Parede laranja

“É permitido escrever na parede laranja, uma lousa transformada num confessionário público, a censura quase não existe.”

Imagem: Vecteezy

Fecho o livro. O menino olha fixamente para a parede cheia de palavras, sua mão segura o queixo e tapa a boca. As palavras não fazem sentido algum quando não se sabe ler.  

O menino até tentava juntar as letras para soletrar nexos.  

A parede recebe a fúria e a ternura, as dúvidas e os desencontros. É permitido escrever na parede laranja, uma lousa transformada num confessionário público, a censura quase não existe. A gramática tem regras, e a linguagem é uma liberdade rodeada de grades. A parede laranja é um começo para romper com as palavras engasgadas no medo e nos arames farpados das normas do silêncio.  

O menino que lia o que não sabia descrever já não estava mais na sala, impossível quantificar as suas leituras.  

A parede laranja ficava ali. Enquanto lia as últimas mensagens da escritora carioca, antes dela ir para a capoeira, fiquei imaginando o seu gingado, a mansidão de quando esbugalhava as palavras, a sua face temperada entre rugas e danças suaves.  

A parede laranja não tinha o menino, muito menos a escritora. O texto não dito estampa as subjetividades e os caminhos desconhecidos. Leio em ônibus lotados, e a escritora escreve suas histórias num bar, em pleno carnaval carioca.  

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