Quando a história se repete
A teoria nos ensina que a história só se repete como farsa ou tragédia. A eleição de Amazonino, pela 2ª vez, a prefeitura de Manaus comprova a assertiva na condição de tragédia, embora não seja surpresa para os observadores mais atentos.
Publicado 04/11/2008 20:35
Em 1986 o PCdoB e o PSB organizaram o “Muda Amazonas” com o objetivo de disputar as eleições para o governo do Amazonas. A coligação contou com o apoio do PDT (recém organizado por egressos da Arena) que forneceu o candidato a vice. O candidato a governo era Artur Neto, então no PSB, e o vice era Serafim Correa, então no PDT. O adversário era Amazonino Mendes, apoiado por Gilberto Mestrinho (PMDB) e surfando na popularidade do “plano cruzado” de Sarney.
A ditadura militar havia acabado formalmente apenas um ano antes. As forças de direita, recém apeadas do governo, ainda estavam ativas e esboçavam certa capacidade de reação. O PMDB, com todas as suas contradições e limitações, representava o contraponto real ao que havia sobrado da ARENA, agora aglutinados em torno do PDS. Por isso mesmo a direção nacional do Partido não via com simpatia o lançamento de candidaturas que eventualmente pudesse colocar em risco esse frágil avanço democrático.
Fomos chamados a Brasília para uma conversa reservada com João Amazonas, presidente nacional do Partido e um símbolo do movimento comunista internacional. Suas intervenções políticas eram como uma aula de história, tanto pela profundidade teórica quanto pela vivência prática. Via de regra era a “palavra final”.
Ele fez uma longa exposição sobre tática de alianças. Recorreu à experiência dos bolcheviques na revolução russa e particularmente aos ensinamentos de Lênin sintetizados na máxima de “um passo a frente dois passos atrás”. Chamou a atenção para o “esquerdismo” já manifestado em outros momentos históricos da luta popular no Brasil, especialmente em relação à revolução de 30 e o governo de Jango.
Concluía, portanto, que talvez fosse precipitado e equivocado o nosso projeto.
A rigor a conversa terminaria ali. Mas não terminou. Nossa ousadia e teimosia sempre foram a marca registrada do Partido no Amazonas e apresentamos nossos “argumentos”. João Amazonas tinha outra característica extraordinária: ouvir o interlocutor e extrair o que eventualmente tivesse de aproveitável na interlocução.
Fizemos a nossa contra-argumentação sustentando que a construção de um bloco mais a esquerda naquele momento não colocava em risco eventuais retrocessos no Amazonas e representava a única alternativa capaz de alavancar o movimento popular, que objetivamente não encontrara espaço na gestão de Mestrinho e muito menos encontraria numa eventual vitória de Amazonino.
Após argumentos e contra-argumentos João Amazonas concluiu a reunião com uma frase síntese: “muito bem, vamos fazer a experiência. Boa sorte”. Amazonino ganhou as eleições, como de resto ganhou praticamente todos os governadores do PMDB, tal qual ocorreu agora quando Serafim foi o único prefeito de capital não reeleito.
Mas um bloco alternativo havia sido construído e se sagraria vitorioso com a eleição de Artur Neto, ainda no PSB, para a Prefeitura de Manaus em 1988. Serafim Correa assumiu a Secretaria de Finanças, até romper com o prefeito. Esse bloco só veio a se esfacelar definitivamente em 1992 após Artur Neto ter migrado para o PSDB e feito sua conversão ao credo neoliberal, inclusive defendendo o apoio de seu partido ao então presidente Collor. O rompimento com a esquerda foi inevitável.
Naquele tempo não havia reeleição e Artur apresentou, em composição com Gilberto Mestrinho, o então Deputado José Dutra (PMDB) como seu candidato para as eleições de 1992. Seu vice era do PSDB. Perderam as eleições para Amazonino numa situação que em muito lembra a derrota atual de Serafim Correa para o mesmo personagem.
Os traços comuns na gestão de Artur e Serafim (que contou com o apoio de Artur e do PFL) e que talvez explique a causa da derrota de ambos podem ser sintetizados na incapacidade administrativa (gestão extremamente mal avaliada), na dificuldade de relação com o movimento popular e no rompimento com a esquerda.
Como se pode ver a história se repete. Nesse caso como tragédia.