“O Sequestro de Um Herói”: Exposição perigosa

O sequestro de um empresário francês dá ao diretor belga Lucas Belvaux a chance de discutir o papel dos conglomerados na sociedade capitalista e as armadilhas que são a excessiva exposição na mídia e a vida perdulária de suas lideranças.

              O multimídia Andy Warhol (1929/1987) cunhou na década de 70, época de grandes badalações, a frase que se transformou num slogan: “todo mundo tem direito a dez segundos de fama”. Precisa-se apenas obter exposição da mídia. Esta compulsiva exposição, porém, é cheia de armadilhas. Algumas fatais. Em “O Sequestro de Um Herói”, o cineasta belga Lucas Belvaux trata de sua dupla face: a do milionário francês, Stanislas Graff (Ivan Attal), cujo extravagante modo de vida termina por atrair a atenção de sequestradores, gerando uma crise em todas as áreas de sua atuação, inclusive em sua família. 

               Numa elucidativa conversa com o chefe dos sequestradores, Graff é cobrado por ter uma fortuna de bilhões de euros e estar regateando o pagamento de “míseros milhões de euros” por seu resgate. Diante de sua negativa, o sequestrador responde: “Sua fortuna foi publicada no jornal”. E lhe mostra, assim, que expor sua riqueza na mídia acabou virando uma cilada. Seu perfil de empresário de sucesso, respeitado pai de família, é posto em questão. E a mídia sensacionalista, com sua voracidade, passa a revirar sua vida e sua imagem esboroa-se, a ponto de ele se tornar irreconhecível.

               Esta, porém, é apenas a ponta do iceberg. Nas rápidas sequencias iniciais, Graff é apresentado como empresário ocupado, solicitado, que se multiplica em mil. Até ser desmistificado pela mídia e a polícia para milhões de pessoas, inclusive seu círculo empresarial, o governo, sua família e até seus sequestradores. Daí surge o Graff real, envolvido em todo tipo de ações condenáveis, gerando críticas do ministro que o protegia e intriga com seu vice-presidente André Peyrac (André Marzon). A questão político-empresarial, então, se torna o centro da narrativa, entremeada de entrechos, num frenético ir-e-vir.

              Entretanto, interessa mais a Belvaux desnudar o homem, o mito criado em torno de Graff, do que centrar a ação só no sequestro, embora este ocupe grande parte dela. Há todo momento, ele volta a Graff e à sua família.  Principalmente à sua mulher Francoise (Anne Consigny), única que nele confia, e menos sabe sobre ele. A cada etapa das negociações, têm-se a impressão de que se trata de outro homem. Ele tem outra vida, outra face, outros envolvimentos. Em função disso, a desconfiança nele se generaliza.

Empresário se tornou
Incômodo para todos

               Na verdade, Belvaux questiona a imagem pública que o capitalista projeta e o que ele na realidade é. O esclarece na indignação do ministro quando informado que Graff perdeu 1,5 milhões de euros numa noite “Ele faz isso enquanto 250 mil pessoas vivem na rua”. Noutra rápida sequência, o diretor, talvez sem intenção, o desmente, lançando suspeita sobre o próprio governo, por tirar o sistema financeiro do buraco em que se meteu. Uma notícia na TV informa que “os EUA liberaram US$ 250 bilhões para os bancos”. Isto num drama policial que passeia pelos altos negócios, inclusive “o próprio sequestro”, numa narrativa ágil, tensa, que mantém o espectador atento.

             Ao longo do filme, Belvaux entra em várias áreas, ignoradas pelo cinema atual. O emaranhado em que se transformaram os conglomerados, com negócios aparentemente díspares que se reforçam. E como são postos em questão os diversos segmentos a eles vinculados. Numa discussão sobre se o resgate de Graff deveria ser pago, entram em cheque a imagem da empresa, a rentabilidade dos acionistas, o emprego dos funcionários, a relação com os sindicatos, enfim, a sobrevivência do conglomerado. Toda a culpa é lançada sobre o mau comportamento de Graff.

             A arte, assim, amplia seu olhar. Não são apenas os dilemas da classe média, que merecem atenção. Existem temas igualmente urgentes. Não só a ganância e descontrole do sistema financeiro, tratados por Oliver Stone em “Wall Street I e II, merecem ser debatidos, também os conglomerados, outro centro da “globalização”, devem ter suas vísceras expostas na tela. Assim como suas consequências para a classe operária, com suas novas perspectivas e urgências. Esta contemporaneidade traz o cinema para a atualidade, longe dos filmes de ação e fantasia, hoje predominantes, muitas vezes eivados de mensagens capitalistas, individualistas, consumistas, alienantes.

           “O Sequestro de Um Herói”, com seus entrechos de thriller, cenas de ação, reforça o debate. O sequestrador, numa direta discussão sobre passatempos, revela que também quer desfrutar o mesmo que Graff. Mas não detém o dinheiro para tanto. Há toda uma motivação embutida na ação do grupo. Não é sequestro pelo sequestro. O estilo de vida de Graff provocou seu próprio impasse. E Belvaux sai com um desfecho intrigante. Graff, cujo individualismo e arrogância extremos chocam suas filhas vira um “homem-bomba”, pois dependerá dele acionar ou não o estopim que irá tirá-lo do beco sem saída em que se meteu. Dá para perceber a dimensão do problema.

O Sequestro de Um Herói”. (“Rapt”). Drama policial. França/Bélgica. 2009. 125 minutos. Fotografia: Pierre Milon. Roteiro/Direção: Lucas Belvaux. Elenco: Ivan Attal, Anne Conigny, André Marzon, Françoise Fabian.

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