Pra começar a conversa sobre Planejamento

Antes de tratar de método ou metodologias é precisa encarar de frente a visão que temos sobre o planejamento e a possibilidade de ação planejada. Debater porque um conceito pode ser, ao mesmo tempo, tão presente e tão distante das nossas práticas cotidianas.

É curioso como o conceito de planejamento acompanha a ação cotidiana das pessoas e das organizações, sem, no entanto, compor uma cultura efetiva de trabalho sistematizado e estruturado. No caso da ação partidária, em maior ou menor grau, esse fenômeno comparece.

Manifestamos permanentemente nossa compreensão de que é preciso planejar nosso trabalho e nossa intervenção na luta política e na organização do Partido, mas invariavelmente, quando fazemos, o fazemos sem método e sem que se estabeleça comunicação clara entre todas as partes interessadas em torno dos objetivos, dos meios disponíveis, das etapas de trabalho, ações e tarefas e dos mecanismos de prestação de contas e controle.

Lembro dos primeiros debates acerca do planejamento da ação partidária, há 25 anos atrás em São Paulo. Era comum ouvir de alguns camaradas que o planejamento, como método de trabalho, servia apenas ao mercado e à atividade empresarial. Que não servia à ação política, porque esta estava submetida a constantes alterações da conjuntura e não poderia ser planejada. Que o planejamento era como “Drops Dulcora”, embalado, quadrado e perfeito na sua embalagem. Curioso era ouvir, muitas vezes dos mesmos camaradas, elogios e louros ao planejamento dos comunistas, aos “planos quinquenais”, ao “planejamento de longo prazo chinês”, etc.

Isso ocorre, em minha opinião, por um conjunto de razões, dentre as quais destaco:

1)
O planejamento está desprestigiado porque é identificado com o planejamento tradicional, tecnocrático e determinista, como se esta fosse a única maneira de conceber o planejamento;

2) Dissociamos planejamento de ação planejada, ou seja, prevalece uma visão idealista ou ingênua de que a proclamação de objetivos é suficiente para colocar em movimento todos os envolvidos no processo de execução de determinado plano;

3) Desconsideramos a complexidade da realidade social e, sem garantir sua permanente atualização diante das alterações na conjuntura, permitimos que este rapidamente se distancie da vida concreta e seja, sumariamente, condenado enquanto ferramenta que organiza o trabalho;

4) Algumas vezes, não há real interesse na democratização da informação que o processo de construção coletiva do planejamento promove, tampouco na transparência no processo de prestação de contas e controle.

Que ferramentas devemos levar para a batalha?

É necessário resgatar e reconstruir o planejamento, porque como cálculo que precede e preside a ação, só tem como alternativa a improvisação. O planejamento é uma das ferramentas de emancipação das pessoas, porque com ela pode tentar impor a razão humana sobre as circunstâncias e os extremos da barbárie política e tecnocrática. A base do planejamento é a razão tecnopolítica. Cabe destacar que a maior expressão do nosso alinhamento político e ideológico é o Programa Socialista, que sintetiza a visão de futuro da nossa organização.

Creio que a forma como o planejamento enquanto método, sobretudo após o pós-guerra, ganhou relevância no Brasil e na América Latina, pelo mercado e para atender às necessidades de aprimoramento nas relações de produção e regulação do trabalho, possam ter contribuído para esse preconceito ainda muito arraigado entre nós. O planejamento público foi relegado a segundo plano na maioria das experiências de governos na América Latina, nos últimos 60 anos e, ainda hoje, assistimos a gestões públicas voluntaristas e improvisadas, que atingem o ápice de sua eficiência quando são capazes de agir satisfatoriamente diante das urgências que a vida impõe.

“Um governo não pode ser melhor que a organização que comanda.” C. Matus

Na ação partidária muitas vezes prevalece o voluntarismo, o espontaneísmo e a improvisação. Por todo o País presenciamos o engajamento, a motivação e compromisso da militância e dos dirigentes com o trabalho partidário. É, sem dúvidas, fato que merece destaque e reconhecimento, mas nem sempre todo esse trabalho se reverte em resultados concretos e acumulo político nos locais onde atuamos.

Isso porque, muito trabalho e pouco foco pode significar retrabalho, gastos desnecessários dos nossos recursos de várias ordens (humanos, materiais e tempo) e distanciamento dos nossos objetivos. Em uma palavra, planejamento é FOCO. Se não conduzimos nossas ações na direção dos nossos objetivos, prevalece uma intervenção reativa diante das alterações na conjuntura e nas ações dos nossos aliados ou adversários. Lógico que sempre procuramos agir sob um conjunto de diretrizes programáticas e estratégicas e isso nos dá relativa vantagem no jogo político. Nossa capacidade de descortinar caminhos e estratégias corretas e adequadas a cada conjuntura, é, sem dúvida, medida de eficácia da nossa ação.

Mas o planejamento não deve tratar apenas de eficácia, visto aqui como a nossa capacidade de identificar os melhores caminhos, mas também de eficiência e efetividade. Eficiência considera se somos capazes de manejar um conjunto de recursos, invariavelmente escassos, na direção dos nossos objetivos e metas. Considera se somos capazes de caminhar. E Efetividade tem a ver com os resultados efetivamente produzidos e/ou alcançados. Nossa ação pode ser eficaz, sem ser eficiente ou mesmo efetiva e vice-versa.

Implementar um Sistema de Ação Planejada no PCdoB requer enfrentar essas e outras razões que nos afastam do planejamento enquanto ferramenta e método de trabalho,

buscando incentivar uma nova cultura do planejamento, que deve ser apropriado por todos desde o CC até as Bases. Empiricamente é isso que fazemos na nossa ação cotidiana ou ao menos procuramos fazer. Porque então prescindir de um método eficaz e eficiente de organização do nosso trabalho?

A ação planejada deve ter compromisso com a eficácia, eficiência e efetividades dos nossos planos. Deve propugnar pela viabilidade do planejado e o foco nos resultados. Pressupõe articular e coordenar um conjunto de ações calculadas, na direção dos nossos objetivos e valendo-se de determinadas estratégias e táticas. A ação planejada pressupõe flexibilidade tática, adaptação constante à realidade do jogo social, que muda a cada instante e requer novos cálculos e novas diretrizes. Um plano estático, que não considera essa complexidade e ambiente de incertezas, que não considera que um conjunto de atores atuam em aliança ou oposição e interferem no jogo, esta condenado ao esquecimento e à “gaveta”, destino dos planejamentos deterministas.

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