Teerã mantém-se firme em seu propósito de enriquecer urânio a até 5%, para a produção de energia nuclear (para que uma bomba seja fabricada os níveis de enriquecimento de urânio devem atingir 80%, coisa que a atual tecnologia iraniana não permite e esta longe de permitir).
Agora, a discussão ganhou corpo no Conselho de Segurança da ONU. Esse órgão é composto por 15 membros, sendo que cinco deles são permanentes (desde o início da criação da ONU, ainda que a China só tenha entrado posteriormente). Os outros dez membros, na qual o Brasil faz parte, são os chamamos membros rotativos. Os cinco grandes têm o poder de veto em qualquer resolução. São eles os EUA, a Inglaterra, a França, China e Rússia. É preciso esclarecer que se apenas um dos membros permanentes, ao ser votado uma resolução, disser “não”, mesmo que essa resolução tenha tido 14 votos favoráveis, ela esta derrubada, pois esse “não” significa poder de veto. Os EUA sabem bem disso e estão avaliando se adotam uma atitude que passe pelo CS ou se agirão de forma unilateral como tem agido.
Os debates vêm ocorrendo ainda de forma embrionária, mas devem ser concluídos até a semana que vem. Alguns dos membros do CS, especialmente dos Estados Unidos vem invocando o capítulo 7 da carta das Nações, que menciona “ameaça à paz” (sic). Ora o único país no mundo hoje que ameaça concretamente a paz são os Estados Unidos da América, com sua arrogância e prepotência, metidos que tem sido a xerifes do planeta. Caso se conclua que essa ameaça exista, as medidas que o CS pode adotar iniciam-se com restrições e mesmo boicote econômico, ou seja, passa a haver uma recomendação expressa para que países membros da ONU boicotem o Irã e seus produtos em todo o mundo. Essa é uma medida que foi adotada pela ONU em fevereiro de 1991, quando do término da I Guerra no Golfo contra o Iraque, que causou, estimativamente, mais de dois milhões de mortes em 15 anos de bloqueio.
Aqui vai uma avaliação pessoal. Existem dois caminhos possíveis neste momento. O primeiro deles é manter a via diplomática, passando por medidas de vistoria às instalações nucleares do Irã, por inspetores da AIEA e posteriormente resoluções pelo CS. Ocorre que neste caminho, é possível e até provável, que Rússia e China usem o seu poder de veto, impedindo sanções mais drásticas ao Irã, na qual eles tem interesse de manter parcerias. O segundo caminho é o da ação unilateral, bem típico da forma como Bush vem agindo desde a sua posse em 2001. Atiram primeiro e perguntam depois.
Meu palpite é que a segunda hipótese é a mais provável. Bush precisa de guerras, pois estas aumentam sua popularidade. Esta, porém, é mais arriscada e pode ser uma cartada fatal. A popularidade do presidente americano encontra-se nos níveis mais baixos desde a sua primeira posse. O desgastes com a ocupação militar do Iraque vem crescendo a cada dia. Avolumam-se os protestos da população que pede nas ruas “Tragam nossas tropas de volta” (Bring our troups for home). Já chega a 2,5 mil soldados americanos mortos (fora ingleses e de outros países). A Itália com a posse do novo governo de Romano Prodi na semana que vem deve anunciar, conforme promessas de campanha, a retirada de suas tropas do país. Assim, aumentará o isolamento do governo americano em sua política externa isolacionista.
Um ataque ao Irã, ainda que apenas por ar, com aviões que decolem de porta-aviões e de bases da Arábia Saudita e mesmo de Diego Garcia, podem não causar quase baixa alguma aos Estados Unidos, mas a reação iraniana e mesmo as baixas civis nesse país poderão causar danos sérios não só à imagem de Bush, mas até mesmo a cidadãos americanos e instalações e interesses estadunidenses em várias partes do mundo. O Irã abriu listas de voluntários para ataques suicidas (os famosos homens-bomba). Num só dia mais de 50 mil pessoas se alistaram. Qualquer americano em qualquer parte do mundo poderá ser atacado e será um alvo. Um rastilho de pólvora poderá ocorrer em 21 países árabes e nos 26 outros de população majoritariamente muçulmana. As conseqüências são imprevisíveis, mas seguramente danosas. O argumento, para enganar a população americana e à opinião pública não resistirão, pois qualquer especialista em artefatos nucleares sabem que o Irã não tem hoje capacidade alguma de fabricar artefatos nucleares, especialmente uma bomba atômica. As possibilidades de o Irã agredir algum país vizinho, especialmente Israel, são grandes, mas não de forma nuclear. Teerã possui mísseis capazes de atingir Israel e mesmo parte do sul da Europa, causar sérios danos, ainda que tais mísseis não transportem ogivas nucleares. Ou seja, a capacidade de reação do irão é muito superior ao que era o Iraque quando da invasão anglo-americana em 2003.
É preciso registrar que mesmo a Rússia tendo enviado sinais de que prefere a solução diplomática, as pressões são imensas. Fala-se em conceder prazos ao Irã de até três meses para que interrompa o processamento de urânio. Acho nesse caso também muito difícil que o governo iraniano atenda a essas propostas. Nos últimos dias, os maiores líderes políticos e espirituais do Irã deram declarações unânimes e extremamente contundentes na linha da defesa da soberania nacional e da sua autodeterminação. O líder espiritual máximo, Ali Khamenei, fez discurso nessa linha em tribuna especial onde ostentava publicamente um fuzil-metralhadora ao seu lado. Na mesma linha o ex-presidente, mais moderado, Ali Rashemi Rafsanjani. Quando a mídia ocidental apostava em cisões entre as correntes mais moderadas e a radical, dentro do xiismo, quebrou a cara, pois o país, o governo e toda a estrutura do clero xiita esta unificado no direito inalienável de seguir suas pesquisas nucleares.
O panorama político do Oriente Médio tem o seu desenho mais complicado com a mudança no bloco xiita do Iraque, com a capitulação da indicação do primeiro ministro. O atual Al Jafari, xiita, não estava sendo aceito pelos curdos, especialmente o presidente do país, Jalal Talabani, que vetava a indicação para mais um mandato à frente do governo. Os xiitas fizeram maioria no parlamento, mas não detém 50% mais um das cadeiras, tal qual recentemente, por exemplo, Evo Morales conseguiu na Bolívia e mesmo Chávez na Venezuela. Assim, os xiitas devem negociar, incluindo no novo governo os sunitas. O novo indicado, também um xiita, é Jawad Al-Maliki, que teria contado com simpatia dos americanos, das forças de ocupação.
As eleições parlamentares iraquianas ocorreram em dezembro do ano passado e até o presente momento não se conseguiu formar um novo governo, sendo que os ministros indicados desde o início do ano passado, do governo provisório, continuam em suas funções. Na verdade, tudo isso reflete a crise política, econômica e militar que o país vive, com ocupação e com a realização de eleições que são sempre colocadas sob suspeita, até porque o maior partido político do Iraque na época de Saddam Hussein, encontra-se hoje na clandestinidade e esta banido da vida política. Há fortes contestações à legitimidade do processo eleitoral em curso e importantes forças políticas seguem sem reconhecer o governo, ao qual acusam de ser testa de ferro dos Estados Unidos.
Há implicações com a formação do novo governo iraquiano e a crise nuclear do Irã, pois ambos os governos serão xiitas e mantém contradições com a ocupação militar americana. Isso tudo tem reflexo também na questão palestina, pois há uma dicotomia entre o governo e a Autoridade Nacional, que coabitam, mas são de correntes políticas também diferenciadas. O governo é do Hamas, grupo majoritariamente xiita e apoiado pelos xiitas do Irã, ao qual tem feito inclusive campanhas de levantamento de fundos para a causa palestina, na medida que a Europa e os EUA cortaram toda a ajuda humanitária à ANP pela vitória do Hamas.
É um verdadeiro caldeirão fervente e que em ebulição, ainda vai jorrar muita água. Daqui de longe, seguimos acompanhando e monitorando os desdobramentos desse processo, para informar melhor os nossos leitores.
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