Os revolucionários Macchiaioli

Há cerca de 140 anos atrás, na Itália, um grupo de artistas rebeldes toscanos, napolitanos e venezianos se reuniam no Café Michelangelo em Florença, em animadas discussões sobre temas artísticos e políticos. Ficaram conhecidos como “Il Macchiaioli” e renovaram a pintura italiana, no estilo dos Impressionistas franceses.

Esse movimento artístico foi visto em duas grandes exposições em 2013 e começo de 2014, em Paris, no Museu d’Orsay e em Madrid, Espanha, na Fundação Mapfre.

Macchiaioli significa exatamente “manchista”, uma designação de cunho pejorativo que foi usado para designar o que eram esses pintores rebeldes à academia. O termo foi cunhado em 1862 por um jornalista da “Gazzetta del Popolo”, com o sentido de zombar desses artistas anti-acadêmicos da pintura italiana. Depois eles mesmos adotaram esse título e o utilizavam para se auto-designar. Estes artistas representaram uma renovação na pintura italiana, pois em sua poética realista romperam com o neoclassicismo e com o romantismo que dominavam as academias e ateliês italianos. Os Macchiaioli são considerados, na Itália, os iniciadores da pintura moderna naquele país.

Palco de intensos debates entre intelectuais e artistas desde sua inauguração, em 1845, até a década de 1920, o Café Michelangelo ficava em Florença e foi lá que um grupo de pintores, reunidos em torno do crítico Diego Martelli, deu início ao movimento. A preocupação desses artistas era com a renovação da pintura italiana. Eles criticavam fortemente o purismo acadêmico dos pintores neoclássicos e românticos, e defendiam que a imagem do real deveria ser apresentada como um contraste de cores, de sombra e de luz. Por ironia do destino, o Café Michelangelo ficava a poucos metros da Academia Florentina de Belas Artes, que foi recebendo pouco a pouco – da parte dos jovens macchiaioli – apelidos como “quartel de inválidos”, “semeador de mediocridade”, “cemitério da arte”, etc.

Entre os principais líderes dos Macchiaioli que se encontravam neste local estavam Silvestro Lega, Giovanni Fattori, Telemaco Signorinim Odoardo Borrani, Adriano Cecioni, Angiolo Tricca e o crítico de arte Diego Martelli. Nesse Café – diz o catálogo da exposição de Madrid – se reuniam os jovens mais turbulentos da cidade. “Os realistas irrompiam com ímpeto desde a Via de Pucci – onde haviam comido pouco e mal na taberna de Gigi Porco – e entravam ruidosamente na Via Larga em direção ao Café Michelangelo. Para seus estômagos, acostumados à lenta e pesada digestão de burro cozido, e para seus nervos à flor da pele, até o café se tornava uma bebida insípida. Em agitação coletiva, misturavam rum ao café, bebida que tinha virado moda entre jovens pobres. Os alunos da Academia atravessavam a rua para não ter que cruzar com eles”.

Os jovens frequentadores do Café não só conheciam as ideias que fermentavam naquela Itália em mudança, como participavam ativamente de todo o processo, muitos deles com sacrifícios pessoais. E à mudança que eles reclamavam na estrutura da sociedade era a mudança que queriam implementar no campo da arte. Alguns deles participaram como voluntários em 1848 na Batalha de Curtatone, por exemplo, nos conflitos pela unificação da Itália. Telêmaco Signorini, um destes pintores rebeldes, se alistou como voluntário na artilharia, em 1859. Mas em 1862, enquanto seguia a Garibaldi na tomada de Aspromonte, seu pai faleceu. Signorini escreveu em seu diário: “Aspromonte. Morre meu pai de câncer, precisamente quando eu pensava em ir para Gênova com Garibaldi. Deixo o ateliê e a casa com minha mãe e meu irmão de 11 anos. Volto a ter um ateliê na Via Salvestrina e casa fora da Porta da Cruz, na Torre Guelfa. Faço um curso em Arno com Lega, Langlade e Madier. Fundamos a Escola de Pergentina e pinto o quadro ‘Ditosas são as galinhas que não vão ao colégio’”.

Assim como ele, diversos outros foram voluntários na artilharia e participaram ativamente das campanhas de unificação do país, até então dividido. Mas passadas as batalhas e uma vez a Itália sendo unificada, esses pintores desejavam agora representar uma nova Itália, como um país que se descobre a si mesmo, sua própria força, sua tradição.

