O que pensar depois de ver “Five”

O estilo abstrato do cineasta iraniano Abba Kiarostami, o curta brasileiro que aborda cultura popular e o cinema de Haruki Murakami

Frame do filme "Five" (2003), do cineasta Abbas Kiarostami

Estou me referindo ao filme Five, uma produção do cineasta iraniano Abbas Kiarostami de 2003, que está agora no site Making Off junto com um documentário Around Five e um curta de 10 minutos, Solution Nº 1. Depois de ver esses três eu arrematei com um curta brasileiro excelente.

Certamente, esse filme Five, mais do que um comentário sobre ele, merece que o espectador aproveite um tempo depois de vê-lo para pensar sobre o significado ou a importância de se fazer um filme ou qualquer obra de arte. O filme tem um estilo diferente dos outros filmes de Kiarostami, e por isso mesmo ele aproveitou uma entrevista que lhe fizeram para colocar como “making of” e se a partir daí ele iria fazer outros filmes como Five.

Não é fundamental assistir ao “making of” para ver Five. Se você assistir ao “making of”, vai conhecer um tanto do pensamento do cineasta e assim terá mais elementos para entender (ou não) o que ele pensa quando faz cinema. Mas o próprio Kiarostami realmente não sabia muito por que tinha feito Five, mas somente que a produção da obra lhe deu prazer. E que gostaria de voltar a realizar outros filmes semelhantes. O que não aconteceu na verdade. Abbas sabia que o estilo quase abstrato de um filme como Five não interessa para muitos espectadores. A grande maioria gosta mesmo de filmes com estória e não com imagens e sons para deixar um vago na mente ou então forçar a dimensão reflexiva sobre as questões universais.

Abbas Kiarostami

Five na verdade são cinco curtas ligados pelo fato de terem sido filmados numa determinada praia. Pode ser um programa com os cinco juntos ou não. Na ordem que estão nesse conjunto vemos um primeiro episódio com a câmera filmando um pequeno pedaço de madeira e o jogo que as ondas fazem com ele. Isso. No segundo, vemos a praia um pouco de mais longe e num caminho a câmera fixa registra pessoas andando de um lado ou então voltando do outro lado. As pessoas não estão vestidas para a praia, mas como simples passantes. Por acaso você pode registrar algum fato e um deles é a reunião de quatro senhores conversando um tempo e depois dois vão para um lado e os outros dois para o outro. Um terceiro episódio são cinco cachorros na beira da praia e lá se mexem um pouco e andam um pouco sem maiores ações. Mais um episódio são patos caminhando para um lado da praia e depois simplesmente voltam com enorme algazarra. No último episódio, Kiarostami inclusive fala como fez no “making of”. À noite mandou que pessoas andassem na praia e colocou uma câmera filmando fixa. O que vemos é quase sempre escuro, mas em certos momentos surge uma luminosidade às vezes forte e às vezes vacilante. Mas temos gritos de cachorros, e gritos de patos, e quando o dia já está quase surgindo, ouvimos cantos de galos. E no final cai uma quase tempestade que realmente não vemos, mas ouvimos. E vemos a luz de trovões. Certamente é a sequência mais dramática e mais forte. São cenas realmente para quem gosta de simplesmente imagem e som dramatizadas e não de estórias narradas.

O curta, Solution nº 1, é um rapaz na beira de uma estrada, fumando cigarro, e com um pneu. E pedindo carona. Termina não conseguindo. Ou talvez ele mesmo não queira. Então coloca o pneu para rodar na sua frente. E corre com esse pneu por um grande espaço de tempo. Inclusive atravessa um túnel correndo com o pneu. É um filme feito antes de Five, mas de certa forma tem ou se aproxima da dimensão estética do outro filme abstrato de Kiarostami.

O cineasta iraniano não fez outros filmes nesse estilo abstrato e ao mesmo tempo dramático. Mas pelas suas obras como Gosto de Cereja e Onde Fica a Casa do Meu Amigo? conseguiu colocar seu país como um grande produtor de cinema artístico.

Olinda, 07. 06. 2021

Macunaíma, Freyre e Ciata

O curta, 20 minutos, tem um título longo: Do Dia em que Macunaíma e Gilberto Freyre Visitaram o Terreiro da Tia Ciata. É um filme feito / lançado em 1998 e eu vi agora no Making Off. A direção é da dupla de cineastas do Rio de Janeiro, Sérgio Zeigler e Vitor Ângelo. Uma inteligente curtição em torno de questões da cultura brasileira. Não só do candomblé, mas também do samba. Na equipe de intérpretes está a conhecida Zezé Motta, mais Léo Medeiros, Pascoal da Conceição, e Zezeh Barbosa. Uma representação de Mário de Andrade e do pernambucano Gilberto Freyre com ironia, mas com afeto e sensibilidade. O curta põe a questão do deslumbramento desses dois intelectuais em torno da cultura popular. E os preconceitos e as posições autoritárias principalmente. Se vê com bom humor e divertimento e se aprende sobre a realidade cultural brasileira.

Olinda, 08.06. 2021

O cinema de Haruki Murakami

Quando eu comecei a ler e-book, foi Haruki Murakami o primeiro autor que me atraiu e o livro inicial foi a trilogia “1q84”. Depois, li vários trabalhos desse escritor japonês. Entretanto, até há pouco nunca tinha pensado que sua obra deveria ter dado lugar a uma grande produção cinematográfica. Na verdade, despertei para isso após reler o romance Norwegian Wood e certamente porque descobri que vários filmes já foram realizados a partir de estórias de Haruki, que deu o filme Como na Canção dos Beatles – Norwegian Wood. É um filme realizado pelo cineasta japonês Tran Anh Hung, que ganhou prêmios inclusive no Festival de Veneza. Parece, porém, que o filme mais conhecido de obra de Haruki é o Em Chamas, que se inspirou no conto Barn Burning e foi realizado pelo sul-coreano Lee Chang-dong. No youtube, inclusive, tem a entrevista que a equipe do filme deu no Festival de Cannes. Um documento interessante sobre a encenação que é uma entrevista nesses festivais no outro dia depois da exibição do filme.

Mas também descobri que existe um curta feito em 1983 pelo japonês Naoto Yamakawa que se chama A Girl, She is 100%. No site que eu mais encontro filmes, o Making Off tem três filmes a partir de estórias de Haruki Murakami, entretanto não consegui baixar. Aliás, baixei o Em Chamas, mas está sem som. Enfim, fica o registro de que o autor tem um cinema a partir de sua obra. Mesmo que não seja tão popular, o cinema, quanto é a sua literatura. Certamente, pelo fato de que apesar de utilizar tramas bem intrigantes,  Murakami busca falar com certa profundidade daquilo que liga as pessoas. E o espectador de cinema ‘para divertir’ deve achar isso muito difícil.

Olinda, 17. 01. 21

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