com um chanceler fascista e racista. Netanyahu toma posse e sequer fala em honrar acordos anteriores com os palestinos e não menciona em momento algum, o “estado da Palestina”. Isso só vai ocorrer no dia 14 de junho, em discurso que profere em uma universidade israelense e ainda assim, sem nenhuma autonomia. As “negociações” pela paz não vêm ocorrendo. Não há porque ocorrer. Do lado de Israel não se reconhece o campo negociador palestino, desqualifica-se os negociadores e mais do que isso, exige-se pré-condicionantes para negociar. Não se quer a paz e nem um início de negociação que seja. Os palestinos, nesse cenário, tampouco falam mais em negociação. Cuidam hoje do restabelecimento de sua unidade nacional perdida. Oito rodadas de negociações no chamado Diálogo Nacional Palestino já ocorreram, ainda que os acordos finais não tenham sido selados. Discutem hoje uma nova lei eleitoral, parecida com a nossa, eleições proporcionais, e uma eleição geral deve ser convocada para janeiro de 2010, tanto para o legislativo como para a presidência. Hoje como sabemos, o Hamas tem maioria no parlamento e o grupo Fatah tem a presidência da ANP. Precisamos ver a força e a disposição de Obama enfrentar o poderoso lobbie judaico. Sair da retórica para a prática, para ações concretas. Pessoalmente ainda tenho muitas dúvidas se ele conseguirá isso. Indicou para ser seu negociador no Oriente Médio George Mitchell, que vem a ser filho de Mary Saad, libanesa que imigrou para os EUA. Ele fala o árabe fluentemente e conhece muito bem a região. Teve uma experiência bem sucedida de negociação de paz no conflito na Irlanda. Vamos ver nos próximos meses os desdobramentos do conflito.
2. Iraque – Na semana que passou, houve uma mudança significativa no Iraque, ocupado ainda militarmente por tropas americanas. Os marines deixaram de fazer patrulhamento nas ruas das cidades iraquianas. Passaram o controle da população civil para os policiais e para o exército iraquiano, que eles mesmo se encarregaram de desmontar quando da invasão de 2003. Não se iniciou ainda a retirada de tropas do país. Os que Obama havia prometido em campanha, ele acabou tendo que recuar por pressão do próprio exército americano. A saída inicia-se no ano que vem e vai até 2011. É muito mais longa do que o previsto inicialmente. No mesmo dia que as tropas americanas retiraram-se das ruas, mais de 150 pessoas morreram em atentados e conflitos. Sinal de que as coisas não estão nada boas. O povo iraquiano oferece tenaz resistência à ocupação, não aceita a “americanização” do país, a imposição de valores e costumes ocidentais. Uma forte oposição ao governo títere de Maliki, um xiita e pró-americano a favor da ocupação. Não vejo como com o país ocupado, se possa falar em “pacificação” do Iraque. Não ainda neste momento e muito menos sob esse governo ocidentalizado. E, volto a insistir, não tem nada a ver com religião, pois os mesmos xiitas que no Iraque fizeram aliança com os americanos para estes ocuparem seu próprio país, no Líbano, dão feroz combate aos Estados Unidos e seu fiel aliado que é Israel.
3. Líbano – Saad Hariri foi, como era previsto e aqui anunciamos, indicado para tentar formar um novo governo. Tem a maioria absoluta para isso, pois sua coligação, a Aliança 14 de Março, elegeu 71 das 128 vagas do parlamento. As restantes 57 ficaram com a oposição, liderada pelo Hezbolláh. Ele tem dito que quer formar um governo de “União Nacional”. Duas questões são centrais: o eventual desarmamento das milícias do Hezbolláh e que elas possam se integrar ao exército regular libanês e o poder de veto da coalizão de oposição que poderá integrar o governo. O presidente do parlamento será alguém do grupo do Hezbolláh, xiita. A oposição, diferente do Irã, aceitou os resultados de forma democrática. Vai participar do governo. Quer o Líbano fora da influência dos Estados Unidos. Tem sido hábeis os dirigentes da Coligação oposicionista, em especial o general da reserva Michel Aoun, cristão maronita. É possível que Nabi Berri, xiita do Amal siga à frente na presidência do Parlamento, sendo seu quinto mandato.o parlamento não é monolítico, como em lugar nenhum. Há 11 deputados que se proclamaram independentes e são na verdade 13 blocos e coligações de diversas tendências. Depois das eleições o Hezbolláh esta ainda mais forte, pelas propostas que tem apresentado, pela sua maturidade na condução do processo político, pela sua integração à sociedade e ao futuro governo. Vão atuar como bloco unido. O comportamento do governo americano influenciou e muito a vitória das forças mais conservadoras. Seria possível uma vitória da oposição. Mas, tudo ficou como estava. Vamos conferir os desdobramentos do novo governo, que poderá demorar ainda semanas para ser formalmente constituído.
4. Irã – O Conselho de Especialistas, órgão formado por 86 clérigos e eleito pelo povo diretamente proclamou, finalmente, o resultado da recontagem parcial de 10% de todos os votos no Irã (contagem aleatória). Atendendo pedido da oposição. O seu veredicto foi implacável, mas o que todos nós já sabíamos. Os resultados foram limpos e corretos e nenhuma fraude foi constatada. O alardeado que em muitas cidades havia mais eleitores que moradores é perfeitamente explicável pelo sistema democrático de votação no Irã, ou seja, as pessoas votam onde elas quiserem. Como nada é eletrônico por lá, marca-se as mãos de quem já votou com uma tinta indelével que demora alguns dias para sair, evitando-se que o mesmo eleitor vote duas vezes. Aos poucos, a vida no Irã vai voltando ao normal, para tristeza de Israel e do ocidente e mesmo dos conservadores – aqui no sentido literal do termo mesmo – do próprio Irã, que queriam uma maior aproximação com os Estados Unidos. Ahmadinejad sai fortalecido. Mas, isso não quer dizer que tudo seja um mar de rosas. Há muita luta política ainda. O clérigo Ali Khatami e Hashemi Rafsanjani saem derrotados e mostram-se rancorosos. Não têm sido habilidosos na condução do processo e insuflam a oposição e foram responsáveis, em certa medida, pelos incidentes e conflitos ocorridos. Ao jogarem todas as suas fichas num candidato que estava fora do cenário político nos últimos 20 anos e insistirem em uma fraude que não houve, perderam pontos e mostraram-se fragilizados. Apenas a imensa máquina midiática ocidental os apoiou. Esperemos que o Irã siga firme na sua revolução, que angarie o amplo apoio das massas populares, do campesinato e proletariado urbano, mas que tente ganhar as classes médias emergentes para o seu projeto, da construção de uma nação soberana e que defenda um mundo multipolar sem a hegemonia dos Estados Unidos.
Esta semana, até em função de naco estar ocorrendo grandes novidades no Mundo Árabe, trazemos aos nossos leitores esse pequeno resumo sobre os quatro países chaves para compreendermos os conflitos naquele estratégica região do planeta.