Com a unificação da Itália, o que ocorreu naquele século XIX, foi feita uma Exposição Nacional em Florença. Nesse período, ficou clara a divisão entre a escola acadêmica e os macchiaioli. A polêmica se estabeleceu entre eles, não só do ponto de vista artístico, mas que abrangia toda uma visão cultural e política. Para os bravos macchiaioli, não podia haver diferença entre pintar quadros e derramar sangue nos campos de batalha. Esses jovens pintores sonhavam com um novo país.

A palavra “tradição” – diz a apresentação do catálogo da exposição de Madrid – podia soar como uma blasfêmia para os ouvidos dos macchiaioli. Eles consideravam que a juventude de toda a Europa deveria erradicar todos os velhos sistemas políticos, educacionais e militares, para substitui-los através da construção e do advento de uma nova era. Giuseppe Mazzini, um dos líderes e pensadores desses movimentos de rebeldia que inspiravam os macchiaioli, chegou a criar uma organização chamada “Jovem Europa”, à qual não podiam pertencer pessoas com mais de 30 anos de idade. Essa organização, mais tarde, aglutinou em torno de si as melhores inteligências democráticas, que intentavam destruir o status quo, não somente do ponto de vista de uma revolução nacional, mas sobretudo internacional. Claro que os conservadores detestavam essas ideias e esse líder dos jovens italianos. (Giuseppe Mazzini foi um revolucionário e patriota, fervoroso republicano e combatente pela unificação da Itália, assim como Giuseppe Garibaldi.)

Mas os macchiaioli viveram e morreram na pobreza. Mantendo-se coerentes por toda a vida, eles sempre se mantiveram críticos em relação ao mundo.

Capítulo à parte merece a velha disputa sobre a relação entre eles e os impressionistas franceses. A verdade é que eles mantiveram uma estreita, fecunda e contínua relação. O texto da exposição madrilenha complementa: “Foi talvez o destino diferente de seus itinerários que fez a diferença real entre os impressionistas franceses e os macchiaioli”. Por parte da França, um reconhecimento grande de seus artistas; da parte da Itália, o esquecimento dos macchiaioli.

Enquanto esta escola foi se extinguindo, no Grand Café du Boulevard des Capucines – outro café! – em Paris, os irmãos Lumière já faziam as primeiras experiências com o cinema. Vale salientar que a pintura dos Macchiaioli teve bastante influência em cineastas italianos, como Luccino Visconti e Mauro Bolognini, que encontraram nela uma inspiração iconográfica e uma linguagem especial da imagem.

Participavam desse grupo dos Macchiaioli: Serafino di Tivoli, Eugenio Cecconi, Edward Borrani, Sernesi Raphael, Nicholas Cannicci, Egisto Ferroni, Adriano Cecioni, Giuseppe Abbati, Eugenio Prati, Veronese Vincenzo Cabianca, Domenico Caligo, Giovanni Fattori, Silvestro Lega e Telêmaco Signorini. Em seguida, juntaram-se nesta direção os pintores John Bartolena, Leonetto Cappiello, Vittorio Matteo Corcos, Michele Paris, Oscar Ghiglia, Francesco Gioli, Luigi Gioli, Ulvi Liege, Guglielmo Micheli, Alfredo Müller, Plinio Nomellini, Simi Filadelfo, Adolfo Tommasi, Angiolo Tommasi, Ludovico Tommasi, Lorenzo Viani, Llewelyn Lloyd e Raphael Gambogi.

Além deles, Giovanni Boldini. Em 1862, retratista já conhecido, ele se instala em Florença para completar seus estudos na Academia. Mas ele logo entra em contato com os macchiaioli e também se junta ao grupo em torno do crítico Diego Martelli, que contribuiu para popularizar na Itália os princípios do impressionismo francês.

Na mostra espanhola que terminou no mês da janeiro de 2014, intitulada “Os Macchiaioli – realismo impressionista na Itália”, as 100 obras expostas eram procedentes de coleções públicas e particulares italianas. Os Macchiaioli também influenciaram a pintura espanhola do final do século XIX. Entre eles, o pintor espanhol Mariano Fortuny, que teve algumas de suas obras nesta mesma exposição.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor