Os transplantes de órgãos, a fila única e a burla da ética?
Questão é moral: quem banca deve participar das decisões!
Publicado 06/08/2008 18:12
Leia com atenção: ''Médico é preso suspeito de fraudar fila de transplante de fígado''; ''Oito médicos indiciados por peculato''; ''Pelo menos dois transplantes irregulares foram feitos''; ''Empresário nega ter furado fila do transplante de fígado''; ''Médicos do Hospital do Fundão suspeitos de desvio de órgãos para transplantes''; ''O Sindicato dos Médicos disse que Joaquim é profissional competente e reconhecido''; ''Missa é celebrada para acusado de fraude em transplantes''; ''Negado habeas corpus a médico suspeito de fraudar fila de transplantes'', pois para Justiça, solto, ele poderia interferir no depoimento de testemunhas.
São manchetes sobre a prisão do médico Joaquim Ribeiro Filho, ex-coordenador do Rio Transplantes e ex-chefe da equipe de transplantes de fígado do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ), no último dia 30, acusado de fraudar a fila única de transplante de fígado. A operação Fura-Fila, da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários da Polícia Federal, conta com o apoio do Ministério da Saúde.
As investigações datam de 2003: ''Ribeiro Filho chefiava a equipe da UFRJ e de uma clínica da Zona Sul que faz transplante de fígado; em 2003 há acusações sobre, pelo menos, dois transplantes nos quais os transplantados não eram os primeiros da fila. Num deles, a equipe recebeu pagamento de R$ 250 mil para fraudar a fila. Num terceiro caso, o transplante foi tentado, mas por falta de condições do receptor, não foi feito''. A advogada do médico, Simone Kamenetz, nega envolvimento dele em esquemas de fraudes e denunciou que ele 'vem sendo muito combatido por ter denunciado a falência na saúde pública e a falta de recursos destinada ao setor de transplantes'''.
Pontuo que a fila única de transplantes, que é um avanço democrático, é de responsabilidade do Ministério da Saúde, que em nota, em 2007, sobre o referido médico, disse que, se comprovada a denúncia, ele ''perderá definitivamente o direito de operar e ainda responderá criminalmente por desrespeito à fila de transplantes''. Abstendo-me de fazer juízo de valor sobre quem quer que seja, digo que quando os transplantes de órgãos ''viram'' caso de polícia, é chegada a hora de a sociedade debater amplamente o assunto, pois nunca o fez. Nem o governo e nem as associações profissionais médicas jamais popularizaram a temática. E as associações de transplantados, em geral, sofrem a tutela, explícita ou implícita, de médicos da área, uma limitação real ao debate público aprofundado sobre os problemas.
É senso comum que os transplantes são a substituição de uma peça estragada por uma novinha em folha e ponto final. É uma visão banalizadora que contribui para desvios das normas para os transplantes. Para coibir abusos, é necessário, mas insuficiente, que a Polícia Federal atue com rigor em caso de denúncias. O indispensável é que a população tome ciência dos significados políticos, econômicos, sociais e éticos dos transplantes, por vários motivos, mas em especial porque é quem os banca, com o suor do seu trabalho.
Ora, por uma questão moral quem banca deve participar das decisões! Num país onde os recursos para a saúde são insuficientes para cobrir os investimentos demandados, uma área altamente tecnologizada e consumidora de recursos astronômicos precisa de controle social e ético por parte da sociedade, já que os conselhos de Saúde (municipais, estaduais e até o nacional) ainda não agem com a presteza necessária na vigilância do uso ético da alocação dos recursos disponíveis para a atenção à saúde.