Qual a força do Euro?

Num interessante artigo intitulado “O euro destronará o dólar?”, o professor William Silber questiona sobre a possibilidade do euro, a moeda da comunidade européia, ocupar no futuro a posição que o dólar ocupa hoje como moeda de reserva internacional (1).

Aparentemente, ensejos para o questionamento não faltam. Segundo Silber, “Entre os anos de 2000 e 2005, o dólar perdeu mais de 25% do seu valor ante o euro. Enquanto isso, a parcela de reservas internacionais mantida em euros aumentou em 18% para 24%, e a fatia do dólar caiu de 71% para 66%. Resumindo, o euro claramente fez algum progresso durante esse período de déficits na balança de pagamentos dos EUA (…).”


 


Apesar disso, o professor está cético quanto à possibilidade de o dólar perder “a coroa das finanças do mundo para o euro”. Em primeiro lugar, para se transformar na moeda de reserva internacional, o euro deveria (e aí vale, obviamente, para qualquer moeda soberana) se equiparar e ultrapassar a reputação do dólar nos mercados financeiros do mundo. Ou seja, caminho similar ao percorrido pelo dólar para chegar ao topo do sistema monetário internacional. Silber explica como a libra esterlina perdeu o status de moeda reserva no primeiro quarto do século 20 a partir de um acontecimento extraordinário: a Primeira Guerra Mundial. O conflito deu a primeira oportunidade para o dólar desbancar a libra quando as moedas nacionais dos países envolvidos na batalha se desligaram do ouro, com exceção da libra e do dólar. No final da guerra as condições haviam mudado. O Reino Unido passara de credor a devedor mundial. Destarte, em abril de 1919, as autoridades inglesas foram obrigadas a abandonar a conversibilidade do ouro, e seu retorno somente ocorreu em 1925, mas já era tarde: os Estados Unidos, que mantiveram a conversibilidade do dólar, se transformaram na principal potência capitalista no mundo.


 



A questão é que, nesse período, o ouro era o principal ativo, o ativo de última instância para qual os investidores corriam caso houvesse uma turbulência tão grave, que até o papel da libra fosse questionado. O momento atual possui uma diferença fundamental. Desde o fim dos acordos de Bretton Woods em 1971, as moedas nacionais não possuem mais lastro. Assim sendo, caberia perguntar para qual ativo os investidores correriam no caso de uma crise mundial que abalasse a confiança no dólar?  Uma crise de grandes proporções teria efeitos perversos na economia mundial e, portanto, não apenas sobre o dólar. O professor Silber aventa a possibilidade que, num caso como esse, ocorresse um retorno ao ouro como ativo de reserva internacional. Mas esta é uma hipótese praticamente descartada. Na globalização financeira a tendência é a forma imaterial de riqueza, de valorização fictícia.


 


 


A Europa como ela é


 



O euro tem a vantagem de ter nascido como moeda internacional, pois substituiu moedas de países que continuaram soberanos. Não obstante, há também grandes desvantagens. A Europa, como bem disse Luis Fiori, “está cada vez mais parecida consigo mesma e com toda a sua longa história passada” (2).  Alguns acontecimentos servem para corroborar a afirmação. O professor Fiori lembra que o primeiro ministro britânico “Miliband anunciou ao mundo, com todas as letras, que o governo de Gordon Brown não se submeterá ao sistema monetário europeu, nem aceitará qualquer tipo de soberania imperial ou de política externa unificada sob o comando de Bruxelas”.   Já o novo presidente francês Nicolas Sarkozy “fez declarações e tomou decisões que colocam a França em confronto direto com a Alemanha e com quase todos os seus pares da União Européia”. Reconhecidamente autoritário e de tendência xenófoba, Sarkozy insiste, com alguma veemência, que o Banco Central Europeu (BCE) deve intervir para desvalorizar o euro. Por outro lado, a ministra alemã Angela Merkel, fazendo a sua parte como representante da potência líder da Europa, acusa o presidente francês de tentar desestabilizar o euro e a independência do BCE.
Além disso, o presidente russo Vladimir Putin avisou que não ficará calado diante da instalação de antimísseis interceptadores na Polônia e de radares na República Tcheca (3). O tom do presidente russo não deve ser ignorado. A Rússia iniciará a produção em grande escala de mísseis intercontinentais de ogivas múltiplas Bulava-M, que podem transportar até dez ogivas nucleares de trajetória independente, o que dificultaria a ação dos escudos antimísseis.


 



Os Estados Unidos por meio da OTAN continuam comandando a política de defesa da Europa apesar do fim da Guerra Fria. Mas a Rússia não está disposta a aceitar pacificamente a sua ampliação. Francamente, é difícil imaginar uma Europa com este nível de tensão, que tende até a aumentar, criar as condições necessárias para que o euro substitua o dólar. Como bem ressaltou Silber falta algo imprescindível a comunidade européia: o mesmo nível de comprometimento que os Estados Unidos têm com o dólar.


 


Notas


 



(1) Treze países da União Européia utilizam o euro, entre eles Alemanha, França e Espanha.
(2) SILBER, William (2007). “O euro destronará o dólar?”. Valor Econômico.
(3) FIORI, José Luis (2007). “Breve notícia da Europa”. Valor Econômico.
(4) COSTA, Antonio Luiz (2007). “A guerra requentada”. Carta Capital, nº448, 13 de junho.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor